sábado, 27 de dezembro de 2008

Diáspora (A Fuga de Si)


No campo das batalhas sem trégua,
Poucas são as nítidas certezas diante da escuridão,
Que possam visualizar todo o terreno estéril da guerra,
Travadas entre verdades conflitantes e mentiras louvadas em carro aberto.


Quem garante à veracidade dos fatos?
A verdade estampada numa falsa razão,
Quem percorre os dias velando as noites?
Quem se atreve a permitir a correr algum risco?


No curso da diáspora sentimental,
Ninguém quer ter ciência de absolutamente nada,
Vive-se com a auto-suficiência aprumada na ponta do nariz,
Quem é que se importa realmente com alguém?


No castelo de cartas empilhadas de promessas vazias,
A fuga desesperada dos dias sublimados pelo pavor atávico,
Fechar freneticamente a porta e jogar a chave pelo ralo,
Ironicamente, talvez esteja no fétido esgoto a réstia para alguma lucidez.


Quem marcha de cabeça baixa à passos largos sem olhar o retrovisor,
Pode-se deparar subitamente diante do pára-brisa,
Correr tanto para não ir a parte alguma,
Correr tanto para viver um nada absoluto?


Os vocábulos não-abertos sem piedade,
Ouvidos tampados em desespero com as mãos,
Olhos lacrados com a dormência das pálpebras,
Os sentidos amordaçados atirados pela janela.


Na tentativa de fechar o corpo para não sentir dor,
Tarefa inútil e sem nenhuma chance de sucesso,
Fingir que nada sente é mentir para si mesmo,
Mas afinal, quem é que deseja saber a verdade?


Com a singularidade do mecânico ponteiros do relógio,
Os pés entre cacos de vidro guiam-se em procissão pelo deserto,
O ar rarefeito asfixia a garganta e não é ofertado brisa alguma,
Diante das trevas, só há o percurso para explorar um inexorável vazio.


Machucam-se solenemente uns aos outros,
E mesmo assim todos se dizem sentir-se felizes,
O sangue derramado é o cálice à ser degustado,
Na perfeita orgia das veredas da destruição.


Olhando-se atentamente para trás,
Vale a pena confinar tamanha desolação?
Na terra onde zero é zero é creditado como algo positivo,
Quem realmente deseja alguma luz no fim do túnel?

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

O Jardim do Abandono (A Secura dos Olhos)


"Entrai pela porta estreita (larga é a porta, e espaçoso, o caminho que conduz para a perdição, e são muitos os que entram por ela),
porque estreita é a porta, e apertado, o caminho que conduz para a vida, e são poucos os que acertam com ela."
(Mateus, 7.13-14)



No jardim prostrado de nossas mágoas,
Polvilharam um mar de cal à esmo,
Na tentativa de matar nossas flores,
E não vingar mais nenhum sopro de vida.


Quando a noite cair sem piedade,
E os abutres adornarem o seu leito,
Quem sabe poderá erguer-se do mortal transe,
Que impede-lhe de caminhar com liberdade.


Muitas mentiras salobras foram vociferadas,
Litros de fel depositados em suas artérias,
Desfalecendo sua vontade inata de viver,
Com seu corpo em vida esperando ser levado ao fim.


Não se iluda com quem faz promessas de convenções sociais,
Não confie nos profanos pecadores disfarçados de querubins,
Foi justamente um anjo torto que despencou do Céu,
E subitamente se tornou o sinistro Lorde de todo o Mal terreno.


Seus olhos se fecharam lentamente à sangue frio,
Suas entranhas deixadas ao relento foram invadidas por canibais,
Que sugam sua seiva de maneira vil e silenciosa,
Quando se der por conta da devastação talvez seja tarde demais.


Nas cartas que lhes forem entregue ofertadas de desejo,
Haviam sempre um pouco de sangue do meu coração,
Tantas palavras calejadas e cortejadas para sua glória,
E sobraram a insuficiência da sensibilidade para entender seus significados.


Não acredite que o Amor seja um sustentáculo dos desenganos,
Não se oculte para o que você outrora já havia aprendido com louvor,
Não adianta seguir a maldição dos atalhos fáceis na escuridão,
Caminhar contra a própria vontade é partir rumo à um voraz precipício.


No silêncio nós nos encontramos,
Numa atmosfera turva e dolorida,
O peito acesso e as feridas ainda expostas,
Nada passa impunemente sobre a carne estiolada.


Os lábios continuam pálidos e secos,
Na espera que possa sair do seu labirinto de autofagia,
Peço aos Céus que não permaneça enfeitiçada pelo canto dos chacais,
E carregue sempre consigo o crucifixo quanto não mais suportar a dor.


De tantas flores ricamente ofertadas à sua retina,
Nossas lágrimas à distância regam uma terra arrasada,
No jardim do abandono e muito longe um do outro,
As flores não crescem e não fixam nenhuma morada.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Reminiscências


Há sempre um Inferno em cada um de nós,
Um Amor que queima, angustia e corrói,
Atado à esteira intranqüila do tempo,
Cintilando no peito envolto de dor.


Não há mágica que transfigure toda a realidade,
As palavras geralmente não traduzem toda a dimensão,
Sentimentos latentes à flor da pele castrada de desejo,
O Sol que brilha lá fora não passa de uma vã miragem.


Pensamentos que questionam à todo momento,
As desconstruções irreais e fratricidas da vida,
Ilações que não encontram respostas aparentes,
Para os vendavais e mãos escondidas no bolso.


O Inferno não é lá,
Faz-se presente bem aqui dentro,
Destempera e amplifica o silêncio,
A saudade desabando e personificada em cachoeira.


Por que teríamos que nos contentar com os descaminhos?
Súbita ausência de olhares que foram interditados pela insensatez,
Não podemos acreditar e aceitar trágicas tolices senis,
Nenhuma fé é maior do que a vontade de viver.


Na antártica solidão, novamente desço ao Inferno,
Não temo lanças pontiagudas perfurando o músculo cardíaco,
Em alguns gritantes e perplexos momentos na vida,
É preciso dialogar com os blefes atemporais dos demônios.


Pés à marchar e não finjo o que não sou,
Soldado involuntário de intermináveis batalhas,
Não pleiteio nenhuma narcísea recompensa,
Qual glória seria maior do que a luz emanada dos seus olhos?


Na terra onde tudo se torna usufruto da banalidade,
O Inferno se torna um lugar seguro pela sua autenticidade,
Bem ou mal, cada alma sabe os motivos de sua estada naquele recinto,
E talvez deva permanecer por lá mais tempo do que o previsto.


De mãos abertas, não busco louros piegas ou honrarias artificiais,
Carro com motorista na porta ou multidão acenando alucinadamente,
Não quero pote de ouro e tampouco alguma espécie de tesouro,
Contentaria-me com a singeleza do toque suave de suas mãos.


Não desço ao Inferno sem nenhum propósito,
Não garimpo nenhum tipo de salvação à sete-chaves,
No tempo que traga e armazena no ventre do dragão tantas almas viventes,
A única certeza mesmo é o desejo inadiável pelos seus lábios.


domingo, 21 de dezembro de 2008

Natal sem Você


Pensar, pensar, pensar...
Tenho andado a refletir,
Sobre questões que angustiam à memória:
Algumas fortuitas e muitas vezes lacônicas,
E ainda outras desnudando um fundo lírico de melancólica.


Nestes meus pensamentos sem fixa morada,
Você é a figura emblemática e onipresente.
Sinto na carne o quanto é difícil sublimar qualquer paisagem,
O soar de sua ausência de palavras,
A tez de seu rosto,
A intensidade de seu singular olhar,
A volúpia pelos seus lábios.


Sucedem-se os dias, semanas, meses!
E, inerentemente, chegamos no ensejo natalino.
E na triste razão da desértica realidade,
Abrigada pela ingratidão canhestra que o Destino nos reservou,
Mais um Natal sem seu calor por perto.


Como gostaria de estar ao seu lado,
Para poder ler seus pensamentos,
E tentar desvelar todos os medos no calor dos seus lábios,
Afastar os fantasmas que adormecem ao seu lado,
Que exploram a fobia dos seus receios mais atávicos,
Que invadiram como um intenso feixe de luz negra à sua retina.


Mesmo que o sofrimento e a angústia,
Sejam as áridas companhias que nos proporcionaram à revelia,
Ainda serei capaz de ir muito além no desbravar na floresta de desenganos,
De tudo o que já busquei realizar com minhas mãos aprumadas para o alto,
Na esperança de regatar seu abandonado apreço pela felicidade.


Cantar é como a lágrima,
Que brota ardente dos seus olhos:
Alva, atônica, sonora,
Nutrindo o subterfúgio do seu travesseiro.


Silenciar é como a dor,
Que desatina do seu peito:
Forte, angustiada, inaudível,
Consumindo como um cancro a sua alma.


Sonhar é como a flor,
Que resiste na aridez da tempestade:
Firme, tenaz, heróica,
Acalentado algum movimento de libertação.


