sábado, 29 de dezembro de 2007

Tempestade de Verão


A distância que nos separa tão cruelmente,
É o corte mais profundo em minha derme.
Mais um recado no vazio em outra insólita madrugada,
Passa das seis da manhã e uma minguada luz começa a preencher a escuridão.
Pensamentos soltos que buscam sempre o seu semblante.
A sombra da saudade alimentada pelos ponteiros do relógio.

Pilhas de trabalho sobre a mesa e uma canção ecoando pela minha mente,
A profundidade dos sentimentos é resgatada na fria tempestade dos trópicos,
Tantas perguntas que ficaram no ar,
Tantos desejos guardados entre o calor dos lábios,
Tantas lembranças correndo minha mente,
A vida é um saco de memórias e algumas lágrimas.


Quantas noites em Sol buscando um único pensamento?
Quantas palavras exauridas engolidas com a saliva?
Quantos dias em pressão profunda em borda de medos indeléveis?...
A vida perambulando em branco e cinza,
As cores fugiram junto com os seus passos,
Galgo cada degrau da escada que desço até a profundidade do que restou dos sentidos.


Se soubesse por um momento o quanto do cálice amargo que é servido aos meus olhos,
Certamente entenderia que a vida vai muito além das fobias e devaneios,
A curta vida entre o meu Amor e sua (des)razão,
A solidão que nos priva de um sorriso mais vindouro,
A canção que soa latente pelos seus ouvidos é o meu canto platônico de apelo:
- Não ceife na raiz o triste podar de nossa estrada!


Passam as folhas do calendário,
Risco os dias para não lembrar do silêncio,
Nenhum festejo comercial ilude meus olhos,
Nenhuma palavra sai dos meus lábios colados,
Toneladas atrozes sobre meu peito,
Joelhos flexionados até o chão...


Não ignore o calor dos meus dedos entre suas mãos,
Não sele com temor os lábios que tanto foram unidos com os meus,
O verão possui a frieza dos dias lacônicos de inverno,
O suor desliza sobre meu corpo com pequenos blocos de gelo,
O inverno de verão é tão cinza quanto à imprecisão dos dias,
O vento e a tempestade levam a cada dia uma pequena gota d´água da minha face...

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

A linha tênue



Rasgam-se os dias incertos,
Nem sempre na mesma tempestuosa clemência,
Do espectador à espera de sua liberdade diante do corredor da morte.

Enlouqueço ou silencio?
Quando a porta não se abre,
Os dias, velhos dias, são quase todos pardos,
Na espera quase fleumática,
A saliva seca no meio do deserto,
Da poeira trazida pelo chão casto,
Dos momentos de tortuosa expectativa...

Enlouqueço ou respiro?
Eis a dúvida de cada manhã insólita!
Nada faz amenizar os dias de angústia.
Cárcere cinzento com a jaula para os sádicos,
Roncam os dias de labuta e latência,
O suor desliza gelado pela espinha,
Os dedos tremem ao observar os ponteiros do relógio,
Nada é dito sem olhar as estrelas,
Um silêncio absurdo absorve o Tempo,
Não existe azul no céu,
Apenas nuvens turvas e sem brilho,
Hoje é triste!...
Amanhã também!
Caminho na linha tênue entre a cor e o verniz.

Enlouqueço ou regurgito?
O que se passa no semblante,
Dos olhos da amada?
Nunca sei ao certo,
Apenas posso ter uma vaga idéia,
Dos esconderijos e das inquietações,
Que apavoram seus olhos,
Jazem no silencio dos lábios castrados,
Todos os segredos enegrecidos entre trevas.

Enlouqueço ou penitencio?
Até quando a espera saciará os lábios desejosos de chuva?
Até quando a luz que cega seus olhos ilumina os caminhos mais simples?
Até quando seus pés caminharam distantes da palma de minhas mãos?

Enlouqueço ou pereço?
Não há lábios que calam minha ânsia,
No horizonte hostil entre o azul e o negro pálido,
A vida desdenhada não encontra Paz,
Sem um lampejo de voz,
Nada ecoa diante dos corações partidos.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Em silêncio... (Canção para um Amor Maior)


“O teu silêncio é uma nau com todas as velas pandas...
Brandas, as brisas brincam nas flâmulas, teu sorriso...
E o teu sorriso no teu silêncio é as escadas e as andas
Com que finjo mais alto e ao pé de qualquer paraíso...”
(Fernando Pessoa)



Em silêncio, estou a pensar
sobre tudo que rodeia meu cerne:
angústias e aflições,
temores e esperanças,
um microcosmo desfalecido.


Em silêncio, sinto o valor dos desejos
tangíveis a minha mão
deslizando pelos meus dedos,
como lava incandescente
incinerando minha alma.


Em silêncio, sufoco o latejar da dor
batendo deliberadamente em meu peito
o triunfar da melancolia
permeia o meu vazio ser,
assolando meu coração.


Em silêncio, o fino aço de sua mordaz apatia
delineia sobre o meu pulso marcas
escorrendo meu vital líquido,
liqüefazendo-me a cada instante
que Você povoa a minha mente.


Em silêncio, numa manjedoura escuridão
procuro incessantemente pelo brilho de seu olhos
luz que meu coração deixou-se seduzir
caminhos de tempestuosidades inegáveis
rios de desolação em profundas turbulências.


Em silêncio, sinto saudade do beijo
que nunca tive oportunidade de lhe dar,
perdido em desertos escaldantes
confesso a angustiada espera
pelos nuances do oásis lábios seus.


Em silêncio, fico a imaginar
se seu Amor existe,
se não é apenas um infeliz palpite
ensejo que até a Lua acredite
mas, até agora, tudo é tão triste!...


Em silêncio, embriago-me sem cessar
em delírios subjacentes,
incertezas mórbidas,
um penar inaudível
como o ressurgir de mais um dia acinzentado.


Em silêncio, é preciso ser
mais rápido que a fugaz luz
para vencer a solidão de me conduz
procurando esquecer o semblante que seduz
o brilho opaco que sua ausência produz.


Em silêncio, malogrado estou
pelas vãs tentativas de lhe alcançar.
Ah, imponderável Amor, musa desta insipiente toada
circunavego em mares indissolúveis
preso pelas veleidades incessantes deste teu olhar,
desvairar meio de lhe amar!


Em silêncio, temo em acordar
e pensar que tudo pode ser fantasia,
devaneios de um lírico desbotar
como a pétala de uma rosa caída ao relento
impulsionada pela dor de um severo vento,
silenciosamente pairando no chão a desencantar.


Em silêncio,
acendo parafina,
teço uma prece,
fecho meu corpo,
limito a minha voz,
aprumo minhas mãos
pedindo ao Criador que me abandonou
o sublimar de um pequeno Amor
deste seu adiabático coração,
acendendo um vil lampejo
nas trevas desta ingrata solidão!


Em silêncio,
estou a calar,
estou a naufragar!
Mas não importa,
nada, nada importa!
Apenas quero lhe ajudar,
quero que a felicidade sempre sorria para Você!
Assim como o meu desejo
que sorrias para mim!
Neste instante,
a tristeza há de cansar...
Cansado estou eu!...
Cansado meu coração está...


Em silêncio,
busco em pensamentos
perguntas sem respostas,
dores em afagos,
pranto sem lágrimas...
Quais são as palavras
que alvejam o seu coração?
Qual é o mistério
que tenho que fazer velar
para poder mais lhe agradar?
Quanto tenho que silenciar
para que possa me ouvir?
O que preciso fazer
para que seu sorriso seja apenas de felicidade,
uma singela felicidade,
que lhe faça realmente feliz?


