quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Chuva Árida


Lá fora chove,
Chove tão forte,
Quanto a tempestade aqui dentro,
Inundando tudo ao meu redor.


A chuva que despenca do horizonte,
Como soldados perfilados marchando para o campo de guerra,
Atiram sem piedade com gotas miscíveis o seu arsenal,
Enxaguando toda a veste.


Cai a chuva que molha o seu cabelo,
Que desliza algumas gotículas para o canto da boca,
As águas que rolam se confunde com pranto,
A chuva que lava as dores expostas.


Cai a chuva que toca em sua pele,
Purifica os sentimentos ressecados,
Presos pela insolubilidade dos anseios,
Levando para longe todas as tenras angústias.


Cai a chuva que clarifica seus olhos,
Pálpebras fechadas em dias absortos,
Na batalha equivocada onde somos tão perdedores,
Cintilando os olhares com mais suavidade.


Cai a chuva que ameniza o seu peito,
Sobressaltado de tanta latência,
Abrigo adiabático de conflitos,
Adormecendo no seu leito de ensejo.


Chuva que cai sem deixar nada no lugar,
Desloca tudo ao seu redor,
Não adianta o refúgio debaixo da cama,
A chuva perene invade todos os subterfúgios.


Chuva que afoga as fugas desabrigadas,
Adentra todas as ruas e atalhos equivocados,
Leva consigo as pedras e os desejos vazios,
Caminha sem considerar os ponteiros do relógio.


Chuva que bate à porta,
Respinga com força na janela,
Percorre sem cerimônia todo o quarto,
E preenche com suas águas todo o vácuo existente.


Pouco adianta correr para um falso abrigo,
A chuva sempre chega com suas águas levemente ácidas,
Quem teme purificar suas dores?
Quem consegue olhar diante do espelho?


Quem sabe se a chuva possa levar todos os receios ruins,
E conduzir minha nau que vaga sem destino,
Aproximar o meu desejo dos seus olhos,
E assim possa tocá-la com a chuva pairando sobre nossas cabeças.


Se necessita sair debaixo de tanta chuva,
Leve um guarda-chuva e uma capa protetora envolvendo o seu corpo,
Cuidado com as poças d´água e se acaso seus pés retornarem molhados,
Aquecerei-os com uma toalha quente e um beijo de delicadeza.


A chuva árida que forma tempestade,
Desaba um rio sobre a cidade indiferente às dores dos seus habitantes,
Não ouse fugir pois todo o caminho estará encharcado,
Resta então tomar um café e esperar a chuva passar.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Pantomímico (Medo Calado em Lábios Cerrados)


Na manhã dos dias sem complemento,
O corpo desperta vagaroso e intranqüilo sobre o colchão,
Ao redor do deserto solitário sem oásis por perto,
Caminha-se sobre o dia para almejar esquecer a noite.


A resposta nunca é segura ou imediata,
Não virá por fax ou telegrama,
Nem adiantará esperar sentado com o glúteo espalhado na cadeira,
O que sentir quando nenhuma resposta é satisfeita?


Uns se fecham em ostras sentimentais,
Outros tentando se apoiarem na vulgaridade promíscua como um desapego da vida,
Alguns ainda transmutam a mácula alheia em hemoglobinas narcíseas,
A vida de aparências velando o escancaramento do real.


Um microcosmo diante dos olhos,
Qual caminho de menor alienação?
Não aceitar nas fórmulas prontas e anedóticas,
Percalços alicerçados sobre os próprios calcanhares.


O frio faz o corpo buscar o isolamento,
A incerteza de tantas quimeras,
No gosto amargo da boca bocejante,
Uma poça de fel beirando os pés.


E segue a manhã com míseros pássaros emanando seu canto,
De um lado para outro bem inquietantemente,
A cama aparenta ser maior do que realmente se constitui,
Um latifúndio hostil que informalmente batizaram com a palavra “saudade”.


Quais certeza carregamos,
Quando as paredes é o único interlocutor,
Aquelas confissão mordidas entre lábios,
As reles testemunhas em cores com tinta descolorida de confiança.