Mesmo que na penumbra de Natal,
Você não esteja ao meu lado conforme a vida poderia ter nos proporcionado,
Mesmo que o martírio da distância nos separe por tempo sem relógio,
Mesmo que no momento não compreenda estas tolas palavras,
Mesmo que seja voluntária na maldita prisão que foi coagida à adentrar,
Não estará em nenhum momento imaterialmente solitária!


Sim, sua aura estará sempre presente!
A cada instante da intempestiva inconsciência,
Na fantasia dos devaneios em sono fragmentados,
Na atmosfera sôfrega das palavras esvoaçadas nas gotas de chuva,
Na solitude indignada deste meu coração.


Nem todo o desalento das madrugadas em claro,
Nem todo o desapego de seus ânimos,
Nem toda a réstia de insensatez que roubaram nossa visão,
Nem todas as lágrimas que torrentemente emergiram,
Nem todas as mágoas que ecoaram na calada noturna do vazio,
Nem nas bordas da fronteira do seu auto-engano,
Nada pesam perante um virtuoso sentimental Amor,
Natal com o desejo indescritível de amar Você!


Nenhuma maldição haverá de durar para sempre,
Nenhuma mentira tem força suficiente para navegar até a costa,
Nenhuma artéria possa se esvair com todo o nosso sangue,
Cedo ou tarde, toda a insensatez irá se pulverizar,
Um filete de iluminação conduzirá seus passos para fora do tétrico labirinto,
Ventos mais calmos e cristalinos haverão de trazer liberdade para seu ventre,
E assim, o Natal que agora é apenas um, enfim será a dois.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Nuvens Pálidas (Caminhos para Araraquara)


Na estrada que amplia a distância dos nossos olhos,
As nuvens arrebatadas se coagulam num toldo azul,
Os ponteiros caprichosamente ficam colados um no outro,
Fazendo o tom da viagem parecer não ter fim.


Os carros e caminhões seguem em sua procissão diária,
A estrada é o fio condutor da minha alma sem maiores solavancos,
A paisagem floresce em pastagens nuas e disformes,
O horizonte é tão vasto quanto a saudade dormente.


Na trilha dos roteiros desconhecidos,
Qual caminho você peregrina sem aviso?
São tantos os atalhos e pontes disponíveis,
E todos servem de fuga para algum paradeiro.


Não havia vazão que pudesse nos diluir,
E, no mínimo, a razão foi deixada de lado,
Talvez se clareasse um pouco mais a retina,
Sentiria que nenhum atalho sozinho é melhor do que uma rota a dois.


Então os lábios são encobertos com espessa lona,
Tudo é frio e escuro quando o Sol está à pino,
As nuvens ao topo como celeiros de algodão,
Assisto sem controle remoto o tempo não fluir por inteiro.


No caminho longo desta estrada sem sinal de fim,
Não importa onde, quando ou como chegar,
Se o seu sorriso não mais me recebe à porta,
Os meus olhos se fecham sem nenhuma glória.


Há quem possa afirmar o quanto nada vale o Amor,
Quando as críticas são despejadas na cara dos “imbecis”,
Seria sucumbir frente à descrença pragmática,
Ou a verdade é sempre uma mentira aparente?


De certo, penso que seu coração é bem maior do que qualquer angústia,
Mas sei que agora isto parece ser um tesouro de pouca valia,
Se o mundo é tão vasto, assimétrico e turvo,
Por que diabos eu teria alguma razão nisto tudo?


No tempo em que o tempo nada diz,
Não sei qual razão é possível questionar,
Seria melhor fechar as portas dos lábios,
Ou deixar uma fresta para quando você resolver voltar?


Diz o relógio que devo levar mais duas horas,
Talvez um pouco mais além do previsto,
Entre São Paulo e a rota araraquarense,
Há coisas que continuam tão pálidas quanto as nuvens na minha janela.



(Rodovia Washington Luís, km 197, 03 dezembro de 2008)

sábado, 13 de dezembro de 2008

O Inferno Avulso (Canção para o Livre-Arbítrio Permissivo)


“Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma;
temei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno tanta a alma como o corpo”

(Mateus, 10.28)



No caminho das mentiras insólitas,
Bordados com fios de suma hipocrisia,
Sementes mirradas de escárnio salobro,
Vampiros libertos em mata fechada.


Os medos espúrios acuados na alma,
Labirintite de passos espasmos e cambaleantes,
Agorafobia que calcifica solenemente os olhos,
Claustrofobia sinuosa e sufocante que adere à pele.


Sob a borda de bocas famélicas de tantas falsas verdades esvoaçantes,
Em líquidos lares enfeitados com aflição e conflito,
Regidos pelos cinismos de sorrisos plásticos e depauperados,
A insaciedade de medíocres e egocêntricas querelas.


A noite com seu véu agonizante e obscuro,
Encobre as agruras dos passageiros noturnos,
As cinzas solitárias rumando para um incerto Paraíso,
Os imundos vícios que vicejam todo o ambiente.


Aos que matam sem piedade,
Aos que ferem sem compaixão,
A cegueira beneplácito da maldade,
A malta torpe que age por lascivo instinto animal.


O frio que palidece e enrijece cadáveres,
Cemitério voraz que contamina a razão,
Treva insólita que afugenta a sensibilidade,
Palmas para o Inferno nosso de cada dia!


O cotidiano mesquinho que pasteuriza dos dias,
A instabilidade que se esconde atrás do dial,
A sede dos chacais pela próxima vítima,
O Amor sem lastro deixado em banho-maria.


O culto bizarro da banal violência arcaica,
As vítimas inocentes da selvageria sem trégua,
O tempo torrente transpassado pela gritante dor,
Quem se atreve atravessar a velha ponte?


A solidão intrínseca de cada ser,
Mordida e vociferada com angústia,
As pequenas insanidades pueris atiradas ao ventilador,
Como tijolos lançados numa lagoa cheia de mágoas.


A desonestidade dos malandros à espera da oportunidade,
Içada para corromper os desavisados,
A inútil realidade dos que nada sabem,
O riso exótico e alucinado de insaciáveis coveiros de plantão.


Os demônios ocultos atrás de portas e gruindo no celeiro,
O sangue destilado dos olhos marejados de anseios,
A impossibilidade do gozo total que sufoca o ego,
O Inferno particular que fragmenta qualquer cotidiano.


Há esperança diante do inevitável vazio?
Alguns fecham a porta e fingem que não existe qualquer dor,
Outros aderem ao crucifixo e bombeiam para si o plasma alheio,
Ainda há alguns poucos que jamais desistem de qualquer batalha.


Grite, grite todo aquele que não tem mais voz!
Levante do seu moribundo leito de morte em vida!
Aos que pregam com efervescência a dor como Paz,
Não aceite um punhado de grãos de areia como consolo.


A criança que chora de fome e sede de afeto,
Seria o afago de uma indefesa prostituta o seu alívio?
Palmas para os que cuspem com desprezo na própria testa,
Queimaremos todos no mesmo altar da estupidez humana.


Aos que mimetizam Pilatos e decidem quem deve viver ou morrer,
Aos que pisam nos ossos e na garganta de nossos pares,
Aos que deixam os corpos esquálidos apodrecerem ao relento,
Que o Inferno possam lhes trazerem alguma recompensa!

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Mirante (Sem Perder a Direção)



“De que servem as flores que nascem/ Pelo caminho?
Se o meu caminho/ Sozinho é nada”
(“
Inútil Paisagem”, Tom Jobim)


O que poderia lhe dar,
Mais além de tudo que já possui,
O que mais poderia ser entregue,
Muito além do que já foi ofertado?


No mirante do jardim à beira do seu leito,
Cada rosa cultivada é um pedaço de história,
Tingida à ouro, fé e algumas lágrimas,
De alegria e dor bordada à quatro mãos.


Na longa plataforma da distância,
Cada passo tangido é um abrigo,
Um silêncio mordaz, cortante e zeloso,
Sublimando todas as nossas vontades.


Os olhos lacrados não conseguem alcançar,
De tão longe que seus passos roubaram você de mim,
Onde estão seus lábios que meditam calados,
Onde está o Sol que se avergonha atrás de muralhas?


Nada é simples quando o mar é revolto,
As embarcações são atiradas à esmo,
Na deriva dos anseios perplexos,
Quem causa dor, tece saudade.


O tempo que maltrata e corrói as bordas,
Como uma sangria de sedentos gafanhotos,
Dilaceram o que não pode ser destruído,
Dissabores hostis em doses homeopática.


Por que se entregar à sangria de dolorosas práticas,
Correr, calar e ocultar,
Quais razões povoam o arquipélago do seu coração,
Quantas palavras foram postas porta à fora?


O medo que mergulha no horizonte dos pensamentos,
A angústia de cada passo desequilibrar e cair no vazio,
Não se expor para não derivar nenhum risco,
Quem muito se protege, nunca se vive.