Em silêncio,
quero gritar bem alto
para que todos possam sentir meu clamar
e saber que é possível ouvir
tudo o que tenho para dizer...
Desta forma, Você também ouvirá:
Olha, não é preciso esforço.
tão pouco sacrifício,
apenas deixe-se ouvir,
ouça a si mesma...
Ouça!...
Ouça as palavras que silenciosamente
procuro transmitir!
Ouça o meu silêncio,
que em silêncio procuro lhe dizer:
Deixe-me tocá-la sem temor...


Em silêncio, meu desejo é sempre estar com Você!
Minha alegria é sempre quando posso lhe ver,
minha tristeza é quando seus olhos
se ausenta de meus olhos,
meu devaneio maior é o encontro se seus lábios
com os meus lábios...
Minha fobia maior é quando tudo apagar
o meu faz-de-conta terminar
e nunca mais lhe encontrar...


Ouça o silêncio de quem sempre lhe amou!..
Em silêncio!...

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Claridade (Olhos bem fechados)


Busco seus olhos,
Como o lamento preso ao cárcere
Em busca de libertação...
Ser livre da mordaz fobia,
Ser livre da atroz solidão,
Ser livre da angústia do não-viver...

Busco seus olhos,
Como quem busca o sorriso,
Um riso,
Um simples sorriso,
Quase sem graça...
Quase sem dor...
Quase sem alegria...
Um sorriso tão tímido,
Quanto a timidez diante do seu olhar...

Olhos que queimam,
Olhos que devoram,
Olhos tristes...
Olhos tenros, ternos...
Simples como uma pétala,
Simples como uma brisa a beira-mar,
Simples como a luz...

Olhos que castiga,
Olhos que oprime,
Olhos que deprime,
Olhos que me encanta e condena,
Penar o seu amor...
(Penar é o que faz aquele
Que se liqüefez por seu olhar...)
Olhos que intriga a razão,
Olhos que amordaça a lucidez,
Olhos que freneticamente busco,
Aproximar do seu lânguido brilho...

Ah! Quanta sede tenho,
Destes seus olhos esmeraldas,
Quero me saciar deliberadamente
Em seus olhos cristalinos verdejantes...
Quero a luz...
Quero a luz de intensidade ímpar,
Proveniente de seus olhos,
Simples como o brotar da manhã,
Simples como o queda de uma gota de orvalho,
Simples como o céu...

Tragam-me seus olhos,
Por favor, esta sede me sufoca,
Esta sede escurece minha visão,
Esta sede que inebria minhas ilusões,...

Olhos! Tragam-me estes seus olhos de brilho infinito,
Olhos que clarificam o espaço,
Iluminam minha solidão,
Iluminam as trevas em meu coração...

Não quero desfalecer!...
Sedento aos seus olhos,
Não quero morrer sem saciar minha sede...
Quero mergulhar em seus olhos,
Naufragar em sua claridade,
Saciando-me de felicidade eterna...

Doce claridade,
Que a cegueira dos seus olhos,
Não obscureça a luz radiante da nostalgia,
Presente na retina dos meu olhar,
Sem jamais esquecer o intenso brilho do caminho,
Que hoje os olhos fecham para tudo ao redor.

Luz, que faça a luz!
Claridade que ilumina e afugenta os medos!

Que ilumine as mãos como um farol,

Onde quer que esteja,
Nunca feche os olhos...

Sem luz não há vida,
Sem luz não há claridade,

Sem a sua luz, tão pouco é iluminado aqui...

domingo, 16 de dezembro de 2007

Concepções


Datas! O que são datas?
Marcos referenciais inúteis,
Ou lembranças destemperadamente fúteis?
Não! Não podem ser marcadores de páginas,
Não podem ser tinta ao livro de visitas,
Não se diminuem em registros hieroglíficos...
O que dizer então do Natal?
A panacéia da caixa-registradora tilintante?
Falso escambo entre pessoas?
Feridas em metástase?
O Natal é tudo o que pensar,
E é muito mais do que o imaginário materializar...

Volúpia ou louvor,
Veleidades ou necessidades,
E há quem desacredite em tudo isto!
Então, qual é o sentido de uma data assim?
O Natal não é uma simples data
É um estado transubstancial,
Que aufere ao crente a bênção do Senhor,
E respinga no descrente o respeito do símbolo.

Não há como ficar indiferente,
Se o Natal fosse apenas uma simples data,
Então, precisaríamos criá-la!
Não pelo seu fetiche que lhe é intrínseco,
Mas para vingar uma semente de humanidade
No leito de pedra que enverniza o coração humano...

O Natal não é apenas uma data,
Uma data pode significar um Natal!

sábado, 15 de dezembro de 2007

Louvação (Lúdica Toada)


"Para que cantarei nas montanhas sem eco
As minhas louvações?
A tristeza de não poder atingir o infinito

Embriagará de lágrimas a minha voz".

(Vinícius de Moraes)



Quando meu Bem resolver
Descer de seu inatingível pedestal
Irei ao seu encontro.
Com um sorriso extático,
Uma rosa na mão
E uma lágrima na face
Estenderei meus braços o máximo possível...
Minhas cambaleantes pernas seguirão a luz esmeraldina,
Em sua direção, a cada passo dado
Será um latejar de felicidade em meu coração
E a cada centímetro que aproximar
Será uma chaga fechada
Em meu peito circunavegado de marcas indeléveis.


Ah, doce Ninfa!...
Quando resolver colocar a maciez de seus pés neste solo,
Onde os mortais são secularmente dilacerados,
Como o joio que sufoca o vindouro trigo,
Tempestade silenciosamente suicida,
Personificação do febril inferno de Dante...
E sob a noite que encobre a pálida solidão
Estarei a lhe buscar...
Em delírio, observarei estaticamente sua face,
Esboço pueril do brio que despoja minha alma...
Caso tiver sido digno de seus olhos,
Repousarei minha mão em seus dedos cor-de-algodão
E, sonoramente, recitarei ao seu ouvido:
“Eu te amo!”

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Dialética (Uma canção sentimental)


Você pode me fazer chorar,
Você pode me fazer sofrer,
Você talvez dirá que nunca me amou,
Mas o meu amor por você,
Nunca entenderá, nunca saberá o por quê,
Porque nem mesmo sei ao certo
O que causa esse amor,
O amor por você!

Toda paixão digna de nome,
Reside no fato de coexistir uma grande sinceridade!...
Sinceras são minhas palavras
(Por que não acredita nelas?),
Sinceras são minhas canções
(Por que não alveja o seu coração?),
Sinceros são os meus sentimentos
(Por que não crê no meu amor?)...

Não há razão!
Não há razão para o amor,
Não há razão para penar,
Não há razão para encontrar
Alguém para ter como par,...
(Há razão na paixão?...)

Será um imenso favor
(Já dizia uma antiga canção),
Gostar de alguém?
Será que a razão
Ressoa mais alto que uma paixão?
Talvez a razão possui algum sentimento,
Encrostado no peito,
Em segredo,
Um eclipse oculto pela própria natureza,
Qual a razão para o amor?

Querer um beijo,
Um desejo que não tem cura?
Se a razão nos encurta as emoções,
Destoa nossas cândidas ações,
É preferível,
Logo então,
Viver com a razão
A nunca ter uma paixão?

Como um invisível escudo sentimental,
Quem pretender blindar-se na lógica da fleumática razão,
Jamais conhecerá o que é o amor!
Razão e paixão,
Uma dialética que malogra o coração,
Desfigura as ações,
Cala o silêncio,
Escurece a solidão...