Busca-se uma receita para a alegria de um suposto Amor,
Vem então a realidade desfazendo todos os laços,
Planejar o que poderia ser traçado?
Todavia, caiu por terra à ilusão dos guias confiáveis para a vida.


No silêncio as coisas se comportam veladamente,
Como se fosse possível existir algum tipo salutar de vida,
Inalando oxigênio poluído de forma quase natural,
A alcova subterrânea dos próprios medos.


Correr e não sair do lugar,
Toca a campainha sem nenhum sinal,
Pequenos fragmentos amargos conservados entre os dedos,
A vida como um insalubre teatro pantomímico.

domingo, 26 de outubro de 2008

Transitoriedade


Tudo passa nesta vida sem freios,
Os ponteiros circundando o perímetro do relógio,
O Sol que translada o horizonte,
A chuva que lava o sangue no asfalto.


Correr de um lado para outro,
Sem uma precisa direção,
A vela desfraldada que guia um barco,
Os caminhos circulares da agonia.


O pião que gira sobre seu próprio eixo,
As mentiras que entulham gavetas,
Os pêlos que crescem pelo corpo,
A paralisia que domina as pernas.


A velocidade que atropela dos acontecimentos,
A insegurança dos dias vencidos,
A falsidade dos sorrisos amarelos,
Tanta canalhice exposta nos jornais.


O cavalo que galga mancando até o disco final,
A barriga que ronca a espera de um resto de bóia,
As pétalas espalhadas pelos ventos por todo o corredor,
O drama sem o esperado final feliz.


O olhar diante do espelho,
As rugas preenchendo os espaços,
As mãos cada vez mais trêmulas,
A imprecisão sensível dos sentidos.


A guerra prolongada sem final à vista,
As execuções sumárias sem significado,
A banalidade do mal enfileirando corpos,
A trepada burocrática entre infiéis desconhecidos.


A angústia perdida das horas,
Percorre irradiante por toda a espinha dorsal,
O frio que gradativamente gela o estômago,
Os cortes à esmo sobre a carne que não sangra.


Os papéis amassados portadores de rascunhos inúteis,
O grito silenciado do estupro consentido,
Os dentes soltos deslizando pelo chão,
A adaga que penetra o intestino.


Transita tanto tempo,
Que ninguém se dá conta,
A vida que voa, já se foi,
A vida que hesita sempre mergulha sepultada.


Lábios castrados como fagulhas imersos no formigueiro,
Os insetos que sobrevoam o seu prato,
Os delírios dionisíacos antes do suicídio,
A foice que se transforma em arado no campo dos mortos.


As palavras carregadas de dores indescritíveis,
A indiferença perante os sentimentos,
O tempo que pulveriza sem sobrar nada ao redor,
O Amor que pulsava latente, cai e estagna.

sábado, 25 de outubro de 2008

Seis da Tarde



Eu me calo no presente,
Para tentar decifrar o passado,
E sentir que o futuro é uma incógnita,
Sem nenhuma luz por perto.



Aqueles lábios doces e agora ocultos,
Presos sem piedade com arame farpado,
Unidos pela severidade da angústia,
No tempo onde não há vencedores.



Há tantos caminhos escritos com giz e carvão,
Sobre a superfície irregular do asfalto,
Nenhuma novidade é revelada,
Talvez algumas memórias para serem pranteadas à noite.



A estrada segue sem levar à alguma parte conhecida,
A obscuridade se mistura com a obsolescência,
O descarte imediato e tolo da vida,
No jogo insensato da solidão a dois.



Com quantos maculados abatimentos,
Se faz a sobriedade dos dias em tons cinzas?
O colorido foi deixando de lado de maneira tão peremptória,
Mas algumas tonalidades pastéis resistem nas adiabáticas paredes.



De relance observo o relógio fixo ao alto,
A memória dispara como um filme ao contrário,
Seis da tarde e tudo que não gostaria de sentir,
É o que estou sentindo neste momento.



