quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Impertinências (Hostil Hiato)


And if God will send a sign
And if God will send his angels

Where do we go?

(“If God Will Send His Angels”, U2)



O que embala o corpo é a ilusão,
Sinal que tende a fomentar a couraça,
Soerguimento do ego em batalha titânica,
Profecia banal que não se concretiza.


Chame da forma que desejar,
Anuncie aos quatro cantos do mundo,
Escore bem a porta de entrada e abra as janelas,
E cuidado para não congelar os dedos diante da grande espera.


Aborde algum tema específico,
Aborte algum punhado de racionalidade,
Lute por algo que possa ser merecido,
Adormeça na rua do descompasso.


O beijo de tarântula não lhe cai bem,
O abraço de alicate fragiliza alguns ossos,
A boca encharcada de fel escorre percevejos pelas lacunas,
A mentira é a morada infame dos velhos jornais.


Quem segura sua mão no vasto horizonte de solitude?
Quem aperta o laço de juta envolto do pescoço?
O suicídio é redenção ou covardia?
Liberte a alma dos afazeres do ego.


Não arquive as imundas palavras simplistas,
Esquarteje o cinismo da piedade e armazene em sacos de lixo,
Abrigue-se durante a noite áspera de relâmpagos,
Sem saída, mergulhe na essência das dores latentes.


Onde está Deus quando a vida é uma mentira?
Onde estão os anjos quando a morte é outra mentira?
O que o Diabo esconde no hostil hiato entre a vida e a morte?
Não existem respostas suficientes para sequer encher um copo.


Hemodiálise, o sangue ainda corre em veias e artérias,
Flácidas, as pernas ainda sustentam o corpo exausto,
Amarelado, o sorriso é inteiramente débil e postiço.
Inútil, o sexo é uma veleidade de frígida impotência.


Decore algum vocabulário e imprima no diário a sua metafísica,
Meia dúzia de palavras tolas e povoadas de lugares-comuns,
Comovidos, talvez os anjos acedam algumas luzes no velório,
Por pouco tempo... Muito pouco tempo!


O que você se torna quando nada mais lhe pertence?
Partir, caminhar e não progredir,
Patinar sobre a infinitesimal película entre o todo e o vazio,
A vida é água à zero grau celsius.

domingo, 8 de novembro de 2009

Súplicas (Tardio Contágio)


Escravos de Jó jogavam caxangá
Tira, põe, deixa ficar...

(Cantiga de Roda)



Na primeira vez que veio até a mim,
Você disse que me amava tão fortuitamente,
De prontidão eu não tinha motivos para acreditar,
Afinal, o hemisfério racional diz que palavras sem atos são tão vazias.


Passou-se o tempo e as mudanças de fase da Lua,
O Sol levantou-se impávido e o trânsito demente ruía,
Distante, ao meu lado você caminhava tão isolada,
Queria entender o motivo pelo qual eu não lhe sentia.


Olhar, estar e não cantar,
Aproximar, sorrir e não cativar,
O vulto que anda sobre as águas,
A sombra gélida que não aquecia.


Da segunda vez você novamente se aproximou buscando intimidade,
Falou alguma coisa sobre comezinhos de Amor e fragmentos de ternura,
Sua fala parecia tão irreal, tolice simplória e aparência sutilmente mecânica,
Mais uma vez eu não acreditei e palidamente caminhamos em frente.


Desconfia-se tão rapidamente dos olhos que enfeitiçam,
Receia-se das palavras salobras sem endereço exato,
No breu noturno todas as imagens se escondem na penumbra,
Como seria possível afirmar sobre a claridade do Amor?


Quanto ao desejo que silenciosamente suplica no vácuo,
Muitas vezes não é sentido pela leveza do toque se aproximando,
Cegueira, vaidade ou gotas exauridas de mordaz desprezo,
Ninguém sabe explicar ao certo o motivo da ausência.


Da terceira vez suas palavras quase convenceu meu peito,
Senti até mesmo um carinho atípico vindo da sua direção,
Naquele momento queria acreditar que talvez tudo pudesse ser verdade,
O medo da desilusão era maior do que o calor espontâneo do afago.


Tantas palavras são truncadas na veleidade dos ventos,
Juramentos e promessas bucólicas esvaziam-se no tempo,
Já testemunhei tantas pérolas que engordariam as paredes de um baú,
Vocábulos estilhaçados que embriagaram as bordas bolorentas de vários diários.


Nunca fui cúmplice de inverdades veladas e mentiras banais,
Também contribuía para não flexionar a haste do orgulho,
Não entendia que a indiferença fosse à mordaça dos sentidos,
A paixão se ergue através de flores, pedras e tacapes.


Da derradeira vez ouvi sua trêmula lágrima segurando minhas mãos,
Naquele momento senti tão forte emoção, doçura e desespero,
Seu Amor era tão sonoro, intenso e verídico tanto quanto desconfiava,
Agora só restou a dor e um punhado da terra que abraça o seu corpo.