Os olhos que tanto irradiavam luzes,
Que outrora poliram minha retina,
Hoje cerro as pálpebras com inquietação,
Observando o mirante, sigo o meu caminhar.


Não me embriago no cálice de mágoas,
Que a vida é feita de coragem,
Quem luta possui a vantagem de prantear a vitória,
Se cair, também será um pranteio de vitória.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Dedicatória (Elementos para uma Canção Cotidiana)


Quando ao acordar pela manhã,
O corpo ainda não despertou totalmente,
Seus pés ainda demoram a ser firmarem ao chão,
Meus olhos atentos guiará seguramente suas mãos.


No percurso que leva até o seu ofício,
No meio do tráfego intenso e aturdido,
Com a cabeça martelando inquietações,
Conduzirei os seus passos para amenizar o desconforto.


Na batalha cotidiana pelas tarefas obrigatórias,
Um café amargo e a pilha crescente de documentos,
Incansável labuta onerosa que conduz dias à fio,
Ficarei observando bem atentamente o seu empenho.


Sob as agruras provenientes da secura do ar-condicionado,
Ou no calor abafado pela estufa que se forma no ambiente,
O crescente cansaço inato das mãos e um pouco de cefaléia,
Tocarei seus ombros levemente buscando diminuir toda a tensão.


Rápida pausa para a alimentação sem descolar dos ponteiros do relógio,
Na urgência rítmica da tarefa bem-feita,
Na precisão implícita da qualidade empregada,
Estarei aplaudindo a competência tão bem exercida.


O corpo exausto é iminente,
As horas duras demoram a passar,
A respiração acelera e a ansiedade desponta na derme,
Acariciarei seu rosto de forma a dar-lhe algum alento.


A tarde passa sem lastro,
A noite caminha à passos lentos,
A rotina do dia chega ao seu esperado final,
E com uma rosa sobre o seu cabelo irei observar aquele singular sorriso.


Na saída, uma típica chuva de verão desaba,
Inconveniente e com seus longos pingos d' água,
Mas longo o temporal se apazigua em fracos chuviscos,
Protegerei seu corpo para manter suas vestes aquecidas.


No ansiado regresso ao lar,
Os pés cansados repousam sobre o estofado,
Pensamentos assimétricos e soltos sem encontrarem morada,
Meus dedos sentindo com ternura e leveza a sua face.


Logo, aquele lento e acalentador sono chega sem aviso,
Adormecida, seu corpo relaxa tranqüilamente,
Mais uma noite para repor brevemente a energia empregada,
E receberá meu beijo de afeto cintilando em seus lábios e desejando-lhe boa sorte.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Sortilégios


Não há estrada,
Por onde eu caminhe,
Que seu semblante não esteja presente,
Incorporada com o confinamento incontido do coração.


Os dias são sorvidos até à exaustão,
Um misto de trabalho e memórias,
Melhor mesmo seria desatar os enlaces entre nós,
Porém, nada me faz desvencilhar do seu olhar.


Muito mais fácil seria mentir,
Fingir e sorri palidamente para todos os cantos,
Diante da crua realidade do quarto imerso no breu,
São tantos os pensamentos que não adianta teatralizar.


O tempo ainda veleja carregado e nublado,
Seja além do parapeito da janela ou diante do desfilar de sortilégios,
Uma tonalidade sem cor descritível e brilho turvo,
Seguem secos os lábios com a esperança de tocá-la em algum momento.


A crueldade malogra do destino,
Que nos une, pune e separa,
A insensatez do tempo desnecessário,
As palavras arquivadas num baú de desencontros.


Os desarranjos separam os dedos,
As mãos abertas sempre perfiladas para o alto,
Submundo hostil de pouca iluminação,
O vácuo solene dos vocábulos inaudíveis.


A claridade da tarde começa a se esvair,
Inicia-se um novo oceano transbordado de desalento,
A saudade pétrea que bate à porta todos os dias,
As palavras são mais intensas do que rimas simples e banais.


O que cabe a cada um de nós,
Sem nenhuma certeza diante do futuro,
Estrada rompida e cheia de imperfeições,
Quem é o dono do seu próprio caminho?


A cada noite esvoaçante observo ao relógio,
Um sentido muito mais ávido que vai além da Paixão,
Como se pudesse contar cada desejo de estar ao lado,
Sublimando todo o mar de prédios e asfalto que nos desagrega.


Tomara Deus! (Algum Deus dos ateus?),
Que a verdade se levante do seu leito de confissão,
Que possa ser ouvida as palavras do orador,
Que se oculta e se desnuda em sua direção.

domingo, 30 de novembro de 2008

Deserto Sabático


Deitado ouço a chuva despencando sobre o teto do quarto,
Chuva intensa do veranico de novembro,
Faz calor e a sensação térmica é bem maior,
É sábado e não há novidade no ar.


A intensidade volátil das gotas d' água,
Ampliam-se velozmente com a queda intermitente,
Um forte e denso barulho ressoando na janela,
É sábado e nada acontece como se desejaria.


As nuvens aterrizam-se silenciosamente,
Tudo fica mais acinzentado e dificultando a visão,
O dia se movimentando palidamente,
É sábado e as mãos estão estagnadas.


Os automóveis rompem as ruas com barulho intenso,
Nas sarjetas escoam rios de águas imundas,
Uma galeria eclode e escoa tudo que nada mais serve pela calçada,
É sábado e o dia caminha rotineiro e extático.


Os faróis cintilantes se esconderam sem aviso prévio,
As pálpebras colhem lentamente as perdas com a inundação,
Ao redor um deserto se formou movido por uma espessa penumbra,
É sábado e os pássaros agora gorjeiam desmotivados.


Queria atravessar a ponte e não sei ao certo como fazer,
Rompida pela insensatez dos sentidos,
A linha invisível que liga um olhar ao outro,
É sábado e as horas ultrapassam o martírio da espera a inexata.


Pela cortina observo que a chuva retornou com mais força,
Fico pensando no tempo onde tudo era muito mais afetivo,
Agora o que resta de nós senão a solidão do outro,
E somente não é pior que a solidão de si.


Um jejuar involuntário sem vontade,
O sabor acre comedido do sábado,
Sem recitar nenhuma oração sabática,
A chuva permanece aqui dentro.


Segue o sábado com chuvas intercaladas,
Ora temporal, ora estiagem,
O clima instável não permanece tão diferente,
Do que veleja no interior dos pensamentos aqui dentro.


Os dias secos perfilam com raquítica pobreza,
Famélicos pelos dias de solidão e sem chão,
Recomeça a chuva pranteando lá fora,
E ao meu lado permanece o sábado atado e calado.

sábado, 29 de novembro de 2008

O Espelho Enterrado


Na imposição coercitiva da distância,
As palavras se rompem,
As pálpebras se fecham,
E os delírios da vontade ficam à deriva.


Os soldados marcham com firme alienação,
Aprumamos assim, pé ante pé,
Na fileira dos dias sem trégua,
Ao olhar para baixo, a água já passou da altura do joelho.


Que guerrilha é esta travada contra nossa história?
Na lida silenciosa contra o espelho,
Que face turva desejamos observar,
Para que(m) ansiamos nos iludir?


Por que contentarmos com parábolas de auto-ajuda?
Se não desejamos realmente nos ajudar,
Todo Amor que se afasta sem explicação,
É a vida que nunca floresce por inteiro.


Quem grita escancarado no alto da colina,
Nem sempre conquistará a benesse de ser ouvido,
Não subestime a capacidade da dor,
Ao adormecer, deixe os olhos sempre bem abertos.


Nas praças das almas esquecidas,
Quem joga milho aos pombos?
Quem atira sobre os próprios pés?
Resta então enterrar o espelho na frio madrugada.


Por que a complacência com o riso ensandecido das hienas?
Sucumbir aos caprichos carnívoros dos abutres,
Entregar o sangue com rodelas de limão aos vampiros?
Quem desiste da vida jamais se encontrará em momento algum.


Todos sabemos das pedras polvilhadas nos caminhos gelatinosos,
O suor sobre a teste denunciando o esforço atávico,
Quem quer viver com liberdade neste mundo do espetáculo,
Se nunca desejamos nos encontrar realmente?


Nossas fragilidades nos servem como inútil consolo,
Logo abrimos mão de qualquer serenidade,
Ao optar pelo lar doce lar do Inferno cotidiano,
Ninguém parece realmente levar a sério a si mesmo.


Filhos, famílias, ingratidões e pequenas mentiras sem grande importância,
Na composição dos dias de dores sem localização,
Ninguém pede salvação sem levar em conta seu próprio suicídio,
Apenas almejar um pequeno lote privativo no Paraíso.

domingo, 23 de novembro de 2008

Noite Vazia (A Saudade Nua)


E eu, e tu, / Perdidos e sós, / Amantes distantes,
Que nunca caiam as pontes entre nós.
(Pedro Abrunhosa)



Na rua por onde caminho,
Continua vaga e deserta,
A cada passo trocado na noite,
É um pensamento sem direção.