Amor e humor,
Rimando com claustrofobia, dor e ardor,
Será que algum dia,
De tanto caminhar errático sem orientação das setas,
A encruzilhada conhecerá o fim?

domingo, 2 de dezembro de 2007

(In)transparências (ou Mentiras sinceras, verdade corrompida)


A verdade está lá fora?
Quem sabe esquecida dentro de alguma gaveta?
Em algum lugar onde não sei mais buscar,
Debaixo de uma pedra ou fincada no leito de um rio,
Sobrevoando arranha-céus em desfilando em becos,
Na vala de um córrego ou velada pelas lágrimas de algum cemitério,
Na areia recheada de penachos dos galos de uma rinha ou na batalha insana do trânsito,
Pairando em cima de um telhado ou sendo levada pela correnteza de alguma chaminé.
Incinerada por uma fornalha ou sedimentada por um desmoronamento após as águas de março,
Na boca disforme de um leproso ou nas mandíbulas de um chacal.
Nunca chegamos a real verdade,
Dúbia, passional e fosca,
A verdade é um caminho conduzido pela fé dos mortais.
A verdade tem propriedade ou será um bem coletivo?
Qual o seu preço na bolsa de apostas?
Quem sabe se aproximar de onde a verdade está?

Quais os passos que levam a minimizar a distância,
A verdade entre os seus e os meus lábios?
A verdade que ninguém sabe ao certo,
A verdade que nutre tantas ansiedades.
Envolvemos-nos com tantos dilemas e postulamos nossos horizontes,
Por que não conduzimos nossas vidas observando o próprio interior?
Onde a verdade está? – eis a sempre alucinada questão.
Qual a trilha verdadeira a peregrinar?
Ninguém sabe?... Talvez ninguém tenha razão.
Cada gesto é um olhar impessoal,
Particular de cada alma açoitada pelo Tempo,
Cada artifício jorrado pelas palavras em desavenças,
Nada indica que chegaremos o fio da verdade,
Nada poderá conduzir uma estrada sem dolo.
Nada vai salvar as almas condenadas pelas próprias mãos.

Quem é o dono da verdade?
Quem é o criador que conhece seus sortilégios?
Quem acredita que exista uma única verdade?
A verdade impregnada em cada um de nós,
Nutrida por cada sílaba acre de sangre,
Podada pelas intempéries do destino particular,
Jazigo abreviado do longo martírio dos dias em descanso.


Recorde para o que há dentro de sua alma,
Quais os dias mais felizes que possa fazer lembrar?
Quantas verdades absorvidas de sentimentos reais?
Quantas palavras deixadas de lado para nenhum propósito?
Quantos olhares que se perderam na trilha fechada da indiferença?
Ao sabor dos ventos é deixada a vida fluir,
Sem rumo ou direção,
No limite profano entre a alegria e a insensatez,
Mãos em derrotas, joelhos dobrados rente ao solo,
A janela que se fecha guardando algumas verdades,
A voz rouca de tanto querer dizer verdades,
A saliva que secou engolindo poucas verdades,
A verdade das fobias.
A verdade dos infames.
A verdade dos canibais.
A verdade dos insanos.
A verdade dos lunáticos.
A verdade dos enfermos.
A verdade dos solitários.
A verdade dos embriagados.
A verdade das alcovas.
A verdade das alcoviteiras.
A verdade dos crentes.
A verdade demente.
A verdade que tanto mente...


A mentira cansada de ser pregada como verdade se transforma na própria verdade.

A verdade escancarada,

A verdade necrosada.

A verdade tão errônea,

A verdade esquecida.

Certo ou errado?

A verdade é uma pedra quase nunca lapidada.

sábado, 1 de dezembro de 2007

O avesso


Quando as palavras findam,
Um vazio extensível acampa a retina,
O frio que assolava as madrugada de inverno,
Presenteia com a sua severidade em dias de Sol a pino.

Tanta calmaria não faz renegar a verdadeira face,
Dentro do espaço circunscrito dos anseios,
Pulsa a intensa sinergia da constrição,
Noite e dia, pensamentos vagam sem morada.

O avesso do vazio é a profundidade dos sentidos,
A febre que se perde em insensata aversão,
Tão súbito quanto o cair de uma tempestade,
A chuva de granizo que fortifica tanta ansiedade.


O avesso do Amor é a indiferença,
Jazigo das palavras fragmentadas e inertes,
Interrompe-se o zelo dos olhos unidos em sintonia,
Ampliam-se as margens da lacônica distância.


O avesso do sonho é a treva,
Lateja no peito uma mácula de profunda dor,
Atinge na derme um corte hostil,
Sangue em pequenas gotas de um rio de indiferença.


O avesso da música é o estrondo,
Que zune a toda hora e em cada pesadelo,
Que não permite o trafegar de um sono mais tranqüilo,
Fiel marca-passo da insônia.


O avesso da alegria é a tragédia,
Sela a alegria contagiante dos lábios,
Nutre com pavor os dias de expectativa,
Ceifa sem dolo as mãos unidas em pranto.


O avesso da liberdade é o cárcere,
Trancafiado na jaula da apatia dos antigos sentimentos da pele,
O grito que não ecoa entre as montanhas da inquietude,
A privação dos desejos contidos no chão tão fértil das mãos atadas.


O avesso do sexo é a castração,
Interrompe o potencial do desejo,
O clímax tão perfeito é deixado do outro lado da ponte,
O sabor da saudade sedenta e morta na boca.


O avesso da notícia é o silêncio,
Prisioneira do fardo das horas,
Castigada pelas veleidades do medo,
Cansada da luz que incomoda na escuridão.


O avesso de Quixote é Pilatos,
A labuta do cavalheiro tangido pelas ilusões e assombrações,
A nefasta presença da covardia imersa na bacia d´água,
Os moinhos de vento vão além de meras abstrações do imaginário.


O avesso da terra é o pântano,
Pés deslizando no ópio das angústias,
O segredo da vida cedendo a liberdade para o lamento,
Os dias tristes sendo alimentados à exaustão.


O avesso da esperança é o adiamento,
Cansando os nervos e não cicatrizando as batalhas,
A estrada das lágrimas avança quilômetros a cada recuo,
Os caminhos cruzados se ampliam na luta diária da vitória interditada.


O avesso da hora é a morte,
Sinalizando o limite da ação na palma do desconforto,
O farol sinalizando o fim da viagem,
O céu carregado de fel desabando de tanta frustração.

O avesso do avesso,
É a manutenção da perplexidade exercida pelo
status quo sentimental,
Quando o orgulho ingênuo domina o clamor dos lábios,

E paira no ar, a derrota fratricida de corações atados pelos uivos da muralha.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Impertinências do real


Tarda o dia,
E dura pouco mais que algumas horas.
Tarda a hora,
E se alonga pouco mais de alguns minutos.
Tarda a espera,
E se estende muito além de uma incerteza atroz.

Todas as palavras soltas,
Polvilhadas pela calçada,
Caminham inexoravelmente para um dilúvio.
Todas as sílabas fonéticas,
Migram para um imaginário de opressão.
Quanto resta a se feito e refeito para serem colados os dedos novamente?
Quando todas as ações são negadas,
E os paradigmas ainda fincam seus desígnios.
Tantos símbolos sinalizando as rotas erráticas.

Um olhar introspectivo esfacela o destempero do cotidiano,
Ânsia da descoberta solta pelos corredores do pensamento.
Tempo que se prolonga evasivamente como molas soltas,
Uma matemática frustrante resulta na divisão dos lábios,
Querelas hostis ao sabor do cálice dos condenados.
Abraço os dias como parafina se aproximando da chama,
A música soa tão estridente quanto à miragem dos seus pés.


Hoje a razão partiu do meu peito,
A bússola se perdeu imerso num leito de indagações,
Indefeso contra as insanidades tão ternas da paixão,
Conduzo meu lápis pressionando a grafite no papel.
Cada dia da semana transcende a cada passo incerto com lentidão indesejada.
Engano meu relógio dizendo que logo vem àqueles olhos,
Mesmo estático, almoçado em locais de grande movimento,
Segue a rotina de desenraizar memórias e delinear alguns versos.


