sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Itinerários (Rotas Circulares, Caminhos Volantes)


No percurso volante da estrada adiante,
A brisa levemente se encarrega de definir as coisas,
Se no conflito entre mágoas e desilusões atemporais,
A noite adentra por toda a paisagem.


Queria respostas claras e objetivas,
Queria um curso sem rotas alteradas,
Queria ter a certeza que todos os esforços não seriam em vão,
Quanta ingenuidade obsoleta e inútil!


Blasfêmias e bobagens são ditas por quaisquer bocas,
Campo de diretrizes pálidas em todo lugar,
Para transcender queremos o que não podemos alcançar,
Seria esse o significado da vida?


No horizonte vejo nuvens esbranquiçadas,
Ao lado, vejo mais uma cidade sendo deixada para trás,
A ansiedade presente na boca é fugir para qualquer lugar inexistente,
Mas a realidade é crua o suficiente para trazer-me sempre de volta.


Queria ter Paz, mas somente encontro desconstruções,
Não sei ao certo se isto alimenta ou desnutre,
Com tantas lacunas a serem solapadas,
Quem sou eu para fazer-me de Deus?


No vidro da janela vejo o meu reflexo disforme,
Talvez seria bem melhor que nada fosse refletido,
Contudo, nada parece-me convencer do contrário,
O inverso da estupidez é mais estupidez ainda!


Ignoro o que é certo ou errado,
Placas de avisos ou guias rodoviários,
De que adianta uma vida hermeticamente tracejada,
Se tantos infelizes já tropeçaram por tais conhecidos itinerários?


O que fazer diante de tormentas e falsas certezas,
Bem melhor seria se tudo fosse um momentâneo pesadelo,
Assim, bastaria apenas despertar e tomar um copo com água,
Pesadelos freudianos são meras manifestações do insaciável inconsciente!


A noite se aprofunda solenemente sem descanso,
O breu continua a invadir simetricamente toda paisagem,
Aliás é da mesma cor da penumbra de minhas idéias,
Quem sabe na próxima parada acena algum lampejo colorido?


O silêncio da estrada é cortado pelo ritmo dos pneus,
Confino uma aparente angústia que veleja no ritmo angular do percurso,
Acenar com dúvidas sem temer a colheita de tempestades,
Outrossim, o que colher do solo árido em tempos densos e turvos?



(Rodovia dos Bandeirantes, km 63, São Paulo, 08 de janeiro de 2009)

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

O Vestido Azul



En somme, si j'ai compris, // Sans amour dans la vie,
Sans ses joies, ses chagrins, // On a vécu pour rien? (*)

("A quoi ça sert l'amour",
Edit Piaf)



Você acorda toda manhã de um dia qualquer,
Mas na verdade a noite continua asfixiante,
Tudo se mantém tão áspero e turvo quanto antes,
E ainda prefere acreditar que os fantasmas foram embora.


Seus olhos observam gradativamente o espelho,
Inútil saída: o reflexo não é mais a sua esfinge,
Aposta que mais tarde a aparência irá melhorar,
Na verdade você tem medo de se encontrar.


Fragmentaram o seu passado como um copo de vidro ao chão,
E tantas outras mentiras lhe foram ofertadas em vão,
Acuada, você acha que vale a pena viver para o nada,
A realidade é que a cada dia se faz presente um lento suicídio.


Tão segura de si e do alcance da ponta dos dedos,
Acredita ser proprietária do seu próprio caminho,
Imponência narcísea na estratosfera do altar,
Mas sequer consegue subir um degrau de reflexão.


Quando irá vestir o seu vestido azul?
Da cor dos seus reais desejos de liberdade,
Da imensidão libertária do mar de alforria,
Do mesmo tom das paredes do Céu.


Diz para si mesma que está “tudo bem”,
Sorri para todos aqueles que roem suas vísceras,
A dor que a consome febrilmente nunca é admitida,
Quem pretende convencer no palco do Municipal?


Quando opta por ouvir sorrateiros abutres,
Deitar-se com os detratores do seu sorriso,
Quer estar em Paz com seu Green Card do hipócrita estabilishment,
Não consegue encontrar respostas temendo formular perguntas.


Prefere pisar nas flores de um imenso jardim de afeto,
Jogar pelos ares as palavras de cuidado e conforto,
Esconder debaixo do travesseiro o amor latente,
E descumprir a promessa feita para si mesma.


Mais uma vez, você não acredita que a vida vale a pena,
O azul reluzente dos seus olhos viraram borrões de cinza,
Atira pela janela a alegria dos seus lábios de outrora ânsia de viver,
E entrega seu destino para a indiferença das mãos de Pilatos.


Ignora qualquer réstia do amor que foi amplamente ofertado,
Cerra os olhos para aquilo que um dia foi conhecido como “felicidade”,
Com lágrimas secas, não mais quis vestir novamente o seu vestido azul,
Fúnebre, ao seu redor somente há um cárcere em metástase.