Seis da tarde e a poesia trafega sem luzes,
Que acompanha sem dar muitos sinais,
Tantas palavras a serem relatadas,
Nenhuma sonoridade se mostra presente.



Seis da tarde e daria meu mundo pelo seu sorriso,
Que fosse gratuito, terno e suave,
Transmitindo a Paz e a segurança tão apartada,
Tudo para alcançar um longo beijo de afeto.



Seis da tarde e o Sol querendo se deitar,
A luminosidade clareia o início da noite,
O silêncio é o sal que violenta minhas terras,
A Paz destronada do nosso labirinto.



Seis da tarde e desconheço o paradeiro dos seus passos,
Queria poder cortejar seus olhos,
Porém a distância impõem sôfregos obstáculos,
A secura segue intacta perante meus dedos.



Seis da tarde e começa a cair uma fina garoa,
Espero que as águas não molhem tanto suas vestes,
O frio talvez lhe traga algum desconforto,
Neste momento, poderia secar seu corpo com meus lábios.



Seis da tarde e tudo continua igual,
A pilha de livros e o jornal de domingo,
Papéis divorciados por todos os lados,
Atinando a saudade perdida irrigada de tanto desejo.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Espinhos Selvagens (Carta para Lugar Algum)


Cai uma tempestade sem piedade,
Rios d´água em curso instável,
Paredes líquidas se elevam como muralhas,
Aquartelados, seguimos a vida como incipientes autômatos.



A replicação dos medos conhecidos,
A submissão aos anseios desconhecidos,
Tudo bem regido às velhas premissas,
A reprodução da artificialidade da vida.



Fingindo, fingimos viver,
Cambaleantes, cantamos uma canção de ninar,
Ninguém dorme sem colher alguns pesadelos,
Ninguém quer ser incomodado da hibernação dentro do casulo.



Sonhos, quimeras são quimeras,
Beijando com Paixão o arame farpado,
Lábios escorrem gotas de sangue,
Pelo canto da boca, pelo canto dos olhos.



Quanta luz pode atravessar sem resvalar,
Através das frágeis fendas da janela,
Rompendo a típica monotonia das trevas,
O altar dos lábios cerrados.



Paz. Qual Paz é possível na alcova dos sentidos?
Imerso no mar ou preso na deserção no deserto,
A voluntariedade dos atos inconseqüentes,
A frígida procissão das noites fragmentadas.



Como chegar no alto de todas as coisas?
Ter a noção exata de tudo ao redor,
Decifrar os mistérios da imaterialidade,
Dar segurança às mãos trêmulas da amada?



O que somos? Que Diabos seremos para o futuro?
Ser ou Nada? Quando uma ave sobrevoa o céu,
Aquela paisagem monotemática fecunda seus olhos,
Por que nos matamos com abissal crueldade?



Seja na porta de um fétido meretrício,
Seja no fundo noir de um restaurante dos Jardins,
Quais são as vidas que tem algum valor?
Quem predefine quem vive ou quem não mais respira?



Segue o canto, segue o pranto,
A escada segue por inúmeros degraus,
A boca desértica embriagada de perguntas sem abrigo,
Não há Paz amotinada em castelos.



A vontade petrificada,
O desejo sucumbido,
A vitória assassinada,
O sangue jorrado no asfalto.



Atropelam-se as dores e corrompe-se a lealdade,
Estilhaços de vidro açoitam o que ainda resta de alguns amores,
Matam-se grânulos esperançosos no cativeiro,
A vida como pastagem em espinhos selvagens.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Vinte Graus em Noite Escura



Madrugada, 20 graus, diz a estação de rádio,
A febre vai muito além da temperatura ambiente,
Um mal-estar permeia sobre o leito em noite adentro,
Luzes apagadas e um mundo para refletir.



Borbulha inconstantemente o estômago,
Emitindo um chiado de vísceras se digladiando,
Numa insone batalha camicase em pavio curto,
A cabeça rondando sem nenhum destino.



Caminho em passos curtos pela casa,
Volto ao rádio buscando alguma notícia na noite,
As reportagens se repetem a cada mudança no dial,
Como a barbárie intrínseca da sociedade.