Agora começa a chover,
Deixo as gotas caírem sobre a minha cabeça,
Talvez desta maneira as coisas se esfriem um pouco,
E quem sabe amenizar os desejos agitados e intranqüilos.


Procuro aquecer minhas mãos dentro dos bolsos,
A respiração é dificultada pelo frio intenso,
Ouço alguns cães latindo erraticamente ao longe,
Que sinfonia mais esdrúxula numa noite vazia!


As vezes, tenho vontade de não mais parar,
Caminhar e caminhar firme e constantemente,
Cujo roteiro é o que meu nariz ditar,
Sem deixar pegadas ou marcas para trás.


Sinto a baixa temperatura começar a incomodar,
Não sei ao certo o que pensar ou se devo pensar algo,
A mente desafortunadamente vaga sem rumo,
E os meus pés sem chão seguem o mesmo itinerário.


Por onde cruzam as vias da vida?
Sem faróis vermelhos para interceptar o curso,
O que há além da contínua estrada?
Sinto que a sobriedade nem sempre é a melhor companhia.


A Lua ilumina com tamanha indiferença,
Como se ela não se importasse com nada ao redor,
O relato orquestrado e silencioso de minhas dores,
Que a cada noite rabisco através de alguns versos.


Com ou sem alguma quantia de álcool,
Na boca seca ou subindo à cabeça,
A noite tem um odor identificado sem muita precisão,
Mas certamente não é o aroma que almejaria sentir neste momento.


Um vento úmido bate levemente no rosto,
Ao contrário do peso da saudade despida,
Das pedras e promessas que carrego nos ombros,
Não acredito em nenhuma medalha para meu mérito.


No frio da noite queremos dizer tantas coisas,
Querer desesperadamente atingir de modo certeiro,
Os ouvidos dinamitados e mergulhados em silêncio,
E a voz permanece turva e rouca de tanto calar.


Sei que tudo conquistado foi apartado,
Todos os vestígios físicos de lembranças confiscados,
Uma sentida ausência de qualquer material tingido de sentimento,
Mas como esquecer a singularidade de um olhar cristalizado em bálsamo?


Na rua sem alma viva e onde os uivos solitários se aglutinam,
Somente meus passos trôpegos causam ruídos,
Tanto desejaria uma ponte que interligasse as distâncias,
Quem sabe assim poderia resgatar o seu coração.

sábado, 22 de novembro de 2008

Brumas Desérticas (Palavras Aprisionadas no Tempo)


De todas as palavras engaioladas,
As que mais causam sôfregas dores,
São aquelas registradas pela ausência,
Sem enfeitarem ou polirem os vocábulos.


Quanta ação é jogada fora,
Residindo intrinsecamente no verbo sentir,
Sensações suprimidas tão peremptoriamente,
A derrota corrosiva partilhada no vácuo.


Abro a janela e não sei o que pensar,
De uma aparência volátil com leve frescor e suavidade,
Logo vêm os pingos da chuva teimando em adentrar ao quarto,
Desfazendo toda a impressão inicial.


E aquela vontade de não sucumbir à dor?
Arquivada bem debaixo do travesseiro,
Na contabilidade do atalho narcíseo é mais fácil calar o silêncio,
Ao invés de erguer o hercúleo templo das palavras.


Lá fora não há nada: absolutamente nada!
Aqui dentro tampouco coexiste o desejo presente,
As brumas de tão densas servem para derrubarem as pontes,
E no limite, se encarregam de ocultar quem eu sou.


Seria o Destino implacável e mesquinho?
Maltrata e desarticula suas vítimas,
Relega à orfandade seus ingênuos reféns,
Resta então colocar a culpa nos deuses e suas indiferenças pagãs.


A tarde segue calada e fria em sua rotina cristalina,
O silêncio contamina o quarto como um febre terçã,
A sonoridade se emudeceu rapidamente,
E os lábios coçam na tentativa de emitir algum ruído.


Por mais que é refletida inadvertidamente,
Nenhuma idéia salta da parede com vigor,
Os fantasmas dos dias amargos batem o cartão de ponto,
A palavra castrada é a jaula hermética das incertezas.


O sono cai, o corpo desfalece e a escrita pesa,
A vida mimetiza a folha límpida do caderno,
A tinta desestimulada de registrar suas impressões,
O deserto se completa sem maiores surpresas.


Pensar e não realizar,
Pensar e nada poder atingir,
As palavras limitadas pelo papel,
As mãos aprisionadas sem ação.


Há dias que palavras e pensamentos se desvencilham,
Não se acham no mesmo espaço,
Como entidades abstratas biunívocas,
Enclausuradas em si mesmas.


Segue a vida,
Segue o corte,
Palpita o tempo,
Corrompe a liberdade.


Diante do horizonte mergulhado em sólidas nuvens,
O percurso é longo e as respostas são enigmáticas,
Com o suor salobro trilhando sobre a testa,
Na lida silenciosa pelo clarão dos seus olhos.


quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Agonia (A Cabeça Sobre Trilhos)


O que impede-lhe de prosseguir?
As pedras na estrada ou a ponte oscilante?
O que faz-lhe recuar em seus anseios?
Nada paira impunemente sobre a mesa.


Ao longe dispara uma sirene,
Sinal de liberdade ou cárcere?
Quem joga dados no escuro,
Inevitavelmente, acaba sempre perdido.


Não brinque no meio da rua,
Nem atrapalhe os pedestres na calçada,
Tome cuidado com os veículos embriagados,
Afinal, quem garante a lucidez do volante?


Cuidado com as lâminas afiadas no meio do colchão,
Não faça da falsa tranqüilidade do labirinto sua gaiola dourada,
O martírio não precisa ser ostentado ou cultuado,
Tampouco carece recitar alguma prece no altar.


Não estabeleça o mecanicismo das metas tolas,
Não prometa o que jamais poderá cumprir,
Sem essa de colocar a culpa nos deuses,
O divino é sempre um inútil curativo para o destempero.


Aquelas mentiras jogadas ao longo do asfalto,
Tanta estupidez empilhada sob pressão,
Abaixe o volume do ego e não destile tanta prepotência,
Ninguém precisa viver bajulando a pequenez de suas vontades.


Não aponte o dedo em riste para ninguém,
Caso fizer isto, esteja sempre seguro,
Pior que a covardia de um falso delator,
É o zunir de um asqueroso mentiroso compulsivo.


Amenize seu orgulho ingênuo e teatral,
O mundo não é a imagem espectral do seu umbigo,
Não crie em demasia suas próprias míticas espectativas,
Liberte seu ego antes que seja por ele devorado.


Veja o tempo nublado e pouco afável as certezas absolutas,
Por que optar voluntariamente pelo caminho da infelicidade?
Não atropele a tudo que ainda lhe resta de esperança,
Pouco adianta entrar em desvario ao gritar contra a tempestade.


Tanto sangue evaporado pela impiedosa indiferença,
Não há ação sem causar pelo menos uma pequena dor,
Alerte os olhos e fique sabendo de um vez por todas:
Acredite, o mundo não vai acabar amanhã!

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

O Curso dos Dias


À Amiga Luciana


É, minha amiga, sei que o desvelo da vida nunca é trivial,
E com tanto vigor ainda para ser sentido neste seu coração,
Vem o destino com seus debochados caprichos,
Descontrolando o ritmo do curso dos dias.


As vezes queremos logo mudar o que esta fora de lugar,
Encontrar nosso destino tão brevemente e sem pestanejar,
Com a vontade escancarada e ingênua em não sentir dor,
Porém, o desejo e a realidade nunca correm num mesmo barco.


Sei de sua coragem e da fortaleza hercúlea que carrega consigo,
E, sem dúvida, isto lhe trará sempre a iminente superação,
Invocando a presença de sua força, nunca deixará que o corpo canse,
E tampouco sentirá as coisas marejarem em vão.


Que o seu caminho seja trilhado com seus pés firmes ao solo,
Resgatando toda aquela sua alegria merecida,
Que possa ser resumida no esboço de seus lábios,
E nos afagos acalentadores dos seus filhos.


Ah, e nem pense em culpar a esfinge de Deus,
Sabe como é, tanta coisa para se tomar conta,
É verdade que Ele tem seus momentos longos de relapso,
Talvez Ele esteja apenas cochilando com o sensor de alerta desligado.


Mas nada disto vai lhe causar algum desânimo,
Sua magnitude pueril é maior que os desafios impostos,
Tão breve correrá novamente sobre o asfalto e folhas secas,
Pisando consistente em seus exercícios cotidianos.


Sei que as vezes bate um tédio sobre o colchão,
Isto é tão normal para quem é bordado com tecido humano,
Quem é que nunca sentiu um certo cansaço na vida?
Lembre-se que com a cabeça altiva você nunca deixará de ser vencedora.


