domingo, 14 de junho de 2009

Paisagens (Nos trilhos do Eu)


Desvairada, a tarde se levanta como uma louca tormenta,
O apático Sol é visto desabrigado como quem não quer nada,
Preguiçosamente sorrateiro e silencioso meus pés caminham na estação,
É perfeitamente possível ouvir o barulho da maquinaria do trem.


Paradas pontuais, solavancos e curvas sinuosas,
A composição transita sacolejando seguindo os trilhos,
Uns enveredam com fúteis diálogos, outros pestanejam,
Seguindo o curso da malha de ferro.


Os raios solares adentram à composição,
Com sua iluminação pouco aquecida,
Sequer consegue revigorar com suficiência,
O corpo gélido de uma latente dor.


Não há muito o que se dizer,
Quando a cabeça fica zumbindo dentro do trem,
Um transe forçado e sem inspiração,
E que deixa qualquer um sem reflexão.


Na cabeça saltitam lembranças fragmentadas,
Pensar sobre o curto espaço de pulso de uma vida,
Amores, encontros e desenganos numa virulenta rotina,
Qual referencial adotar diante dos trilhos da malha de ferro?


Diante da janela corre o movimento da paisagem,
Disforme e com um pouco de brilho opaco,
Típica da região do leste paulistano e suas assimetrias sociais,
Zona periférica e enfileirada de gente como qualquer outra...


O Céu continua em azul-cinza,
Poucas nuvens na parede atmosférica,
Até parece que a alegria foi abandonada à sua própria sorte,
Em tons lacônicos, até as nuvens adormecem...


O trem segue a incipiente e inodora rotina,
De estação em estação compreende sua jornada,
Os pensamentos velejam neste horizonte,
O que pensar quando pouco se pode fazer?


Na beira da estação se encontra um elo de ligação,
Ou um limite geográfico de um ponto de ruptura,
Seguir adiante ou ficar no passado?
Quem se arrisca a jogar tudo para os ares?


Pelo vidro da janela, vejo a lente que antepara uma lágrima,
A monotonia indigesta da paisagem,
Sigo o curso entre a indiferença do olhar,
E a reflexão que grita nos sentidos.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Círculos Vacilantes


Quantas voltas é preciso girar e girar,
Até se encontrar a ponta inicial do labirinto,
Onde outrora tudo começou a se irradiar sem controle,
E toda a história colorida se deu partida.


A cada caminho tortuoso sem seta ou holofote,
A cada tijolo amarelado afixado no ladrilho,
Os pés levemente fincados no chão escorregadio,
Pisam sem cautela por um frio espaço delimitado.


O olhar perambulando entre um lado e outro,
A boca acre levemente ressecada e ressentida,
Os lábios presenteados com pequenas fissuras,
Resta carregar uma alma cansada e carregada de vazio.


Quanta ansiedade umedecendo as mãos,
Os dedos trêmulos e oscilantes em suas pontas,
Por onde caminhar diante do indecifrável desconhecido,
Quais certezas peregrinam ao lado dos frágeis passos?


Não saber por onde ir,
Não compreender aonde se quer finalmente chegar,
Refugar de tantas maneiras que não se consegue seguir adiante,
Quem está disposto a segurar a mão alheia?


Tantas dúvidas carregadas nos olhos,
Tantos olhos famintos de abutres e traidores,
Tanta indiferença nos olhares das almas petrificadas,
A solidão da estrada é rude, sôfrega e fiel.


As pernas pesam gradativamente como sacos de areia,
A cabeça arregimenta uma inútil massa adicional a cada quilômetro,
O ar se torna mais amargo e invade todo o peito,
Pela boca, a respiração começa aleatoriamente a disparar.


Aquela casa parece tão familiar,
Aquela rua se revela igualmente familiar,
As mesmas cores, cenas e pessoas familiares,
Quantas vezes já foram reprisadas tais cenas?


Os fantasmas brotam sorridentes quando menos se espera,
Adentram e escorrem pelo chão sem deixar lastro,
Apavoram, ameaçam, chantageiam e repentinamente fogem,
O movimento periódico para distrair os pés desguarnecidos.