De um lado para outro,

Nenhum semblante é igual ao seu,

Na cadência da saudade,

Transeuntes pelejam ao sabor da rotina,

Lábios e mais lábios que não se parecem com aqueles que tanto alvejo,

O perfume que embriagava não mais exala de sua fonte,
As impertinências agonizam as dores mais profundas.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

As ilusões do sótão


Ainda gostaria que soubesse que nunca podemos nos esconder atrás do silêncio,
Gostaria ainda que a verdade fosse uma simples nostalgia moribunda,
Um breve artifício para sobreviver os pés atados ao pântano,
O ar exalado não fosse causar uma dor maior no interior da muralha.

Talvez a vida ficasse mais fácil quando acreditamos na inútil fuga de nós mesmo,
Como se fosse possível abrir a porta do sótão e atirar todas as angústias perfazendo uma montanha imaginária de dilemas,
E após acumular todas as coisas que nos fazem penar,
Bater a porta com tamanha força com o desejo quase intangível de cessar a pulsante dor.

Um fôlego de alívio... Dura tão pouco tempo a ilusão!
Uma vez é conferido se a porta está trancada,
Confere outra vez para que se tenha certeza que tudo lá está confinado,
O sótão é o campo de concentração para indeléveis pesadelos.

Incinerar o passado como se postasse uma carta com endereço errado para nunca chegar ao destino.
A dor que traz consigo e os dilemas presentes na conversa ao espelho,
Quantos não dariam o sangue para livrar das lágrimas destiladas na escuridão?
Ninguém compreende a dor alheia quando não é sentida vorazmente na própria derme.

Andar passo a passo pelos corredores sem chegar a algum lugar conhecido,
Levantar da cama compartilhada de um frio vazio e observar os ponteiros do relógio,
A noite não finda e a cabeça gira como um liquidificador movido à energia do dilúvio.
A janela pouco tem a dizer quando se cala os adiabáticos lábios em constrição.

O calendário é o inimigo diário tão costumeiro das veleidades de nossos pecados.
Preto e branco ou colorido? Os dias passam invariavelmente quase sempre desbotados.
Um quadro na parede, um pequeno colar postado na carteira ou uma imagem eletrônica,
Tudo oprime na debruçada espera extática da eclosão do aturdido milagre.

A madrugada impertinente é o lugar mais próximo entre a saudade e a expectativa.
A cada giro da chave ao abrir a porta se transforma num anseio implacável guardado dentro de casa.
Tanta vontade de encontrar aqueles olhos com um sorriso brilhante à espera do regresso...
Abre-se a porta e nada se revela, exceto mais um dia de espera exaurida.

Um cálice na mão e uma bebida qualquer com alguns cubos de gelo,
Com um coração diminuído, diante do sótão e sentado ao chão,
Algumas canções bem conhecidas de uma história comum são desatadas ecoando pelos cômodos,
Quais as palavras a serem ditas quando o inexorável domina a realidade?

Quanto tempo resta quando é tão grande a mesa rodeada de pratos e talheres vazios?
O sabor de cada alimento se esvai com o calor de algumas miragens,
Ainda na observância do relógio assistindo a hora deslizar sem paradeiro,
Já é noite ou dia? Nada corre sem a aspereza da saudade confinada.

A presença do olhar tão atado aos velhos costumes de impossível esquecimento,
Nunca é substituída por nenhum chão úmido e embriaguez passageira,
Tudo poderia ser tão fácil se o sótão confinasse o que fosse possível encarcerar,
Tanta ilusão é revivida quando a vida cede espaço para quem busca abrigo na ausência.

sábado, 24 de novembro de 2007

A tempestade


O que embala seus instintos nutridos de desapego,
Quando seus passos se refugiam longe do meu olhar?
Hoje está frio lá fora e por que não vem se aquecer
Envolta do meu abraço tão acalentador?

Ouça o barulho da chuva caindo sobre o telhado,
Trovões cruzando os céus apoiando-se em relâmpagos cortando clarões.
Não se iluda com as facilidades da falsa liberdade momentânea,
Lá fora não será o refúgio seguro para sua disparada.

Por que agora não mais segura as minhas mãos?
Tantas carícias trocadas na lâmina perfeita entre minha epiderme e seu corpo.
O que afasta seus olhos da imensa verdade latejada em pequenas lâmpadas multicoloridas,
A chuva trazida pela ventania deixará toda suas vestes tão encharcadas.

Seus olhos tão belos que tanta falta me fazem agora,
Parecem poucos desejosos de abrir-se para a verdade do seu coração.
Não saia de casa sem levar um guarda-chuva e uma roupa de frio,
Lá fora os ventos não respeitam aos que não acreditam na força de sua devassidão.

Não ouço o salto dos seus pés trilhando um rastro no apartamento,
Aquela sinfonia tão alegre de se ouvir no desbotar de cada manhã em comunhão.
A tempestade está levando todos nossos sonhos de vida em sintonia,
Será dispendioso o preço da rotina selado em nosso indecifrável isolamento.

Tanto amor guardado na ponta dos lábios secos a espera de sua saliva,
E aquele seu corpo sempre ansioso para ser amado a cada encontro.
Não é apenas um caminho que separa nossas vidas diante do temporal,
É uma história de desejos incontidos que molham nossos rostos.

Cuidado, lá fora os abutres rondam sequiosos para usurparem a seiva de suas vítimas,
Não permita que a felicidade tão ardida entre os dedos seja despejada diante da correnteza.
Não ignore as flores deixadas sobre o leito do seu ofício,
O suave perfume delas será o manto de proteção para que esteja sempre confortável e protegida.

Rios de tristeza despejam suas águas morro abaixo,
Não podemos ter o direito de mergulharmos todos os sonhos e afogarmos em desilusões.
O ritmo disperso da chuva será como uma sinfonia de lamento e abandono,
Desejamos não sair mais feridos, porém a sangria é a correnteza do segredo de nossa intimidade.

Vida, vida toda cheia de pulsão tão lacônica com a desesperada partida,
Não escuto a voz de tantos jorros de amor perante o coração.
A tempestade de tão cruel e imperdoável vilania carrega nossa nau mar adentro,
Nossas lágrimas oprimidas em sigilo é o atroz oceano que ardentemente nos afasta.

O que existe dentro de sua alma que está sendo levada junto à tempestade?
Não é simples abrir um mero guarda-chuva e salvar toda a saudade inundada.
Talvez algo dentro dos seus olhos não possa estar aceitando tanta chuva umedecendo os dedos,
O caminho marejado de águas turvas vai levando nossos corações sacrificados de tanta ilusão.

Grito alto, grito com a tentativa vã de ecoar em toda a direção!...
Será que seus sentidos naufragados de tanta náusea possam me ouvir?
A barca da fantasia leva seus braços cada vez mais distante de minhas mãos,
A tempestade intensa e selvagem separa nossos mais íntimos desejos de vida.

Diante do farol que sinaliza os males do mundo,
A porta esta aberta e atrás dela uma toalha seca à espera dos seus pés molhados.

Que a enxurrada leve para longe todos os medos corruptíveis contidos na palma da mão,
Lembre-se que após a tempestade sempre é possível nascer um novo dia.

A floresta


Madrugada. O dia já anseia romper com a escuridão,
Em torno de toda a densidade da floresta negra,
Quase não é possível nenhum ruído,
Ora um galho caindo ao chão,
Ora um pássaro rangendo asas,
Tamanha solidão regada ao sabor de uma gélida brisa.

No escuro silêncio da mata fechada,
Os pensamentos trilham caminhos autônomos,
Busco não pensar em nada que possa me desagradar,
Inútil tarefa que se reduz ao um latejante rondar de um mesmo semblante,
Os olhos cegos jorram seus feixes na direção da penumbra,
Nada a vista, nada em minhas mãos... Tudo escuro!