Olhe por tantos desafios por onde já andou e superou,
Sem entregar os pontos ou dar bola para fantasmas,
Sem esmorecer os olhos e não dobrar os joelhos,
Toda a luz acompanhará o caminho do seu esforço.


Com sorrateira surpresa, quantas vezes a vida nos deixou ao chão?
De repente surge o inesperado: gostosuras ou travessuras?
Ninguém sabe com alguma razão a trajetória do desenlace cotidiano.
Seja sempre a mesma mulher combativa sem perder a doçura íntima do coração.


Esteja certa que mais dias ou menos dias,
Os momentos de olhos em claro cessarão,
E da instabilidade aflita de suas mãos buscando alívio,
Brotará a Paz iluminada que inundará o seu peito de tranqüilidade.

domingo, 16 de novembro de 2008

Amores (I)miscíveis (As Metades Presentes)


A rua de lá,
Não é a mesma de cá,
Lá se encontra o meu desejo,
Cá estagna a presente ausência.


Lá e cá,
Divididos por uma muralha chinesa,
Tão perto e tão eqüidistante,
Unidos por um vazio silencioso.


Lá não sei ao certo onde você está,
Cá estou sem saber do chão onde me encontro,
Brumas pousaram densamente sobre nossas cabeças,
Lá e cá onde tudo se turva em desvairado nevoeiro.


Lá é mais fácil de sustentar a ilusória auto-preservação,
Cá não há júbilo para tanta insípida opressão,
A vida caminhando moribunda em cima do muro,
Lá e cá são faces porosas da mesma latência.


Lá está o frio que seu corpo finge não sentir,
Cá está congelando ao som da melodia de Piaf,
O pouco Sol não é suficiente para ninguém,
Vem a chuva a encharcar a todos nós.


Lá definitivamente não é anil,
Cá perdeu as cores há muito tempo,
Cinza dá o tom da reentrância dos meus pensamentos,
Lá e cá perderam as caixas de lápis com grafites coloridos.


Lá pensa que pode ignorar a dor,
Cá sobrevive apesar da dor,
Atávicos sobre mundos em procissão,
Lá e cá reinam insólitos na inútil autofagia.


Lá os lábios foram voluntariamente aprisionados,
Cá o cárcere se tornou um indescritível jazigo,
Julgamento sumário sem ressalvas para a defesa,
Lá e cá no calabouço que fragmenta qualquer vida.


Lá os olhos se fecharam,
Cá os dedos não alcançaram o topo da muralha,
No silêncio onde todos se afogam,
Lá e cá vagam sem mirarem algum rumo.


Por que não sai daí,
E vem para o lado de cá?
Se os sonhos que estão aí,
Forem semelhantes aos ensejos palpitantes aqui.


Lá pode ter a frieza de algum jardim adormecido,
Cá é onde se encontram todas as flores para ornamentá-lo,
Os caminhos se cruzam no eixo de duas vidas,
Lá e cá são amálgamas de um curso pautado sob as luzes de duas rotas.


Lá é possível maltratar os dias,
Cá responde à isto com tristeza,
Quem ganha no corte fino da angústia?
Cabe ao tempo responder sobre a enfermidade das metades.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

A Distância do Sol


A distância quando aperta é um corte na derme,
A incomunicabilidade patente que ensurdece,
Sem saber de algum paradeiro cotidiano,
Os olhos são limitados pela extensão da ausência.



Despertar e sentir a longevidade da dor sem teurgias,
A devassa escuridão ausente nos lábios que outrora sentia,
A cama vazia e o silêncio do telefone,
Sentado à beira da cama e não saber sobre o seu dia.



Herdar o malogro dos lábios selados com uma cruel severidade,
Levantar com tibiez do leito e caminhar pela casa,
No banho, os pensamentos saltam assimetricamente,
O café se torna mais amargo do que em outros tempos.



O Sol desanimadamente ascende ao céu,
Irradiando alguma iluminação ao redor,
Entretanto as questões que empilham na mente,
Não encontram as respostas tanto ansiadas.



Os dias transcorrem transitando com esparso ânimo,
Os quilômetros exauridos que afasta a suavidade do desejo,
O rio de liberdade lacrada que silencia os vocábulos,
O Sol que não aquece as mão em gelo.



Buscar em vão atravessar todo este oceano,
Mãos ornamentadas por algemas insalubres,
O que dizer quando o silêncio domina a atmosfera?
Não há bola de cristal para desvendar os olhos vendados.



O Sol transpassa a distância sem a sua presença no meio do caminho,
As horas fragmentadas e circulantes dos ponteiros do relógio,
O desaparecimento tácito da boca levemente umedecida,
Escrevinhar os ecos uivantes dos ventos em blocos de rascunho.



O tolo veranico que abafa os dias e não deixa a alma respirar,
O trânsito que enfileira automotores e azucrina os ouvidos,
Não há caminho certo para a alça dos dias e a sofreguidão das noites,
E os olhos permanecem estáticos sem a oportunidade do desvelo.



Há sementes pálidas germinando de saudade nua,
Que foram polvilhadas no solo salgado da deserção,
Do alto, o Sol com a sua indiferença motriz aquece a terra insípida,
Florescem pétalas caídas sobre o porta-retrato ao longo dos dias calados.



A árdua ambivalência de lidar com a conformidade,
A incapacidade de não saber e não tocar na tez amada,
Não existem palavras que exalem com exatidão tantas sensações,
E ao final da tarde, não há Sol que minimize uma severa saudade.


domingo, 9 de novembro de 2008

Desesperadamente Amor


A noite era uma nuvem negra,
Que adentrava sorrateira em seu quarto,
Outrora onde tudo que era vida,
Tudo parecia ser consumido sem clemência.


Ela estava sentada no meio de sua cama,
Esvaziada com seus poucos pertences,
Com suas pequeninas pernas encolhidas,
O medo congelava seu desesperado coração.


Os cabelos de menina encobriam seus cintilantes olhos,
Suas mãos curtas escondiam suas pálpebras,
Os lábios finos se uniam como se tivessem costurados à mão,
Desarticulado, seu franzino corpo tremia incessantemente.


Com a chuva torrencial que assolava o céu,
E o frio intermitente que batia à sua janela,
Ela se encolhia cada vez mais como um simples caracol,
E dois longos filetes de lágrimas brotaram sobre seu rosto.


Na medida em que a tempestade se intensificava,
Alguns trovões estremeciam o quarto,
Relâmpagos aperiódicos iluminavam o recinto,
E aquele pavor que subia do estômago à boca.


Suscitando vagas lembranças, ela conduziu seus pequenos dedos,
Circundando levemente algumas feridas ainda doloridas,
Desde a última vez que aquele homem brincou com o seu corpo,
Na tentativa inútil de fugir dos carinhos de intimidade sem nenhuma graça.


Queria gritar com o que ainda restava de ar confinado em seus pulmões,
Porém, a atávica angústia preenchia seus cansados olhos,
Queria fazer algum barulho para chamar a atenção de alguém,
Com os dedos petrificados era improvável qualquer saída.


O vento uivava parecendo clamar pela mãe,
Mas qual mãe se nunca tinha visto seu vulto pela frente?
O pai era uma mera abstração simbólica de sua mente,
Ela se sentia a solidão encarcerada em si mesma.


Mais uma ensurdecedora trovoada,
A menina se agarrava desesperadamente à seu bicho de trapos,
Como se fosse a mão de sua tão sonhada proteção materna.
Que certamente acalmaria suas ansiedades pueris.


Sozinha naquele quarto úmido e escuro,
Nem mesmo atormentados fantasmas a visitavam,
Um resto de sopa permanecia num prato assentado sobre a cômoda,
E um pedaço de pão com três pequenas mordidas.


Desesperadamente ela queria ser protegida,
Ser tratada ao menos com algumas gotas de atenção,
Não tinha muita idéia do que era tudo aquilo,
No fundo, ela somente queria que seus ossos não tremessem tanto.


Ninguém sabia quem era aquela criança ou como chegou até ali,
Tampouco o nome de batismo ou endereço conhecido,
Lá estava ela esperando alguém reclamar a sua existência,
Era mais uma alma lançada no meio da hostilidade do mundo.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Ouro do Tolo


O homem é o que não é o que é, e que é o que não é. (Hegel)


A cada passo que dou,
Dentro da solitude que me acompanha,
Nem sei mais ao certo,
Desembrulhar ou não alguma razão.


Dentro das premissas do bom convívio,
Das articulações estéreis do mundo das aparências,
Nada é mais medíocre, falido ou patético,
Arregimentar vaidades corrosivas e imaturas.


Descartando a preferência pela avenida das futilidades,
Destilo meu asco pela simplificação do senso comum,
Reluto em não martelar a insatisfação imediata do ego,
Procuro não deixar seduzir pelas quimeras banalidades narcíseas.


Não cultivo cobaias em laboratório,
Tampouco conduzo experiências de ventríloquo,
Não quero ser a voz da obviedade filantrópica,
Não chuto a canela alheia e não dou carrinhos futebolísticos.