Quaisquer caminhos não são seguros para se aventurar,
Não há roteiro perfeito produzido por GPS ou mapas da Internet,
Cada um segue a rota que ousa aceitar para a vida,
Certo ou errado, é inevitável fugir do ciclo da fragmentária existência.

domingo, 7 de junho de 2009

A Cidadela (Sombras de Lugar Nenhum)


Na cidadela dos homens banguelas,
A dentição é uma cara relíquia,
A ponderada mastigação é luxo de raro feitio,
Tudo é ingerido direto para o estofamento do estômago.


Na cidadela da cegueira disseminada,
A raridade da visão é um dom quase divino,
Tatear sobre os escombros é a regra geral,
A treva é o conforto do comodismo.


Na cidadela das línguas cortadas,
O silêncio é a sonoridade da alcova,
Nada a dizer para ser desvelado,
Um grande vazio ocupa espaço de alguma voz desavisada.


Na cidadela das mãos dilaceradas,
Nada a ser feito e nada a ser construído,
Deixar o limbo erguer a sua voraz arquitetura,
Sequer são necessários aplausos para qualquer empreitada.


Na cidadela da hipocrisia reinante,
Todas as mentiras foram louvadas,
Agraciadas com o batismo dos cínicos leprosos,
A mutação disforme de valores e crenças.


Na cidadela dos desvalidos,
A escassez reina com um estandarte absolutista,
Projeta templos e ergue palácios-fantasmas,
A grande alquimia em transformar nada em coisa alguma.


Na cidadela de infâmia gratuita,
O insulto é a gentileza padrão,
O capital que corrói a dignidade,
Semeia o ódio para cultivar a esquizofrenia.


Na cidadela da esperança sitiada,
A liberdade sem contrapartida é uma sociopatia,
O cárcere transborda como refúgio,
E tudo parece perecer como um dia que se foi em vão...


No mundo hostil das cotoveladas anônimas,
Aglutinam-se corpos na guerra tribal de civilizações,
Uns morrem sem piedade e outros apodrecem em prisões,
E um filete social se delicia na bonança e no caviar com gosto de sangue alheio.


A cidadela é um labirinto pétreo,
Correr ou aprisionar-se em fortalezas muradas,
O medo é o único dos refúgios conscientes,
A lei é inexorável: deixar-se purgar ou morrer fugindo de si.

Enxurrada (Dias de Tempestade)


Cai a tempestade e dura mais do que era necessário,
Intensa e selvagem, assolando a memória,
Fragmentando todas as certezas consistentes como argila,
E nada resta senão vãs indagações.


Cai a tempestade e junto dela caminha a noite,
Serena e ardente assumindo uma forma amorfa,
As palavras vazias não encontram refúgio,
E o silêncio contamina o ambiente.


Passamos com alguma dor pelos vários hiatos do tempo,
Mudamos estratagemas, crucifixos e percursos,
Curvamos a espinha e iniciam as dores localizadas,
É possível fugir de todos os sobressaltos do destino?


Queremos Paz e não esquecimento,
Queremos independência e não abandono,
Queremos berço e um tanto assim de bajulamento,
Queremos tudo para enaltecer as tolas veleidades do Ego.


A tempestade nos convida a refletir,
Que audácia tamanho atrevimento!
Por que não deixar a alma prostrada num canto vazio?
Não!... Lá vem mais a agonia para se deslocar da passiva mediocridade!


No fim da soma dos acontecimentos,
Resumimos tudo em pratos limpos:
Eu aqui, o mundo acolá e danem-se todos!
E tudo segue como se nada tivesse ocorrido.


Entre o Ego e o Superego,
A luta é sempre disforme e angustiada,
A inconsciência nos convida a um refúgio simbólico,
Viver é o buscar ansioso por oxigênio a qualquer custo.


Colhemos tempestades em círculo fechado e caminhos erráticos,
A bússola da vida é uma excêntrica e desvairada ilusão,
Percorremos a paisagem na egocêntrica audácia de vencer e convencer,
Diante do conflito, avançar ou recuar é uma questão de sanidade.


A tempestade segue atuante dentro do peito,
Sua força carrega os escombros que circundam o leito da cama,
Os lábios fragmentados atuam em cinema mudo,
Silêncio! Simplesmente silêncio erosivo e acalentador.