A viagem pelo interior da minha alma,
É um jazigo castigado pela musicalidade de um inverossímil silêncio,
Uivos de lobos ao longe é o registro que o caminho não será sem surpresas,
Trêmulas de frio e temor, as pernas insistem em não se equilibrarem,
Apoio minhas mãos e começo a erguer-me tão lentamente quanto os ponteiros do relógio,
Olhos cerrados ou abertos, a claridade é uma lanterna rara diante das trevas.

Na floresta de todos os medos e anseios,
Nada é tão simples que se possa guardar dentro de uma caixa de bombons,
Sensações e angústias são elementos essenciais que crescem entre a grama.
Todos os pesadelos tomam forma de realidade quando o surreal engole o cotidiano.
Nada se torna tão real quanto o clamor no vazio de todas as palavras sem abrigo,
Não há sinos ecoando seu chamado e tampouco a travessia para outros caminhos é vislumbrada.

Na floresta que fomenta todos os temores e zomba de todos os heroísmos,
Um barulho quase invisível é sentido bem mais adiante,
Indecifrável entre outros pequenos sons aleatórios e sigo hesitante em frente.
Uma respiração ofegante que penetra fundo do âmago daquilo que ainda resta da alma,
Não existe Paz enquanto não for desvelada toda a essência do destino,
Quando se aproxima lentamente tudo se esvai... Mero engano ou a coragem vencida?

Ergo a cabeça lentamente até sentir o rastro fragmentado de uma luz tênue.
Uma pressão sobre meus ouvidos indica que nada é possível de sentir,
Na boca seca de tanto salivar a monotonia dos símbolos sonoros,
O gosto é tão severo e amargo que se reproduz no interior dos órgãos vitais,
O Amor não é o sentimento mais seguro entre todo um turbilhão de fantasmas,
A defesa contra os artifícios do Amor é a submersão completa e sem recados no interior da floresta enegrecida da própria alma.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Rotina


Quando os dias passam com morosidade punitiva,
Sinto a todo instante um caminho cada vez mais longe,
Ando sem muita certeza qual será a estrada que suscitará menos surpresas,
A névoa escura teima em não dissipar sobre minha cabeça.

No alto de minhas incertezas sendo vigiada pelo algoz abutre da desesperança,
Nada tenho a oferecer exceto algumas migalhas do que sobrou de minha coragem,
Tantas lutas travadas e cravejadas com o sangue de lábios entrincheirados,
Hoje sou menos do que eu poderia me oferecer.

Não sinto mais a leveza de outrora quando me costumei abrir os olhos,
Os dias em Sol são como a chuva fina numa fria manhã de sábado,
Tantas noites em claro e a razão ainda teima a funcionar,
A vida pesa como a lâmina da guilhotina roçando meu pescoço.

Acordar é querer retornar para debaixo da cama,
É preciso acreditar em mentiras sinceras para pestanejar os primeiros passos,
Pé após pé percorrendo poucos metros que se transformam em quilômetros,
O cais que beija o oceano não vai além da beira do jardim.

Manter a rotina é uma procissão sem fanáticos peregrinos,
Rabiscar páginas e páginas e pensar um novo dia não é uma tarefa para principiantes,
Cada página amassada é como mais um dia de frustração,
Em volta pensamentos coexistem num vazio vicejante tão extenso quanto os túneis do metrô.

Abaixo o porta-retrato para que a dor não se amplie a cada deslize dos olhos,
O despertar do telefone não toca mais a sonata sempre tão aguardada,
O silêncio cruza os céus como adagas certeiras no peito,
O cair da tarde é a lembrança perfurante que se renova fastidiosamente a cada página de calendário.

De tanto frio o sangue congela no cruzamento entre veias e artérias,
O deserto de palavras é o labirinto das janelas da latente espera.
Ao redor a nítida sensação que o pesadelo é a condição básica da incipiente rotina.
A lágrima seca é o rio que adentra a alma e corre sem destino conhecido.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Memórias do Tempo (A angústia das horas)


Bem-aventurados aqueles que lêem e aqueles que ouvem as palavras da profecia e guardam as cousas nelas escritas, pois o tempo está próximo.
(Apocalipse 1.3)

Tempo que espalha sem destino,
Tempo que não espera ninguém,
Tempo que desliza tão depressa,
Tempo que afaga nenhuma alma.

Tempo de longa espera.
Tempo de breve alegria.
Tempo de grande fantasia.
Tempo de mínima fé.

Tempo que dita o cair dos dias,
Tempo que interdita a angústia das horas,
Tempo que não perdoa os erros e não louva os acertos,
Tempo que imbeciliza, amadurece e envelhece.

Tempo que vaticina os desejos e escárnios,
Tempo que não apara a lágrima de uma mãe,
Tempo que ecoa sorrateiramente pelos sentidos,
Tempo que escorre como grânulos de areia entre os vãos dos dedos.

Tempo é aquilo que não se tem,
Tempo é aquilo que sobra,
Tempo é aquilo que faz penar,
Tempo é aquilo que coagula.

O Tempo é maior que o desespero da morte,
Nada é maior que o seu feroz arbítrio,
Nada é maior que os seus desígnios,
Nada é maior que o seu legado.

O Tempo menospreza classe social.
Não respeita autoridade ou templo.
Não dá atenção para insígnias ou patentes,
Não valoriza rótulos,
Não atende súplicas.
Não ouve clamores.
Não escolhe seus mortos.

Tudo ao mesmo Tempo pode ser muito pouco tempo.
Quase nada pode ser feito sem observar o relógio,
O Tempo que gera uma vida.
O Tempo de um aleatório coito banal,
O Tempo da maternidade sacrificada,
O Tempo do desenrolar de uma criança.
O Tempo que cria é o mesmo que destrói.
(Como o Tempo desgasta a vida e dói na alma!)

Começa o dia, finda a tarde e chega mais uma noite,
O Tempo escoado pela ampulheta da existência,
Quantos já passaram pela vida e sequer deram conta do seu desperdício?
Quantos o Destino suprimiu-lhes a vida antes do Tempo?
Quantos que apenas assistiram ao deslocar dos ponteiros do Tempo?
Passou, passou, agora adeus!...
O Tempo passou pela vida!
Morreram tantas almas antes da vida!
A vida foi sentida ou lograda?
O Tempo passou e quantos nada viveram?
O Tempo é um engano.
O Tempo é uma frustração.
O Tempo é pura redenção.
O Tempo enterra seus filhos.
O Tempo ensurdece a cegueira.
O Tempo corrosivo é sentido na pele e no alto da cruz,
Cultuamos as dores para serem registradas pelo Tempo,
Encarceramos o Amor para preferir ao masoquista retrato do Tempo,
Sacrificamos nossos desejos para não encarar mais uma vez o Tempo.

A tirania do Tempo.
Segundo a segundo,
Atropela os ponteiros invioláveis do Tempo.
Brincamos com o Tempo achando que podemos burlá-lo.
Podemos até lograr a Morte, mas nunca o Tempo.
Toda maquiagem é derretida pelo Tempo.
Toda mentira é revelada pelo Tempo.
Todo engano é martirizado pelo Tempo.
Todo medo é punido pelo Tempo.

O Tempo deixa viver até quando Ele sedimenta suas leis.
Perdemos tanto Tempo quando respiramos apenas para contar o Tempo.
Olhamos para o registro do Tempo nas rugas de nossas mãos,
O Tempo presente na frente do narcíseo espelho,
Tantos sonhos já foram massacrados pela ansiedade do Tempo!
O Tempo com suas verdades tão indecifráveis.
O Tempo que brinca com todos os cadáveres.
O Tempo que despedaça os corpos.
O Tempo que estilhaça a paz.
O Tempo que sublima a vaidade.
O Tempo que desvirgina a ingenuidade.
O Tempo que acende um cigarro.
O Tempo que revira o travesseiro.
O Tempo que silencia os lábios.
O Tempo que causa dor (profunda dor!).
O Tempo que turbina a insanidade,
E o mesmo Tempo que amplia a atormentada angústia.