Ser e nunca ser o que jamais desejei,
Não balbuciar arrogância premeditada dos abutres,
Sem crivar os olhos em boçalidades estúpidas,
Não deserdar do campo de batalha e não deixar os corpos sucumbirem em vão .


Não quero me hospedar em asilos,
No jazigo do breve fim dos meus líquidos dias,
Detesto comida pré-fabricada em latas galvanizadas,
Não coleciono o silêncio dos sentimentos em potes de margarina.


Não faço coro com os que se iludem com o tesouro no final do arco-íris.
Não me convence a estrada dos banguelos sorrisos amarelos,
Não ajudo a conduzir a alma alheia pela alça do sepulcro,
Não levo a vela para a vigília em soturnos cemitérios.


Entre derrotas sacrificadas e minguadas vitórias,
Procuro ir um pouco além do que é possível ser,
Talvez esboçar algum pálido riso e se acostumar a ouvir o eco do vácuo,
Na divergência dos constantes sonos intranqüilos.


Não acredito na eclosão de revoluções,
Herdadas pelas cretinices dos que miram para o próprio umbigo,
Não acredito em marionetes ditando normas,
Tampouco sacio minha sede em sangue alheio.


Entre chuvas torrenciais e noites escuras,
Na solidão dos meus passos e o clarão ébrio da lua,
Sigo o que ainda consigo acreditar,
Sem desejar morrer voluntariamente pelo ouro dos tolos.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Hostil Primavera


Na manhã que se levanta fria,
A sensação térmica castiga os lábios,
Busco aquecer em vão meus dedos,
A Primavera hostil vai bem além do registro dos termômetros.


Os automóveis trafegam com moderado barulho,
Um som tão abafado quanto disperso,
As folhas do calendário vão sendo trocadas,
Debaixo dos escombros resiste a saudade intacta.


Alguns pássaros tomam coragem e entoam um canto triste,
Parece um ruído indescritível de lamento,
Talvez sintam a tristeza dos olhos levados pela maré,
Quem sabe o que se passa dentro de um coração?


Ninguém tem tanta certeza,
A ponto de afirmar com exatidão,
Não basta tarô ou quiromancia,
Pouco adianta para desvelar um violento silêncio sem temperamento.


Uns acreditam nas Escrituras,
Outros se apegam ao crucifixo,
Não sei à esta altura o que é certo ou errado,
A vida tem uma razoabilidade manca e torpe.


Seria mais fácil viver dentro de um amorfo script,
Fingir um burocrático sorriso e distribuir gélidos abraços,
É bem mais simples fragmentar o espelho,
Melhor seria sete anos de azar à mergulhar dentro de si?


O que deve ser dito diante do demônio,
Dentro das profundezas de nós mesmos,
Quais mentiras devem ser suscitadas,
A inútil avidez para preservar a alma da danação.


Não há frio que resista à ansiedade,
Ela cresce e toma um espaço monumental na garganta,
O grito não ecoa e as palavras ficam limitadas pelo papel,
Queria poder com meus dedos sentir a sua face.


No quarto alguns papéis viram recordações,
Uma canção de acordes simples substitui o vazio,
A Paz relutante sem encontrar morada,
Segue o caminho da batalha no campo de invisível algodoeiro.


Na Primavera de flores despetaladas,
Sobrevivendo sob o fogo cruzado da tortura silenciosa,
Quem caminha à passos miúdos de peito aberto,
Estará sempre correndo o risco da sentimental inanição.

domingo, 2 de novembro de 2008

Dores Febris


No alvorecer monocromático das horas,
Estaciono meus pensamentos em qualquer lugar,
Linhas transversais que não ligam rotas exatas,
Apenas à pulsares impulsivo no tempo.


Queria mais,
Queria ir bem além,
Além de tudo o que poderia ser,
Transmutar a distância em afeto.


Deixar tudo o que causa dor e desconforto de lado,
Afastar tudo o que mareja e enrijece a solidão,
Romper tudo o que polvilha medo e ansiedade,
E talvez assim trazer você para o meu encontro.


Atravessar rios e pontes,
Cruzar avenidas e ruas movimentadas,
Escalar montanhas ou arranha-céus de egos burgueses,
E atingir no âmago o anseio lacrado no peito.


Não zelar por tantos equívocos,
Não maltratar a verdade,
Não ser categórico com a fluidez do esvaziamento,
O Paraíso não vai muito além de nossas mãos.


O vício que nos cerca sem rumores,
A bomba que explode com dois feridos,
As marcas expostas como quadros do MASP,
O roubo da Paz como obras afanadas da pinacoteca.


Não há motivos para tanto desenlace,
Não há sangue para tanta cólera,
Não há caminho plausível sem paixão indolor,
Cintilam as dores do parto e as dores febris.


A sintonia viva no silêncio abissal,
Ambivalência nunca esquecida,
Lábios formigando com desejo inflexível,
O pulso oscilando a palpitação sem a completa entrega.


O sorriso moribundo,
A lágrima sufocada,
A palavra banida,
A angústia reinante.


Melhor negar à dizer a verdade?
Quando o tapete encobre todas as incertezas,
Aceitar tudo contemplativamente estéril,
É assinalar que a vida é uma mera esteira fleumática da linha de produção.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Chuva Árida


Lá fora chove,
Chove tão forte,
Quanto a tempestade aqui dentro,
Inundando tudo ao meu redor.


A chuva que despenca do horizonte,
Como soldados perfilados marchando para o campo de guerra,
Atiram sem piedade com gotas miscíveis o seu arsenal,
Enxaguando toda a veste.


Cai a chuva que molha o seu cabelo,
Que desliza algumas gotículas para o canto da boca,
As águas que rolam se confunde com pranto,
A chuva que lava as dores expostas.


Cai a chuva que toca em sua pele,
Purifica os sentimentos ressecados,
Presos pela insolubilidade dos anseios,
Levando para longe todas as tenras angústias.


Cai a chuva que clarifica seus olhos,
Pálpebras fechadas em dias absortos,
Na batalha equivocada onde somos tão perdedores,
Cintilando os olhares com mais suavidade.


Cai a chuva que ameniza o seu peito,
Sobressaltado de tanta latência,
Abrigo adiabático de conflitos,
Adormecendo no seu leito de ensejo.


Chuva que cai sem deixar nada no lugar,
Desloca tudo ao seu redor,
Não adianta o refúgio debaixo da cama,
A chuva perene invade todos os subterfúgios.


Chuva que afoga as fugas desabrigadas,
Adentra todas as ruas e atalhos equivocados,
Leva consigo as pedras e os desejos vazios,
Caminha sem considerar os ponteiros do relógio.


Chuva que bate à porta,
Respinga com força na janela,
Percorre sem cerimônia todo o quarto,
E preenche com suas águas todo o vácuo existente.


Pouco adianta correr para um falso abrigo,
A chuva sempre chega com suas águas levemente ácidas,
Quem teme purificar suas dores?
Quem consegue olhar diante do espelho?


Quem sabe se a chuva possa levar todos os receios ruins,
E conduzir minha nau que vaga sem destino,
Aproximar o meu desejo dos seus olhos,
E assim possa tocá-la com a chuva pairando sobre nossas cabeças.


Se necessita sair debaixo de tanta chuva,
Leve um guarda-chuva e uma capa protetora envolvendo o seu corpo,
Cuidado com as poças d´água e se acaso seus pés retornarem molhados,
Aquecerei-os com uma toalha quente e um beijo de delicadeza.


A chuva árida que forma tempestade,
Desaba um rio sobre a cidade indiferente às dores dos seus habitantes,
Não ouse fugir pois todo o caminho estará encharcado,
Resta então tomar um café e esperar a chuva passar.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Pantomímico (Medo Calado em Lábios Cerrados)


Na manhã dos dias sem complemento,
O corpo desperta vagaroso e intranqüilo sobre o colchão,
Ao redor do deserto solitário sem oásis por perto,
Caminha-se sobre o dia para almejar esquecer a noite.


A resposta nunca é segura ou imediata,
Não virá por fax ou telegrama,
Nem adiantará esperar sentado com o glúteo espalhado na cadeira,
O que sentir quando nenhuma resposta é satisfeita?


Uns se fecham em ostras sentimentais,
Outros tentando se apoiarem na vulgaridade promíscua como um desapego da vida,
Alguns ainda transmutam a mácula alheia em hemoglobinas narcíseas,
A vida de aparências velando o escancaramento do real.


Um microcosmo diante dos olhos,
Qual caminho de menor alienação?
Não aceitar nas fórmulas prontas e anedóticas,
Percalços alicerçados sobre os próprios calcanhares.


O frio faz o corpo buscar o isolamento,
A incerteza de tantas quimeras,
No gosto amargo da boca bocejante,
Uma poça de fel beirando os pés.