Os olhos que hoje são cálices à espera dos velhos tempos de bonança,
Não entendem que a fartura do azul do Céu são os limites da vida,
Pouco adianta conduzir o leito dos pés em chão salobro e sangue pisado,
Se no final da caminhada, nada terá para ser comemorado.


Na invenção para si de débeis e pálidas desculpas e palavras evasivas,
Ingerindo um azedume silêncio como se ostentasse um trágico totem,
É preciso entender que a vida e o amor são elementos de delicada amálgama,
E será somente no infinito azul que você encontrará a sua oprimida liberdade.


____
(*) Em resumo, eu entendi // Que sem amor na vida
Sem essas alegrias, essas dores // Nós vivemos para nada

sábado, 3 de janeiro de 2009

Insensata Encruzilhada (Olhos sobre o Deserto)



“Porque cada um será salgado com fogo.” (Marcos 9.49)


Mais uma noite sem pestanejar,
Mais uma longa via de memórias,
Um caminhar sem benção pelo vazio,
Pés exaustos sem mesmo à tocar no chão.


Madrugada de calor ecoando de dor incômoda,
As idéias fogem do papel em busca do inexorável,
O rádio sintonizado em qualquer estação,
Nenhuma notícia tranqüiliza o pensamento.


A caneta apoiada sobre a folha em branco,
Mudo de página e revejo antigos rabiscos,
Fecho o caderno e retorno ao leito,
Nada parece sair do lugar.


Procuro em vão fechar os olhos formigantes,
Trechos de recordações sangram à minha mente,
Por mais que eu tente não me lembrar,
A saudade é um outdoor no alto de um arranha-céu.


Ligo a televisão e enfileiro os canais,
Nenhuma novidade que mereça crédito,
Os olhos não se encontram em Paz,
Um e outro cochilo sem sair da rotina.


Na tentativa de não reviver um universo conhecido,
Toda fuga se torna um inútil e solitário calabouço,
No caminho da distância em desfiladeiro,
A ausência absurda veleja constante.


A madrugada finda em olhos sem claridade,
O sono ainda não surgiu como ansiado,
As imagens vagam livremente entre paredes,
Nenhuma certeza está próxima à mão.


Da janela sempre colhendo o riso esmaecido,
O tempo nublado com fria brisa aderente à espinha,
Há tantos questionamentos sobrevivendo no front,
Não há uma só estrada com obstáculos tolos.


Acordar absorto sem encontrar descanso,
Levantar da cama com o peso da noite turva,
Os olhos refletidos no espelho à espera de algum brilho,
Lábios secos imersos em acre saliva.


Se esquivar do senso comum no circo dos fantasmas,
A mediocridade batendo à porta com energia,
Não aceitar as virulentas palavras pré-fixadas,
Não acreditar nas bobagens pregadas pelo cotidiano.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Placebo (Vidas Endógenas num Balaio)


Manhã nublada com chuvas esparsas,
Guarda-chuvas desfilando erráticos pelos cantos das ruas,
A pressa fugaz e automotora do volátil cotidiano,
Esbarrões e tropeços ocasionais entre os seres transeuntes ao longo do caminho.


Na cidade da lógica hostil da sobrevivência,
Morte e vida quase sem nenhum critério,
Vivências atordoadas em intrincados mecanismos de angústia,
O mercado que dita mecanicamente o tom das passadas.


Diante da cólera dos que se escravizam voluntariamente,
No espaço amplificado entre a ganância e o medo,
Pouco ainda resta para aderir às rédeas,
A travessia de solavancos é realizada sem ponderações.


No trânsito caótico e a hostilidade dos viventes,
Na aura pré-formatada do consumo como totem,
No sangue fluindo pelo corpo e jorrado pela sarjeta,
A ânsia castradora e o gozo fálico volátil.


Desfragmentação do espelho em horas aturdidas,
Sentimentos voláteis como chuvas de verão,
O apego insaciável aos objetos mercantis,
O balaio neurótico da Pós-modernidade.


Cruzando ruas dentro da vizinhança,
O torpe percurso da marginalidade persistente,
Riqueza e pobreza em faces ambivalentes de moedas líquidas,
A calçada é estreita para aqueles que se atrevem ao seu alargamento.


Acordar, trabalhar e talvez comer e dormir,
Parir demônios íntimos entre risos aqui e acolá,
Acenos obscenos para câmeras e olhares vigilantes,
É sempre mais elegante fingir que está tudo bem e obrigado!


Os amores aos pares e as trepadas homéricas,
Prozac e Viagra sustentam orgias dionísicas em recito fechado,
Alguns entornam álcool e outros deliram com entorpecentes,
Bem-vindo à frigidez da infelicidade cotidiana!


Aqui seguiremos sempre dentro de alguma norma,
Um bom dia para a ascensorista,
Boa tarde para o camelô da esquina,
Discursos fragmentados para mais uma noite frustrada no cálice de Sócrates.


E segue a secura de vida,
A fluidez da inútil velocidade,
O gelo debaixo dos pés possui uma fina lâmina,
O último a adentrar que lacre a tampa do balaio.