No Tempo da réstia de esperança tudo era possível,
Acreditar na liberdade sem fim,
Ousar pedir para que o Tempo leve todas as mágoas,
Sussurrar ao Tempo todos os segredos,
Bater na porta esperando o Tempo passar,
Tantas madrugadas em Sol negando o Tempo,
Esperar o Tempo afogar as memórias da solidão.

Tempo do alinhamento dos astros celestes,
Tempo das páginas amareladas da história,
Tempo das fotografias borradas pelo sangue dos dedos,
Tempo que leva para longe os afetos, paixões, emoções...

Tempo de mãos atadas de crueldade implacável.
Tempo que açoita a saudade daquele beijo de amor sincero,
Tempo que maltrata o peito maculado de pustulentas enfermidades,
Tempo que não escolhe suas vítimas.

Tempo é tudo aquilo que acredita ser remediável,
Tempo é tudo aquilo que engana a si mesmo,
Tempo é tudo aquilo que ansia pela eternidade,
Tempo é tudo aquilo que não é imortal.

O Tempo mente.
O Tempo sente.
O Tempo lateja.
O Tempo finda.
O Tempo chora.
O Tempo corta.
O Tempo cala.
O Tempo corrói.
O Tempo dói.
O Tempo grita.
O Tempo suplica.
O Tempo sangra.
O Tempo corre.
O Tempo morre...
O Tempo não vive mais do que o desabrochar de necessidades mundanas.

Nasce o dia,
E mais outro dia...
E o firmamento passa pelo Tempo.
O Tempo à espera pela barca de Caronte,
O medo indelével do fim dos dias.
Não há vida presente,
Apenas mera ilusão perene.
O Tempo é o passado do retrovisor.
O Tempo é o futuro da bola de cristal.
O Tempo é o presente que nunca se vive: postergar, postergar e postergar!
O Tempo é aquilo que já não tenho,
O Tempo é aquilo que tanto sufoca,
O Tempo é aquilo que aprisiona,
O Tempo é aquilo que se extinguiu ao escrever tais palavras.
(Quanto Amor foi morto antes do Tempo?)

O Tempo é a maior das criações humanas.
O Tempo não é ateu.
O Tempo tampouco é da Ciência.
O Tempo amoral é a religião.
O Tempo é o fanatismo da modernidade.
O Tempo é o lucro dos abutres.
O Tempo é a cevada dos sedentos.
O Tempo é a chave para a vida.
O Tempo cicatriza os lábios da morte.
O Tempo que nutre falsos profetas e espalha profecias.
O Tempo é tudo aquilo que foi criado.
O Tempo é tudo que nunca existiu.
Oxalá se até mesmo Deus é filho do Tempo!
Ao mesmo Tempo em que Ele é tudo.
Somos poeira cósmica a espera do Tempo.
O Tempo que nos leva,
O Tempo que nos consome,
Quanto Tempo nos resta?

No debruçar da longa noite de cada um de nós,
Na estrada infinita do Tempo,
Quem poderá desobedecer aos seus caprichos?

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Indagações


O que é que está nos afastando agora?
Porque o silêncio vem bloqueando nossos olhos?
Qual a verdade trancada debaixo de uma pedra?
Tantas indagações amarguradas sem nenhuma resposta...

Hoje lembrei novamente dos nossos mais líricos momentos,
A sua voz doce e suave destilada ao telefone,
Uma invasão de tanto afeto dentro do meu peito,
A constelação cintilante de cada final de semana ao seu lado.

Lábios selados com o longo manto da maldade,
Páginas em branco são reviradas de um lado para outro,
Faltam palavras para acrescentar aos percalços de uma história.
Lábios não cicatrizados e deslizando palidamente uma gotícula de sangue.

Para meu desconsolo as memórias são tão cruelmente lúcidas,
O dia do primeiro beijo e os telúricos beijos seguintes,
O amor despontando e enaltecendo nossos corpos,
A vida cheia de desejos quando cada olhar rompia o tédio dos dias em distância.

Qual prazer é possível quando estamos confinados a um cemitério de saudades?
Quais os segredos lacrados e imersos no seu peito que nunca são revelados?
O Tempo nos maltratando como um corrosivo redemoinho.
Tangida minha alegria, o que me resta a fazer é sentar extático neste banco.

O medo que transborda nas palavras caladas de sofreguidão,
A ausência do despertar da sua voz brindando minha alma,
O refúgio do sorriso nas muralhas da (in)segurança,
A poesia ecoa tão pouco brilho com a incongruente indiferença.

Minhas mãos negadas como quem fecha a porta do Paraíso,
Uma atmosfera de intensa perplexidade ronda todos os pensamentos,
O amor é um barril de pólvora atado a uma pequena fagulha,
Com a iminência de explodir ou implodir os sentimentos deslizados à flor da pele.

Por que tanta pressa para interditar toda a longa estrada da gentileza?
Uma canção diz com todas as suas cores: “Amor é a palavra que liberta”.
Não se pode deixar as angústias darem o tom das regras do jogo da existência:
Por que encarcerar a sonoridade das reentrâncias da alma?

Pétalas ao chão
















De flor em flor,
De amor em amor,
De dor em dor,
Hoje não sobra mais a rima,
Rima pobre, muito pobre...
Uma, duas, três... Algumas gotas de chuva,
Mesmo diante do vidro da janela,
Mesclam no rosto sem fronteiras determinadas,
Minha face ainda está úmida e inquieta,
Apenas o silêncio entoando o seu inglório canto.


Das rosas ofertadas aos seus olhos,
Restaram apenas os espinhos adentrando impetuosos no coração,
Sangram e sangram sem cessarem os rios de lamento,
Os ramalhetes que tantos fizeram as cores dos seus dias,
Hoje estão com todas as suas pétalas disformes,
Espalhando-se soltas pela estrada vazia de nossa distância.
O deserto gelado que tomou conta de nossos dias,
Um alucinado silêncio dobrando as esquinas,
A fuga desesperada das palavras atadas a todos os medos,
Nosso jardim de tantas alegrias regadas a intensa paixão,
Tantas angústias celebram nossa separação,
Nenhum sorriso mais recitou alguma alegria,
Não me encontro nesta atmosfera de chumbo.


Hoje fecho meus olhos com o desabar do tempo,
Tenho que falar das lágrimas que nunca secaram,
Os dias pesando toneladas sobre minhas costas,
Os joelhos dobram de um cansaço indecifrável,
Minhas palavras ensurdeceram ao cair na terra úmida,
Ainda lembro do dia que foram guardadas as primeiras pétalas,
As flores sempre perfumaram nosso ambiente,
O seu sorriso de tão belo inibiam as pequenas pétalas,
E tanto amor contido no sabor de cada beijo único,
Uma história de rosas e lágrimas que não foi mera banalidade,
Cada feixe de luz da manhã que adentra ao seu quarto,
Contempla cada momento que meus dedos tocavam a sua pele,
Cada verso depositado ao seu coração,
Nosso amor não era para ficar assim,
Um jardim com pétalas espalhadas por todos os cantos.
Cada pétala nutrida de uma memória banhada ao chão,
Será sempre a saudade maior do amor de todos os amores.

sábado, 17 de novembro de 2007

Recital (Uma canção à sua espera)


“Duas horas te esperei
Dois anos te esperaria.
Dize: devo esperar mais?
Ou não vens porque inda é dia?
(Fernado Pessoa)


O dia tem uma cor quase negra,
Cinza é o tom de minha alma,
A música recitada ao meu redor não me diz felicidade,
A sonoridade obscurece minha esperança...

Adormeço!
Em trevas, sem luz...
Não sonho,
Não consigo sonhar,
Limito-me a pesadelos e pensamentos irreversíveis...
Meus Deus é ateu,
Meus olhos observam a sua dor,
Em minha boca o silêncio me amordaça...