Querendo sair com autonomia deste leito,
Porém viro refém involuntário de seus caprichos,
Por mais que desejo alguma sensação de liberdade,
Parece que nada se conquista com algum mérito sem beijar a cruz.



Observo o teto buscando algumas explicações,
Confesso à minhas feridas: Que medida tão inútil!
Dificilmente as paredes me revelaram algum segredo,
E segue a sina adormecida no vazio.



É inevitável que em momentos de solidão,
A saudade bate à porta com extrema violência,
Seja para questionar atos passados,
Seja para atordoar gestos futuros.



No presente não há nenhuma saída consistente,
As palavras se calam adormecidas,
Não sei mais o que pensar ou verbalizar,
Apenas bem sei que o Amor não passou...



Levanto novamente e caminho pelo corredor,
Percorrendo algumas vezes o mesmo trajeto,
Os pensamentos saltam da memória,
E o corpo cansado pede de novo o leito.



Faço mais uma tentativa de fechar os olhos,
Quando abro, o Sol ilumina a janela,
Tanta vida poderia ser recitada com tanto brilho,
Se a escuridão não tivesse afastado nossas mãos.



O que você estará fazendo agora?
O que me resta então seria um pouco de imaginação e a saudade,
Presas no cativeiro das lembranças,
Sentidas bem de perto pela dor nos olhos.



Difícil achar alguma plausível explicação,
Quando dialogamos em silêncio com o teto imóvel,
Articulamos pensamentos e construções simbólicas,
Porém a realidade é um trator sem freios perante a vida.



No vazio do leito de lençóis desalinhados,
A garganta áspera e a boca toda seca,
Por mais alguns dias permanecerei assim,
Pena que a saudade também não tenha prazo de validade.

sábado, 18 de outubro de 2008

A Cor de Outrora (Vã Poesia)


Quando pensei que tinha chegado a um destino,
Surgiu a vida embaralhando todas as cartas,
O céu que era bem mais límpido e menos acinzentado,
Turvou-se num esbranquiçado sonolento.


Por mais incrível que possa aparecer,
O inevitável também acontece,
Diante de um campo de gramíneas,
Ergueu-se uma atroz muralha.


Aqueles sonhos imaginados através de sua íris,
As pálpebras se fechando sem pedir licença,
O que era certo se tornou instável,
Da dúvida se umedeceu em lamento.



Das noites que dormia segurando suas mãos,
Hoje se tomaram em espaças memórias,
Tantas batalhas estilhaçadas pelos cantos,
Lutas travadas pela coragem de não lhe perder.


Aqueles lábios que não mais toquei,
Aqueles olhos que eram os faróis do sorriso,
Que águas negras que levaram seu semblante?
As mãos se perderam no reluzir da tempestade.


E agora que você não está aqui,
Pouca coisa ficou no lugar,
Um silêncio ecoa pelo quarto,
Quebrado somente pelo vento que adentra à janela.


Por mais que busque esquivar da lembrança,
É quase invariavelmente uma vã tentativa,
Não é fácil apagar o que foi tão feliz,
Mais difícil ainda é observar a cadeira vazia.


Da janela do quarto vestida de cortinas semi-abertas,
Observo algumas estrelas polvilhadas sem tanta maestria,
Talvez uma delas possa trazer algum alento,
Quem saber ter anotado a placa do vendaval que passou.


As vezes, sinto vontade de escrever uma canção,
Que possa trazer alguma luz imersa diante do silêncio,
Mas de tantos versos outrora empilhados sobre o caderno,
Nenhum deles foi suficientemente sensível para o encantamento.


A escrita que não comoveu ou não foi sentida,
Passível de sucumbir aos papéis sem tons coloridos,
Meus versos não fizeram brotar a canção certeira aos seus olhos,
Minha poesia é tão vã.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Intermitência



A saudade de quem nunca parte,
Fica confinada nas entranhas da carne,
Não é visível ou possível de ser tocada,
Sobrevive em uma sintonia angustiante.