E segue a manhã com míseros pássaros emanando seu canto,
De um lado para outro bem inquietantemente,
A cama aparenta ser maior do que realmente se constitui,
Um latifúndio hostil que informalmente batizaram com a palavra “saudade”.


Quais certeza carregamos,
Quando as paredes é o único interlocutor,
Aquelas confissão mordidas entre lábios,
As reles testemunhas em cores com tinta descolorida de confiança.


Busca-se uma receita para a alegria de um suposto Amor,
Vem então a realidade desfazendo todos os laços,
Planejar o que poderia ser traçado?
Todavia, caiu por terra à ilusão dos guias confiáveis para a vida.


No silêncio as coisas se comportam veladamente,
Como se fosse possível existir algum tipo salutar de vida,
Inalando oxigênio poluído de forma quase natural,
A alcova subterrânea dos próprios medos.


Correr e não sair do lugar,
Toca a campainha sem nenhum sinal,
Pequenos fragmentos amargos conservados entre os dedos,
A vida como um insalubre teatro pantomímico.

domingo, 26 de outubro de 2008

Transitoriedade


Tudo passa nesta vida sem freios,
Os ponteiros circundando o perímetro do relógio,
O Sol que translada o horizonte,
A chuva que lava o sangue no asfalto.


Correr de um lado para outro,
Sem uma precisa direção,
A vela desfraldada que guia um barco,
Os caminhos circulares da agonia.


O pião que gira sobre seu próprio eixo,
As mentiras que entulham gavetas,
Os pêlos que crescem pelo corpo,
A paralisia que domina as pernas.


A velocidade que atropela dos acontecimentos,
A insegurança dos dias vencidos,
A falsidade dos sorrisos amarelos,
Tanta canalhice exposta nos jornais.


O cavalo que galga mancando até o disco final,
A barriga que ronca a espera de um resto de bóia,
As pétalas espalhadas pelos ventos por todo o corredor,
O drama sem o esperado final feliz.


O olhar diante do espelho,
As rugas preenchendo os espaços,
As mãos cada vez mais trêmulas,
A imprecisão sensível dos sentidos.


A guerra prolongada sem final à vista,
As execuções sumárias sem significado,
A banalidade do mal enfileirando corpos,
A trepada burocrática entre infiéis desconhecidos.


A angústia perdida das horas,
Percorre irradiante por toda a espinha dorsal,
O frio que gradativamente gela o estômago,
Os cortes à esmo sobre a carne que não sangra.


Os papéis amassados portadores de rascunhos inúteis,
O grito silenciado do estupro consentido,
Os dentes soltos deslizando pelo chão,
A adaga que penetra o intestino.


Transita tanto tempo,
Que ninguém se dá conta,
A vida que voa, já se foi,
A vida que hesita sempre mergulha sepultada.


Lábios castrados como fagulhas imersos no formigueiro,
Os insetos que sobrevoam o seu prato,
Os delírios dionisíacos antes do suicídio,
A foice que se transforma em arado no campo dos mortos.


As palavras carregadas de dores indescritíveis,
A indiferença perante os sentimentos,
O tempo que pulveriza sem sobrar nada ao redor,
O Amor que pulsava latente, cai e estagna.

sábado, 25 de outubro de 2008

Seis da Tarde



Eu me calo no presente,
Para tentar decifrar o passado,
E sentir que o futuro é uma incógnita,
Sem nenhuma luz por perto.



Aqueles lábios doces e agora ocultos,
Presos sem piedade com arame farpado,
Unidos pela severidade da angústia,
No tempo onde não há vencedores.



Há tantos caminhos escritos com giz e carvão,
Sobre a superfície irregular do asfalto,
Nenhuma novidade é revelada,
Talvez algumas memórias para serem pranteadas à noite.



A estrada segue sem levar à alguma parte conhecida,
A obscuridade se mistura com a obsolescência,
O descarte imediato e tolo da vida,
No jogo insensato da solidão a dois.



Com quantos maculados abatimentos,
Se faz a sobriedade dos dias em tons cinzas?
O colorido foi deixando de lado de maneira tão peremptória,
Mas algumas tonalidades pastéis resistem nas adiabáticas paredes.



De relance observo o relógio fixo ao alto,
A memória dispara como um filme ao contrário,
Seis da tarde e tudo que não gostaria de sentir,
É o que estou sentindo neste momento.



Seis da tarde e a poesia trafega sem luzes,
Que acompanha sem dar muitos sinais,
Tantas palavras a serem relatadas,
Nenhuma sonoridade se mostra presente.



Seis da tarde e daria meu mundo pelo seu sorriso,
Que fosse gratuito, terno e suave,
Transmitindo a Paz e a segurança tão apartada,
Tudo para alcançar um longo beijo de afeto.



Seis da tarde e o Sol querendo se deitar,
A luminosidade clareia o início da noite,
O silêncio é o sal que violenta minhas terras,
A Paz destronada do nosso labirinto.



Seis da tarde e desconheço o paradeiro dos seus passos,
Queria poder cortejar seus olhos,
Porém a distância impõem sôfregos obstáculos,
A secura segue intacta perante meus dedos.



Seis da tarde e começa a cair uma fina garoa,
Espero que as águas não molhem tanto suas vestes,
O frio talvez lhe traga algum desconforto,
Neste momento, poderia secar seu corpo com meus lábios.



Seis da tarde e tudo continua igual,
A pilha de livros e o jornal de domingo,
Papéis divorciados por todos os lados,
Atinando a saudade perdida irrigada de tanto desejo.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Espinhos Selvagens (Carta para Lugar Algum)


Cai uma tempestade sem piedade,
Rios d´água em curso instável,
Paredes líquidas se elevam como muralhas,
Aquartelados, seguimos a vida como incipientes autômatos.



A replicação dos medos conhecidos,
A submissão aos anseios desconhecidos,
Tudo bem regido às velhas premissas,
A reprodução da artificialidade da vida.



Fingindo, fingimos viver,
Cambaleantes, cantamos uma canção de ninar,
Ninguém dorme sem colher alguns pesadelos,
Ninguém quer ser incomodado da hibernação dentro do casulo.



Sonhos, quimeras são quimeras,
Beijando com Paixão o arame farpado,
Lábios escorrem gotas de sangue,
Pelo canto da boca, pelo canto dos olhos.



Quanta luz pode atravessar sem resvalar,
Através das frágeis fendas da janela,
Rompendo a típica monotonia das trevas,
O altar dos lábios cerrados.



Paz. Qual Paz é possível na alcova dos sentidos?
Imerso no mar ou preso na deserção no deserto,
A voluntariedade dos atos inconseqüentes,
A frígida procissão das noites fragmentadas.



Como chegar no alto de todas as coisas?
Ter a noção exata de tudo ao redor,
Decifrar os mistérios da imaterialidade,
Dar segurança às mãos trêmulas da amada?



O que somos? Que Diabos seremos para o futuro?
Ser ou Nada? Quando uma ave sobrevoa o céu,
Aquela paisagem monotemática fecunda seus olhos,
Por que nos matamos com abissal crueldade?



Seja na porta de um fétido meretrício,
Seja no fundo noir de um restaurante dos Jardins,
Quais são as vidas que tem algum valor?
Quem predefine quem vive ou quem não mais respira?



Segue o canto, segue o pranto,
A escada segue por inúmeros degraus,
A boca desértica embriagada de perguntas sem abrigo,
Não há Paz amotinada em castelos.



A vontade petrificada,
O desejo sucumbido,
A vitória assassinada,
O sangue jorrado no asfalto.



Atropelam-se as dores e corrompe-se a lealdade,
Estilhaços de vidro açoitam o que ainda resta de alguns amores,
Matam-se grânulos esperançosos no cativeiro,
A vida como pastagem em espinhos selvagens.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Vinte Graus em Noite Escura



Madrugada, 20 graus, diz a estação de rádio,
A febre vai muito além da temperatura ambiente,
Um mal-estar permeia sobre o leito em noite adentro,
Luzes apagadas e um mundo para refletir.



Borbulha inconstantemente o estômago,
Emitindo um chiado de vísceras se digladiando,
Numa insone batalha camicase em pavio curto,
A cabeça rondando sem nenhum destino.



Caminho em passos curtos pela casa,
Volto ao rádio buscando alguma notícia na noite,
As reportagens se repetem a cada mudança no dial,
Como a barbárie intrínseca da sociedade.



Querendo sair com autonomia deste leito,
Porém viro refém involuntário de seus caprichos,
Por mais que desejo alguma sensação de liberdade,
Parece que nada se conquista com algum mérito sem beijar a cruz.



Observo o teto buscando algumas explicações,
Confesso à minhas feridas: Que medida tão inútil!
Dificilmente as paredes me revelaram algum segredo,
E segue a sina adormecida no vazio.



É inevitável que em momentos de solidão,
A saudade bate à porta com extrema violência,
Seja para questionar atos passados,
Seja para atordoar gestos futuros.