Penso em Você,
Como forma de tê-la presente!

Penso em Você,
Como forma de acreditar no lacônico Paraíso!

Penso em Você,
Diversas vezes num mesmo momento!...

Hoje não é azul,
O futuro não me parece com nada conhecido,
A saudade se reduz a um calendário do mês passado,
O dia passa estático
Como o frio que aquece meus nervos...

Horas exaustas, horas absurdas,...
Drummond é cada vez mais verdadeiro para mim,...
Sua dádiva não tenho,
Nem a certeza de minhas inquietações pouco homéricas saciadas...
Quanto hei de percorrer?
Quais caminhos ainda faltam a trilhar?
Qual a estrada de tijolos esmeraldas me conduzirá
Ao seu infinito olhar?

Forcejo-me,
Mais forte seria
Se o desespero que me abate
Findasse ao pôr-do-sol de cada dia...

Forcejo-me,
Mais forte seria
Se a distância fosse o fim da ausência
E as suas lágrimas a fonte que me sacia...

O que há de novo,
Numa lírica canção,
No qual não saiba me expressar
Tão sorrateiramente sem voz?

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

A morte anônima


Um homem sem rosto, sem vida e sem destino,
Anônimo como qualquer homem anônimo,
Já entediado do trabalho anônimo,
Já pulverizado pelos amores anônimos,
Já amedrontado pelas atrocidades anônimas,
Já desgostoso da vida fútil e anônima,
Decidiu interromper seu anonimato.

Findar uma vida anônima não é fácil.
Procurou o primeiro hospital, amargou tempo numa fila anônima até falar com um médico igualmente anônimo,
Na consulta ao clínico cabisbaixo e sem olhar para a sua cara,
Foi desautorizado a praticar a eutanásia.
Frustrado, pensou numa outra forma de morrer anonimamente,
Buscou refúgio à beira de uma anônima ponte,
Após ter ingerido até o último gole de uma bebida sem rótulo,
Tomou coragem e tropeçou ao subir na borda da ponte, prendeu o cadarço que o salvou do lacônico salto.
Um transeunte anônimo viu o acontecido e rapidamente o tirou daquela condição.
Passaram os dias e nova tentativa de morte: agora era a vez da gilete.
Desastrado, a empreitada só cortou os seus dedos e sem sucesso para interromper a vida.
O azar não favorece a morte.

Desesperado, pegou aleatoriamente um produto químico da prateleira,
E ingeriu rapidamente sem pensar muito...
Apenas conseguiu uma congestão que lhe valeu dois dias preso num leito.
Na saída do hospital, a morte era cada vez desejada.
Sonhava noite e dia com a hora do fim dos seus dias.
Morrer era uma questão de honra.
Sem filhos, sem amor e apenas alguns tostões.
Sozinho na vida anônima e devendo o aluguel de um pequeno quarto-e-cozinha em gueto anônimo,
A obsessão pela face da morte era o que fazia valer os seus dias.
Decidiu então roubar um carro com a brilhante idéia de se chocar a um poste ou muro.
Na insana ação conseguiu atropelar duas pessoas e matar uma criança.
Preso em flagrante e amargurado,
Sem grana para o advogado e muito menos para subornar o juiz.
Foi julgado e condenado a dezoito anos de xadrez.

A cadeia foi o seu martírio!
A rotina enlouquecia seus temores suicidas ao acordar sempre na mesma cama e ver o céu com as mesmas quatro arestas nada anônimas.
Tanta vigilância dos guardas sem crachá era impossível dar cabo da sua vida.
Os anos se passaram e três tentativas frustradas de suicídio foram suprimidas pelos guardas.
A última grande tentativa foi interrompida pelo seu colega anônimo de cela que o salvou do enforcamento.
Nesta altura da vida, ele amaldiçoou a todos aqueles anônimos que salvaram a sua pele.
Com o tempo, soube que muitos colegas anônimos foram mortos ou saíram da cadeia.
E ele ainda permanecia com o seu único mordaz desejo à flor da pele.
Passou mais ainda o tempo...
Após comprido seu exílio,
Ele era outro homem...
Mais velho, entediado e as rugas marcando sua face.
Os pensamentos sobre a morte já haviam ficado no passado.

Agora era nova vida...
Liberto dos desejos latentes ele recomeçou suas leituras bíblicas que iniciara na cadeia.
Um legado deixado por um voluntário evangélico que lhe deu um bíblia e ele nunca soube sequer o seu nome.
Acreditava então que Deus havia lhe dado um destino e ele teria que trilhar os desígnios divinos.
Tantas tentativas de suicídio apenas fortaleceram seu desejo de vida.
Decidiu abrir uma igreja e trabalhar para fortalecer a obra de Deus perante as almas sofredoras.
Conseguiu recolher dinheiro com árduo trabalho anônimo em um depósito de sucatas.
Tudo estava programado para alugar um pequeno salão de uma rua sem placa e abrir a Igreja do Reconhecimento Divino.
Estava feliz como nunca tinha sentido felicidade antes:
Encontrou até mesmo uma moça anônima em uma fila de desempregados na cidade e espera dela o seu primeiro filho.
Percebeu que o desejo da morte foi a maior bobagem que tinha criado na vida.
A morte era caso passado e agora a vida era tudo o que ele desejava.
A rotina de novos dias e a espera do garoto o animou com grande alegria.
Numa manhã de gotas anônimas desabando sobre o céu da cidade,
Acordou pela manhã, beijou a testa da esposa adormecida e acariciou em silêncio a barriga que guardava sua criação.
Como sempre fazia cotidianamente, deixou o café e os pães sobre a mesa para sua amada e iria partir para mais um dia.
Antes de sair de casa, decidiu abrir a janela do quarto para entrar um pouco de luz no casebre precariamente iluminado.
Subitamente pisou em falso, escorregou no tapete, bateu a cabeça no chão...
A morte outrora tão aguardada finalmente chegou...
Sem aviso prévio, telegrama ou sem maiores ostentações.
Sem nenhum alarde, um velório recheado de vazios, muita chuva, uma pequena multidão de curiosos para manifestar a hipócrita piedade do defunto anônimo e apenas sua mulher grávida fazia companhia.
Sem flores, lágrimas ou despedidas lacrimosas foi enterrado.
Ainda no cimento amolecido sobre a sua sepultura anônima foi gravada com letras trêmulas uma mensagem escrita por sua mulher: "Aqui jaz um pai".

Ao subir ao Céu soube que seu desejo de morte era empecilho para encontrar a Paz.
Desceu sem passar pelo Purgatório devido ao excesso de contingente de almas anônimas.
Só no Inferno debaixo de um severo anonimato que o perseguiu por toda a vida,
Ele finalmente conseguiu fazer as pazes com a anônima Morte.

Até mesmo uma seca vida anônima pode aprender algumas lições:
A Vida é apenas um estranho espaço anônimo,
Viver só existe na lembrança alheia,
A Morte só se consolida no esquecimento.
O Céu é apenas uma miragem.
A Morte não escolhe o seu cúmplice
E tampouco possuí relógio suíço.

Epitáfio


Jaz em mim o fim!
O que escrever no fim da página?
O que fazer das palavras quando já findam?
O que dizer quando tudo poderá ter sido dito?
Descrever o círculo pungente da escrita (quase maldita)?
Ou circunscrever uma dor no infinito?
O que escrever na página que está no fim?


O fim da palavra ou o fim da ausência de palavras?
Se as palavras não tem fim,
A ausência de palavras, sim!

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Ode à uma tênue lágrima (Súplicas de um anjo)


“Eu sou um dos que, por este modo, penam. Por tal motivo, e não por qualquer defeito, perdemos o Paraíso. A nossa pena é simplesmente esta: Arder em desejo, sem a esperança de saciá-lo.”
(Dante Alighieri, em “Inferno”
d’A Divina Comédia, canto IV, vers. 31, ano 1300.)