Na claridade de um sábado à tarde,
Ou no vazio plúmbeo de uma manhã de domingo,
A saudade martela continuamente,
O locus vivendi do olhar no deserto.


Ressoam os dias e as horas castradas,
Nada parece transitar com o mesmo sabor de outrora,
A ausência batendo como tambores numa procissão,
O mapa perdido dos encantos de um sorriso.


Lamenta-se a distância,
Com a mesma inquietude do fracionamento do afeto,
A luta insana entre o pragmatismo e o desejo,
Há uma pilha de mortos espalhados pelo chão.


O caminho das pedras,
A rebelião no mar,
Nuvens de fel no céu,
Aqui embaixo, o ar se tornou turvo e áspero.


As horas que passam pelos ponteiros,
A cama desarrumada e solitária,
Os objetos pendentes nas prateleiras,
O mundo que era líquido se evapora.


As certezas das incertezas prosseguem sem rumo,
Nada se sabe o suficiente para virar realidade,
A saudade é um bloco de concreto despetalando do alto de um edifício,
Qualquer bobagem é mera válvula de escape.


Pelas frestas da janela emana alguma luz,
Mas nada clareia o que seria preciso iluminar,
Ouvidos tamponados e os lábios costurados,
A saudade é um retrato amarelado na parede.


Quanta secura nos dias,
Quem segura as pontas?
Os caminhos são turvos e soltos,
Soltos até demais e que mergulham para um insípido vácuo.


O sono chega de leve,
Manso e sem perspectiva de tranqüilidade,
O refúgio básico no sorvedouro da estrada,
A Paz nunca selada e sem vencedores.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Vendaval de Areia


Tempo nublado inundado de um vazio atemporal,
Manhã desperta com sonolência recalcada,
Dentro dos tênues limites da fragilidade humana,
Todas as palavras não traduzem com exatidão um sentimento.


De tanto incitar o desejo,
As mãos sucumbiram vazias vagando areia pelos flancos,
Diante de um deserto frio que enlaçou os dedos,
Nada que reluz tem algum significado.


A lembrança é o mecanismo mais certeiro,
Uma máquina infalível para a tortura,
Ainda regurgita alguma sobrevida material daquelas concepções vivenciadas,
Uma sangria que continua a desatar como um longo vendaval.


Chega a noite e não dura nada além que um parco dia,
A plausibilidade humilde das palavras,
O silêncio fúnebre do cárcere,
A fuga hostil sem remorso.


Há um sentimento atávico muito difícil de lidar,
De carregar perante os dias,
Tempo o qual pouco se sabe,
Da distância que reina em nossas vidas.


Da areia que se pulverizou um castelo,
Somente a masmorra se tornou cristalina,
Pouco se sabe de tamanha evaporação,
E nenhuma novidade foi exibida nas manchetes de jornais.


O desejo é uma sensação tola,
Queremos o que não podemos,
Ansiamos o que está privado das mãos,
E morremos sem ao menos sabermos alguma ilícita razão.


Delegamos nossas alegrias ao compartilhar de dedos,
Com os anéis vão-se embora tantas coisas,
A dor que aqui foi armazenada,
É a mesma dor que não permito exalar perante o cotidiano.


Morada do Sol e as cores sem iluminação,
Estrada desértica murada por labaredas incandescentes,
São poucas as luzes que realmente mostrem algum caminho,
São turvas e incompletas todas as direções mais significativas.


Há dias que queremos apagar da pele,
Há momentos que não merecem registros na agenda,
Rabisco com um lápis alguns traços sem maiores pretensões,
Nada passa tranqüilo sem ao menos sentir uma leve arritmia.


Finjo teimar em não querer o que sempre ousei desejar,
Mas insisto na teimosia em ainda dizer,
Não sei em qual constelação onde se escondeu aquele sorriso,
Sei que de tudo ocorrido, agora restaram apenas vestígios de versos.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Viscosidade (Amálgama por Contradição)


As palavras e as coisas são mundos distintos,
Quase imiscível como água e óleo?
Seriam dois universos antagônicos entre fogo e gelo,
Uma amálgama por contradição?



