domingo, 31 de maio de 2009

Ambivalência


Palavras são palavras,
Até que se prove o contrário,
Continuarão sendo palavras,
Profanas, patéticas e únicas.


Olhares são olhares,
Até que a escuridão absorva o Céu,
Permanecerão na vigilância do improvável,
Apreensivos, repressivos e assustados.


Ecos são ecos,
Até que o silêncio adentre ao vazio,
Seguirão zunindo por toda a atmosfera,
Sofrimento, volúpia e gozo.


Cicatrizes são cicatrizes,
Até que os pelos camuflem a derme,
Caminharão a rotular o passado de angústias,
Dores, suplício e ódio.


Vinganças são vinganças,
Até que a alma seja libertada de tanto veneno,
Sublimarão cegas e efêmeras tais como qualquer humano,
Purificação, libelo e redenção.


A soma dos sentidos opacos,
O tino do sino do alto da torre,
O rebanho a se ajoelhar pela veleidade de algum Deus,
Humanos, demasiadamente humanos.


Somos podres, pobres e cadavéricos,
Somos luzes, cristais e timbre,
Lutamos para não ser o que somos,
Morremos pelo que lutamos?


Quantas vidas se prende à alguma causa?
Quantos filhos tem uma mãe,
De geração a geração eclodimos e povoamos,
A terra, as matas e o asfalto.


A indiferença pelo outro,
A (in)consciência pelo que não sabemos,
Riqueza e pobreza como anedota xifópaga,
Acordar, cuspir e perecer.


O despedaçar do ego,
A luta intranquila pela sobrevivência,
Batalha angustiada diante do inevitável,
Somos tudo, somos nada -- ambivalência.

sábado, 30 de maio de 2009

Licença Poética (Infames Querelas)


Do que adianta rimar Amor e flor,
Se no limite o resultado é o desamor,
Afastado e desunido como dois mundos,
A insossa ponte que contectava as duas bordas se partiu.


Do que adianta rimar beleza e grandeza,
Se o belo sem conteúdo é fútil,
Se para ser grande carece de ser íntegro e inteiro,
No reino das futilidades cotidianas.


Do que adianta rimar amizade e felicidade,
Se a alegria tem a largura do limite do cartão de crédito,
Amores mercantis estampados na coluna social,
Nos classificados vendem prazeres trocados por alguns reais.


Do que adianta rimar alegria e magia,
Se os dentes se abrem via Prozac,
Alucinógenos e anfetaminas substituem singulares virtudes humanas,
E tratamos coisas e pessoas da mesma maneira fria e inconsequente.


Do que adianta chamuscar o papel com palavras coloridas,
Rimas banais, fáceis e amplo agrado,
Que cativam a qualquer sorriso de largos dentes amarelos,
Se a cada rima é um vocábulo traído.


Do que adianta tantos floreios,
Rimas áureas e licenças poéticas obsoletas,
Recitar a beleza do imenso vazio,
Exaltar a excentricidade da efemeridade.


“Batatinha quando nasce...”
Lá vem óbvias rimas depauperadas,
Basta do desconexo clamor,
Ninguém é tão inocente a respeito de si mesmo.


Que poesia é esta que só rima pobreza com alienação?
Subjuga a razão em nome de vãs emoções,
Tão frágeis, inócuos e tolas,
Que não merecem ser registradas aqui.


A poesia que não liberta,
É a mesma que se torna cúmplice,
Do afastamento entre os espírito e a consciência,
Rimas débeis da auto-ajuda de esquina.


Quem liberta não oprime,
Quem julga não tem medo da crítica,
Quem grita não bloqueia os ouvidos,
A poesia se ergue quando diz o que ninguém mais queria ouvir.

Águas de Maio


A chuva que se espalhou na madrugada,
Reacende impávida pela manhã insípida e desgostosa,
A frieza do clima convida ao retorno dos lençóis insólitos,
A cama permanece fria na ausência sentida.


As horas celebram um novo horário,
A cada cruzar rítmico dos ponteiros,
Olhos abertos sobreviventes da noite sem sono,
O desequilíbrio permanente da ansiedade.


As gotas batem forte na janela,
Como se quisessem perfurar o alumínio,
Invadir com suas águas o quarto adentro,
O que resta? Afogar-me em tanta vã filosofia redundante de cabeceira.


Nenhuma semente tem alguma vida sem a irradiação solar,
Sem energia vital, nada é soerguido,
Quais soluços são cultivados dentro da alma,
Quando às promessas de dádivas do Céu são ocultadas?


As águas deslizam pela sarjeta,
Córregos diminutos de virulência silenciosa,
Quanto ódio trafegou no asfalto?
Quanta ira ainda ronda o peito?


Salve o ciclo das dementes lembranças,
Salve o que não se quer (ou não se pode) ser salvo,
Salve o que não merece salvamento ou perdão,
Salvar o presente sem macular pretérito?


As águas não apenas conduzem mentiras,
Espalham também um pouco da tal esperança,
Nem que seja uma quase exígua expectativa,
A espera de qualquer luz é melhor do que o vazio certeiro da escuridão.


O tempo emudece e ronda um ar frio lá fora,
A fresta da janela se torna um corredor de brisas,
O rosto gela hermeticamente como num coração apedrejado,
Ainda não sabemos nada sobre o sexo, o perdão e a solidariedade.


Não reconhecemos o amor,
Não perdoamos equívocos,
Não aceitamos fracassos (nem o próprio, nem do outro),
Nada somos além de arrogância flácida e estupidez banal.


Uns seguem mentindo sobre a felicidade,
Outros apenas acreditam em suas próprias querelas mundanas,
As águas encharcam mediocridades, folhas em branco e jornais velhos,
E segue o peito inundado de silêncio sem alforria.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Penumbra



Ao longo da Lua implacável nos tribunais do infinito,
Pensamentos dessincronizados que corroem a alma,
Uns semeiam a discórdia como usufruto maior,
E poucos têm consciência dos dissabores de um malogrado destino.


Algoz, algoz... Sentimento algoz!
Selado o sepulcro da insônia incontida,
Donde se esconde o que tanto ansiamos?
A vida, a foz, o mar... Para onde tudo isto nos levará?


Acordo e a noite permanece entre os olhos,
A vida mirrada e as palavras ocultas,
As visões hostis invadindo a mente,
Insanidade ou razão quando cada hora é um vulcão incandescente?


Caminhos que não primam por salvação,
Rotas sem faróis ou artefatos miraculosos,
O caminho sem volta e tampouco guiado por roteiro cinematográfico,
A luz apagada no vazio.


O rito das almas em celebração,
A vacância do posto de ofício,
Serpentes salivando fel entre seus dentes,
Paranoia ou libertação no final do poço que segue a linha pontilhada?


Tantas dúvidas em tantas escolhas,
Angústias pela amplitude das opções,
Vastos caminhos, vastos desesperos.
A liberdade perniciosa que maltrata e sufoca.


Os lobos uivam a espreita,
As dúvidas germinando como bactérias,
A inútil palavra batizada contra enfermidades demoníacas,
Razão, superstição ou querelas mentais?


O choro descontrolado de uma criança,
O barulho dos pneus fritando no asfalto,
O grito moribundo em plena noite de treva,
Seguir ou cessar no instante da via mestra diante do inexorável?


Mentiras, palavras e tortura banal,
A noite que absorve e devora,
A luta travada das pálpebras que oscilam inconscientemente,
A escuridão finda quando a noite é adiada.


Uns vomitam até as tripas,
Outros engolem sem questionar qualquer motivo,
Sexo, amor ou pudor onanístico?
O que somos quando não queremos ser o que somos?