Em toda queda há um anjo...
Em toda tristeza há um anjo...
Em toda solidão há um anjo...

A cada saudade que enche seus olhos,
Há um anjo...
A cada passo melancólico, quase estático,
Há um anjo...
A cada hora que extravasa seu peito,
Há um anjo...

Você acredita que esteja só,
Solitária em sua solidão,
Num silêncio insólito,
Guardando uma tênue lágrima
Que enseja percorrer sua face...
Não vê, não sabe que existe, não entende!...
Olhe! Há um anjo ao seu lado...
Mas, Você não o vê!...

Há um anjo que veleja consigo na solidão.
Há um anjo que busca incessantemente,
A melhor maneira de entender
As nuanças que sublimem o seu coração...
Um anjo que busca a paz,
Mesmo no martírio, busca a sua paz!

Um anjo transubstancial e translúcido,
Não ousa tocar, não pode tocá-la,
Observa e silencia,
Só ele sabe o quanto é corrosiva a distância,
Ele não se contenta na distância,
De tão próximo alcance,
Longe, longe... Mas tão próximo!
As luzes se fecham,
E Você, na diária rotina, parte!
Mas o anjo lhe acompanha,
Mesmo na ausência,
Vagueia por onde seus passos percorrem,
Emudece quando suas palavras cessam,
Ora quando seus sentimentos destoam...
Ao seu lado, mesmo que não acredite!...

Um anjo que busca proteje-la dos açoites do tempo,
Um anjo que busca preservá-la das veleidades do mundo,
Um anjo que busca salvá-la das alienantes formas do sofrer...

Um anjo torto drummoniano sem esperança,
Sem crença e sem claridade...
Anjo ateu em busca da luz,
Numa utopia que não se reduz,
Apesar dos alicerces que produz,...
Tão insensata quanto o próprio Criador.
O Senhor do limbo que injetou a criatura,
Num mundo inóspito, gangreno e fosco,...
Um anjo que engole o sofrer,
Como quem se embriaga com a água dos sedentos,
Para continuar a sobreviver,
Procurando não convalescer,
Tombar,... Antes mesmo de compreender
A metafísica do viver...

Um anjo vive na imensidão dos seus olhos,
Um anjo peregrina as trilhas escaldantes a seu encalço,
Um anjo falece,
De sofreguidão,
De ânsia,
De ausência,
De solidão,...
Não há paz!... Não há paz!

Mas em seguida volta,
Mesmo quando não queira acreditar,
Mesmo quando pensar que estará perdida,
Mesmo quando não acreditar precisar,
O anjo renasce em busca de sua felicidade,
Sabendo que jamais será reconhecido,
Um anônimo sem o beijo da vitória,
Que se contenta, somente, com a glória
De um sorriso de seu doce semblante...

Quando um anjo cai,
Não é somente pelo cansaço,
Não é somente pela derrota,
Não é somente pela renúncia,...
Não é somente pelas tormentas da inércia de um amor...
Um anjo deseja descansar o coração,...
Sem mais más notícias,
Sem mais desilusão,
Sem mais lágrimas,
Sem mais quimeras,...
Se as palavras do anjo não se fazem sentido,
Então ele cala!
E respeita a quem não quer ouvi-las,...
Se não há respeito, não há as virtudes da dedicação,...

E com os pés descalços e as mãos atadas,
Um anjo há de retornar para o lugar de onde partiu,
Sem glória ou alegria,... Sem amor!...
Apenas a desilusão que o feriu,...
E no chão encontra a paz,
E no chão jaz,...
Um anjo que não foi ou irá ao Céu,
Um anjo terrestre que encontra a terra,
E a terra somente encontra-o como fertilizante.

Um anjo que outrora ousou entrar no Céu,
Buscou seu lugar na eternidade,
Porém, jamais encontrará abrigo na Terra...
Pois a Terra não é o seu lugar,
Talvez nas estrelas,
Talvez nos astros que fincam gravitacionalmente sua orbita,
Talvez seja um pária astral!...

Um anjo não grita de dor,
Ele é mudo!
Um anjo não pode avisar dos perigos,
Amordaçaram-lhe sua voz!
Um anjo não chora,
Pois, já não há mais lágrimas a derramar!
Um anjo não faz gestos,
Suas mãos estão presas!
A ele cabe apenas observar,
Em dor infinita e aguda ânsia do penar,
Ele apenas cabe a desmedida observação,
E nada mais!...

Um anjo é desmerecido,
Insultado sem razão,
Postergado e desvalido à qualquer situação,
Inflado de desmerecimento,...
Quem nunca o vê,
Quem não entende o que é viver,
Quem não entende o que é sofrer,
Quem se esconde da verdade,
Está condenado a repetir erros trágicos,
Comodismo e inércia são simbiontes da infelicidade,
A persuasão da intolerância é o molde maior do rancor,
A vida é muito breve,
Para se perder em tolices incoerentes e fobias fúteis!
A vida é tão breve,
Quanto uma manhã morna de primavera!
A vida é breve,
Por que então ficar do lado oposto da felicidade?

Um anjo não confina respostas completas,
Um anjo não é a fonte da verdade,
Um anjo não é a verdade,
Apenas busca a verdade!
Busca a felicidade
A quem ele acredita merecedor,
A quem ele acredita poder mostrar,
A quem ele deseja acreditar...
A quem um dia ele ousou amar!...

Domingo


Hoje é cinza.
Tudo ao meu redor é tingido da mesma cor.

Hoje é silêncio e eternidade.
Tudo age e regurgita circundado por um vazio intenso.

Hoje é saudade.
Tudo transpira e reluz a ausência fratricida.

Hoje não há mais alegria.
Uma ausência sem explicação.
O sorriso se foi sem deixar endereço.
Nenhum bilhete sobre o porta-retrato.
Nenhuma notícia do seu paradeiro.
Nenhum vestígio de seus passos.
Nada!... Nada além de fragmentos da memória.
Saudades!... Apenas insólitas saudades!

A anorexia sentimental predomina nos alicerces dos pensamentos.
Hoje minha alma se recolhe com a frigidez da distância,
Ecoa uma frieza latente que alimenta meus fantasmas.
Em nenhum lugar encontrei as respostas que tanto anseio.
Não sei mais o número de vezes que me senti estúpido diante dos ponteiros do relógio.
As horas que nunca findam,
E o tempo que nunca chega para onde tanto desejo.
O peso dos dias são elefantes se arrastando para atravessarem um pântano.
Nada faz esquecer o que nunca deveria ter sido esquecido...
Latejam estilhaços de vidro na alma pela falta de sua confiança em minhas mãos.
Tantas canções repentinamente emudecidas.
A solidão e os demônios se alimentam da minha dor.
Ontem adormeci e sonhei com Mefisto.
Acordei sem seu amor e somente o silêncio me visitou...

Hoje é domingo,
Que fim levou a felicidade?
A madrugada não tem mais o sabor do seu corpo,
Sem a claridade matinal dos seus olhos,
Sem a presença terna de suas mãos,
Sem o indescritível beijo de afeto...
Agora, atado pelas fobias do inconsciente,
Tudo imerso nas lembranças do meu quarto.

Posfácio


Quando o soar da última lágrima findar
E minhas pálpebras não mais se sustentarem,
Gostaria que estivesse ao meu lado!

Quando iniciar o infinito percurso de minha alma,
As saudades deste seu olhar me marcarão,
Levando suas lembranças ao vazio da eterna noite...

E neste dia,
Certamente irei perdê-la...
Como um último desejo,
Peço-lhe com apreço:
Aqueça-me no altivo calor do seu beijo.

Na justa paz de seus lábios quero desfalecer
E na justa paz de seus lábios quero ressurgir!