As palavras calejadas na garganta,
As coisas reificadas pelo desejo,
O corte profundo sem direção,
O olhar perdido em campo aberto.



As palavras ditas pelo céu da boca,
As coisas cheias de privações,
A porta fechada selando a essência,
O medo contaminando os poros.



As palavras mordidas de tanto receio,
As coisas fechadas e trêmulas,
A burla dos próprios anseios,
Mentiras petrificadas na alma.



As palavras pisadas dentro de um pilão,
As coisas moldadas com gesso fino,
A ventania que desaba sonhos,
A morte que nunca pede carona.



As palavras soltas na boca banguela,
As coisas pobres e secas,
A vida apátrida sem significado,
Os espinhos machucando os pés.



As palavras feitas para sangrarem,
As coisas atiradas pela janela,
O asfalto cheio de deformidade,
O trem descarrilado rumando para um precipício.



As palavras perversas que atingem com maldade,
As coisas fincadas no coração,
Tantas mentiras corroídas como metal enferrujado,
Tanta vida deixada para trás.



As palavras ingratas e disformes,
As coisas feitas sem ponderação,
A vida tocada como guizo de animais,
Nada paira verticalmente sobre o chão molhado.



As palavras caem no esquecimento,
Com a mesma velocidade das coisas feitas pelas mãos,
A vida efêmera deixa tudo líquido,
De tamanha ausência, pouco sobra para ser colocado no lugar.



As palavras que atormentam o coração,
Caminham paralelamente com as coisas feitas para suscitarem mágoas,
A mácula sentida castiga a memória,
O tempo se encarrega das feridas espalhadas pelo corpo.

sábado, 11 de outubro de 2008

Tamponamento (Vocábulos no Sótão)



As palavras caladas são as paredes do Inferno!

Frias, ásperas e ficam escondidas no infinito fundo da gaveta,

Prisioneiras das masmorras do esquecimento,

Tolhidas de qualquer possibilidade de alforria.



Prossegue então aquele enferrujado joguete,

Onde as palavras são lançadas na superfície de um tabuleiro,

Perdidas e sem nenhuma idéia de regras ou mandamentos eclesiásticos,

Participam de uma maneira que não lhe fazem o menor sentido.



As palavras nunca ditas são atiradas para o imaginário do interlocutor,

São empilhadas desordenadamente na garganta,

Como entulhos inorgânicos infectando um terreno baldio,

Vigiadas por olhares atentos de moscas e urubus.



As palavras retiradas bruscamente do berço,

Ficam coradas de tanto prantearem,

Porém seus caprichos nunca são permitidos,

E inocentemente elas se recolhem debaixo do tapete.



As palavras doloridas como nódulos pelo corpo,

Sinais de destempero chagásico e metástase fulminante,

Moribundas, elas tropeçam pelos corredores,

E voltam abatidas para o cárcere do leito.



Na jaula hostil do cotidiano imerso em perplexidade,

Os vocábulos sobrevivem atados à claustrofobia,

Não há registro de algum feixe de luz ao redor,

Tudo é turvo, seco e seduzido para o vácuo.



As palavras silenciadas são hóspedes de tristes gaiolas douradas,

Algum serviço de quarto e sem direito à internet,

As toalhas mesmo ensopadas, não são trocadas,

E as camareiras são proibidas de emitirem alguma expressão verbal.



Há tanto sangramento subcutâneo,

No engaiolamento servil das palavras,

Cortes profundos que eclodem ricos de plaquetas,

Escorrem lentamente o líquido rubro pela ponta dos dedos.



Os vocábulos presos entre os dentes,

A língua que machuca as palavras,

Açoita violentamente com um rastro de gilete na ponta,

Sangrando qualquer monossílaba que teimar cruzar a fronteira.



No tempo em que as palavras nunca são reveladas,

Os presídios ficam amontoados sem nenhuma esperança de liberdade,

Nada poderia ser exalado parcimoniosamente sem ecoar nenhuma fonte sonora,

Na profundidade da noite, as palavras jazem silenciosamente no canto da boca.