No presente não há nenhuma saída consistente,
As palavras se calam adormecidas,
Não sei mais o que pensar ou verbalizar,
Apenas bem sei que o Amor não passou...



Levanto novamente e caminho pelo corredor,
Percorrendo algumas vezes o mesmo trajeto,
Os pensamentos saltam da memória,
E o corpo cansado pede de novo o leito.



Faço mais uma tentativa de fechar os olhos,
Quando abro, o Sol ilumina a janela,
Tanta vida poderia ser recitada com tanto brilho,
Se a escuridão não tivesse afastado nossas mãos.



O que você estará fazendo agora?
O que me resta então seria um pouco de imaginação e a saudade,
Presas no cativeiro das lembranças,
Sentidas bem de perto pela dor nos olhos.



Difícil achar alguma plausível explicação,
Quando dialogamos em silêncio com o teto imóvel,
Articulamos pensamentos e construções simbólicas,
Porém a realidade é um trator sem freios perante a vida.



No vazio do leito de lençóis desalinhados,
A garganta áspera e a boca toda seca,
Por mais alguns dias permanecerei assim,
Pena que a saudade também não tenha prazo de validade.

sábado, 18 de outubro de 2008

A Cor de Outrora (Vã Poesia)


Quando pensei que tinha chegado a um destino,
Surgiu a vida embaralhando todas as cartas,
O céu que era bem mais límpido e menos acinzentado,
Turvou-se num esbranquiçado sonolento.


Por mais incrível que possa aparecer,
O inevitável também acontece,
Diante de um campo de gramíneas,
Ergueu-se uma atroz muralha.


Aqueles sonhos imaginados através de sua íris,
As pálpebras se fechando sem pedir licença,
O que era certo se tornou instável,
Da dúvida se umedeceu em lamento.



Das noites que dormia segurando suas mãos,
Hoje se tomaram em espaças memórias,
Tantas batalhas estilhaçadas pelos cantos,
Lutas travadas pela coragem de não lhe perder.


Aqueles lábios que não mais toquei,
Aqueles olhos que eram os faróis do sorriso,
Que águas negras que levaram seu semblante?
As mãos se perderam no reluzir da tempestade.


E agora que você não está aqui,
Pouca coisa ficou no lugar,
Um silêncio ecoa pelo quarto,
Quebrado somente pelo vento que adentra à janela.


Por mais que busque esquivar da lembrança,
É quase invariavelmente uma vã tentativa,
Não é fácil apagar o que foi tão feliz,
Mais difícil ainda é observar a cadeira vazia.


Da janela do quarto vestida de cortinas semi-abertas,
Observo algumas estrelas polvilhadas sem tanta maestria,
Talvez uma delas possa trazer algum alento,
Quem saber ter anotado a placa do vendaval que passou.


As vezes, sinto vontade de escrever uma canção,
Que possa trazer alguma luz imersa diante do silêncio,
Mas de tantos versos outrora empilhados sobre o caderno,
Nenhum deles foi suficientemente sensível para o encantamento.


A escrita que não comoveu ou não foi sentida,
Passível de sucumbir aos papéis sem tons coloridos,
Meus versos não fizeram brotar a canção certeira aos seus olhos,
Minha poesia é tão vã.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Intermitência



A saudade de quem nunca parte,
Fica confinada nas entranhas da carne,
Não é visível ou possível de ser tocada,
Sobrevive em uma sintonia angustiante.


Na claridade de um sábado à tarde,
Ou no vazio plúmbeo de uma manhã de domingo,
A saudade martela continuamente,
O locus vivendi do olhar no deserto.


Ressoam os dias e as horas castradas,
Nada parece transitar com o mesmo sabor de outrora,
A ausência batendo como tambores numa procissão,
O mapa perdido dos encantos de um sorriso.


Lamenta-se a distância,
Com a mesma inquietude do fracionamento do afeto,
A luta insana entre o pragmatismo e o desejo,
Há uma pilha de mortos espalhados pelo chão.


O caminho das pedras,
A rebelião no mar,
Nuvens de fel no céu,
Aqui embaixo, o ar se tornou turvo e áspero.


As horas que passam pelos ponteiros,
A cama desarrumada e solitária,
Os objetos pendentes nas prateleiras,
O mundo que era líquido se evapora.


As certezas das incertezas prosseguem sem rumo,
Nada se sabe o suficiente para virar realidade,
A saudade é um bloco de concreto despetalando do alto de um edifício,
Qualquer bobagem é mera válvula de escape.


Pelas frestas da janela emana alguma luz,
Mas nada clareia o que seria preciso iluminar,
Ouvidos tamponados e os lábios costurados,
A saudade é um retrato amarelado na parede.


Quanta secura nos dias,
Quem segura as pontas?
Os caminhos são turvos e soltos,
Soltos até demais e que mergulham para um insípido vácuo.


O sono chega de leve,
Manso e sem perspectiva de tranqüilidade,
O refúgio básico no sorvedouro da estrada,
A Paz nunca selada e sem vencedores.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Vendaval de Areia


Tempo nublado inundado de um vazio atemporal,
Manhã desperta com sonolência recalcada,
Dentro dos tênues limites da fragilidade humana,
Todas as palavras não traduzem com exatidão um sentimento.


De tanto incitar o desejo,
As mãos sucumbiram vazias vagando areia pelos flancos,
Diante de um deserto frio que enlaçou os dedos,
Nada que reluz tem algum significado.


A lembrança é o mecanismo mais certeiro,
Uma máquina infalível para a tortura,
Ainda regurgita alguma sobrevida material daquelas concepções vivenciadas,
Uma sangria que continua a desatar como um longo vendaval.


Chega a noite e não dura nada além que um parco dia,
A plausibilidade humilde das palavras,
O silêncio fúnebre do cárcere,
A fuga hostil sem remorso.


Há um sentimento atávico muito difícil de lidar,
De carregar perante os dias,
Tempo o qual pouco se sabe,
Da distância que reina em nossas vidas.


Da areia que se pulverizou um castelo,
Somente a masmorra se tornou cristalina,
Pouco se sabe de tamanha evaporação,
E nenhuma novidade foi exibida nas manchetes de jornais.


O desejo é uma sensação tola,
Queremos o que não podemos,
Ansiamos o que está privado das mãos,
E morremos sem ao menos sabermos alguma ilícita razão.


Delegamos nossas alegrias ao compartilhar de dedos,
Com os anéis vão-se embora tantas coisas,
A dor que aqui foi armazenada,
É a mesma dor que não permito exalar perante o cotidiano.


Morada do Sol e as cores sem iluminação,
Estrada desértica murada por labaredas incandescentes,
São poucas as luzes que realmente mostrem algum caminho,
São turvas e incompletas todas as direções mais significativas.


Há dias que queremos apagar da pele,
Há momentos que não merecem registros na agenda,
Rabisco com um lápis alguns traços sem maiores pretensões,
Nada passa tranqüilo sem ao menos sentir uma leve arritmia.


Finjo teimar em não querer o que sempre ousei desejar,
Mas insisto na teimosia em ainda dizer,
Não sei em qual constelação onde se escondeu aquele sorriso,
Sei que de tudo ocorrido, agora restaram apenas vestígios de versos.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Viscosidade (Amálgama por Contradição)


As palavras e as coisas são mundos distintos,
Quase imiscível como água e óleo?
Seriam dois universos antagônicos entre fogo e gelo,
Uma amálgama por contradição?



As palavras calejadas na garganta,
As coisas reificadas pelo desejo,
O corte profundo sem direção,
O olhar perdido em campo aberto.



As palavras ditas pelo céu da boca,
As coisas cheias de privações,
A porta fechada selando a essência,
O medo contaminando os poros.



As palavras mordidas de tanto receio,
As coisas fechadas e trêmulas,
A burla dos próprios anseios,
Mentiras petrificadas na alma.



As palavras pisadas dentro de um pilão,
As coisas moldadas com gesso fino,
A ventania que desaba sonhos,
A morte que nunca pede carona.



As palavras soltas na boca banguela,
As coisas pobres e secas,
A vida apátrida sem significado,
Os espinhos machucando os pés.



As palavras feitas para sangrarem,
As coisas atiradas pela janela,
O asfalto cheio de deformidade,
O trem descarrilado rumando para um precipício.



As palavras perversas que atingem com maldade,
As coisas fincadas no coração,
Tantas mentiras corroídas como metal enferrujado,
Tanta vida deixada para trás.



As palavras ingratas e disformes,
As coisas feitas sem ponderação,
A vida tocada como guizo de animais,
Nada paira verticalmente sobre o chão molhado.



As palavras caem no esquecimento,
Com a mesma velocidade das coisas feitas pelas mãos,
A vida efêmera deixa tudo líquido,
De tamanha ausência, pouco sobra para ser colocado no lugar.



As palavras que atormentam o coração,
Caminham paralelamente com as coisas feitas para suscitarem mágoas,
A mácula sentida castiga a memória,
O tempo se encarrega das feridas espalhadas pelo corpo.