domingo, 25 de abril de 2010

Desenganos


Um dia você apareceu com cores primaveris e ares angelicais,
Uma aura de Paz, um adorno de crisântemos e uma rosa na mão,
Ingenuamente o meu peito pulsou como se desejasse vir à tona,
O tolo Paraíso tão solicitado haveria enfim se tornado material.


Diante de uma fábula narcísea não respeitei a moral em jogo,
Imergir nas dimensões de um oceano de volúpia e arrebatamento,
Sem escorar-se na razão, o mergulho foi profundo e inevitável,
Ao cair nas águas até chegar ao solo lamacento subaquático.


As promessas foram ofertadas às dezenas ou centenas,
Ouvia tudo atentamente como se quisesse de fato acreditar,
O encanto amoroso é como um veneno subcutâneo,
Quanto mais irreal, mais se deseja não encontrar desenganos.


Em qualquer sonho desabrochado, entre o Amor e a Paixão,
É melhor ficar com os dois para não se frustrar de antemão,
A vida é tão mais árdua e no mercado dos suvenires sentimentais,
Melhor um delírio na mão do que um coração pétreo no porão.


Sobrevivia a ciência que dos seus olhos nada se tinha certeza,
Mas não ousava acreditar em nada que pudesse descontentar a ilusão,
Na ânsia de degustar intimamente a novidade no céu da boca,
Ocultava-se toda a insensatez pertinente à claustrofobia do vazio.


Aquelas meias-palavras debruçadas na cama ao som dos seus olhos,
Um carteado de verdades provisórias e a força de afagos íntimos,
Faziam acreditar que tudo seria indivisível, estático e uno,
Sem o menor juízo e o tempo com seus ponteiros adormecidos no freezer.


Sinceramente, não foram mentiras tão cruéis,
Nada que fosse fora da medida do mundo que queria criar,
Aquele sentimentalismo juvenil, audaz e irrequieto,
Roçando a umidade porosa nas fronteiras dos lábios.


Não se pode ousar nada de tão grave ou pernicioso,
Também não quero a simples crucificação grosseira,
Na dor, o Purgatório até tem cara de salvação,
Com quantas bobagens se corrompe um coração?


De repente, como uma bússola embriagada no espaço,
Seus lábios que outrora deslizaram doces prazeres e aroma sensorial,
Disse sem nenhuma explicação um indefectível e lacônico adeus,
Com uma secura que petrificou qualquer lágrima que teimava despejar.


Ninguém em ofegante delírio pueril acreditaria numa despedida tão insólita,
Eis o tempo e os cortes profundos duraram para além do inevitável consolo,
Confesso ao meu torniquete que não desejaria tantas chagas para a sua vida,
Peço a Deus somente que o Inferno não seja o lar de suas próximas vítimas.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Ecos da Lápide


Saber pouco para não gritar enlouquecido na noite,
O que resta a desfilar em becos escuros sob a palidez da Lua?
Viver tampouco para sentir tanto e intensamente,
E muito ainda para ser desdobrado em outros caminhos.


Não cantarei as batalhas esquecidas na agenda,
Na cruel face da lápide nenhuma guerra é sepultada,
Enquanto for travada com o brio sincero das convicções,
Perder ou ganhar são meras fatalidades infames e narcíseas.


A chuva que desaba lentamente no asfalto frio,
Encharca o corpo nesta despedida sem oração,
Não declamarei versos de glória ou falsos pesares,
A história não-escrita já entrou no rol da vitória.


Selo meus lábios em titubeante conformidade,
Que a sua luta jamais seja tratada como um rascunho esquecido,
O futuro é um desenho rabiscado com grafite,
Com pueris expectativas maiores que as possibilidades.


Estrada pétrea para o fardo preço da memória,
Relembro com ardor na languida despedida,
A finitude lacônica de doces virtudes e enganos fortuitos
Ao sabor que a vida pedia mais... Quanta ingenuidade!


Selo aqui na cabeceira de morte,
Tudo que foi pilhado em vida,
Também o que não foi rabiscado ou suprimido,
Serão colocados na contabilidade da história.


De tantos clamores, traições, cânticos e valsas,
Músicas de toda sorte perene na saudade,
As palavras se confundem com o pranto,
O silêncio se materializa para além da verdade.


Toda forma de consolo é pouco e todo pecado é pasto,
O incipiente conforto busca sublimar o impossível,
Para não perecer diante do tísico abandono material,
Celebrar na memória o que se armazena no diafragma.


O chão salgado pelo sangue irrigado pelo destino,
Circulante no leito de sombras diante da platéia,
Observo seus olhos cerrados de forma insólita e mãos gélidas,
Para reluzir e aquecer em um novo mundo etéreo.


Os sinais dos tempos são tempestivamente vorazes,
Peito inchado e canções salobras regadas à Alzheimer,
Contra a perda da identidade e a face turva no espelho,
Ouvir-se-ão nos quatro cantos os ecos da luta lapidada na história.