Na tempestade onde poucos se aventuram ao auto-afogamento,
Não há Paz, descanso ou trégua temporária,
O aquecimento se faz variando até os níveis de exaustão,
Incipiente, o ar continua a esvair-se denso, viciante e seco.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Inferno Glacial


Manhã torrencialmente fria,
Congelando dedos, lábios e pensamentos,
Sonoridade fragmentada ao longe,
Sem perspectivas de aquecimento.


Com tantas poucas novidades,
Sabemos tão pouco sobre quase nada,
Certo, errado, quem sabe?
Velejamos na gélida lâmina de incertezas.


Caminhos afogados de inquietações,
A palavra calada plana no espaço,
O ar frio adentra nos pulmões,
Quem tem sede no deserto glacial?


Ronda a velha preguiça em não sair da cama,
Afazeres empilhando sobre a mesa,
A espera do debruçar de algum labor rotineiro,
No reino do ócio, quero o meu trono!


No pequeno rádio, nada importante a ser divulgado,
Um avião que cai, outro assalto à banco e a rotineira orgia em Brasília,
Já não é possível distinguir notícias novas das antigas,
Cotidiano, demasiadamente cotidiano.


Sobram desculpas para a ausência de reflexão,
Talvez a dor de revirar baús de intrigas e desenganos,
Um frio incauto permanece agregado à atmosfera,
E poucas são as certezas contidas na cabeça.


Quem me dera um copo de amnésia,
Lembrar do que precisa ser esquecido,
Sem vitórias, glórias ou prantos,
Nada! Sem soluções pré-fabricadas...


O silêncio transpõem tanta coisa,
As vezes, pode dizer muito,
Adentrar rítmico imerso no coração,
E dizer quer as palavras não conseguem traduzir.


A alma resfriada em berço amorfo,
Não seguindo os mapas dos arredores,
Nada é meramente verdadeiro ou falso,
Como ter ciência dos passos apressados no escuro?


No ambiente continua a cair milimetricamente a temperatura,
Segue a sorte sendo ditada pela vontade da moeda,
As certezas se confundem com as dúvidas,
A segurança permanece sendo uma eterna passageira.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Suvenir Amoroso


Que tanta escuridão que se avoluma,
Caindo do alto das acinzentadas nuvens,
Que tanta cegueira que se apodera no silêncio,
Da sanidade dos vencidos.


Quais palavras amargas atingem o alvo?
Que possa lhe tirar deste imobilismo erosivo,
Se a miséria do nada para você já é tudo,
E que tudo não é mais do que mera ilusão.


Não se ama com o manual de instruções debaixo do braço,
Tampouco se encontra alguma rima no cântico das benzedeiras,
Não se inala vorazmente a debilidade senil exposto na tela do Fantástico,
Amar não é um verbo, é uma milimétrica arquitetura.


Quer brincar de bricolagem sentimental?
Eu, você e o tempo inalado sem significado?
O Amor se convertendo na evangelização do vazio,
Olhando-se para o espelho na luz que exibe suas tísicas fraturas.


Verdades, mentiras ou indagações provocativas,
No jardim de flores despetaladas ao chão,
A nau segue seu curso de imersão para o leito oceânico,
Entre desejos e esperanças, todos foram para o limbo.


Vê ao fundo do que restou dos roseirais?
A frágil flor enegrecida pelo tempo.
Sufocada pelo desleixo de nossa impaciência,
Fragmentada em tantos partes pelo tapete da sala.


O que resta do Amor quando nada mais se fortalece?
Um punhado de carinho, abraço congelado e um aperto de mão,
Talvez ainda um sorriso fechado e os olhos perdidos no horizonte,
Desorientados, caminhamos perdidos querendo chegar onde não se pode ir.


Amor como condimento de rotina?
Banal, burlesco e sem inspiração como suvenir na vitrine,
Afogamos na saliva alguma chance de sobrevivência,
No quarto, os lençóis não aquecem como outrora era possível.


Mentiras sorteadas para acreditar que nada passou,
Os ouvidos entalados de tamanha indiferença,
A boca exalando algumas lástimas de agonia,
A cegueira contemplativa da lamentável desunião.


Palavras monossilábicas ecoadas ao vento,
A janela fechada na atmosfera da inconsciência,
Amor como suvenir na prateleira da quitanda,
E seguimos os caminhos distorcidos de latente veneno.