terça-feira, 31 de agosto de 2010

Asfalto Cortante (Interior do Interior)




Apartam-se os sonhos com a fécula da maldade,
Destronam-se as ilusões com o deságüe dos rins,
Risos descomedidos à título de arrogância,
Estilhaçar o Outro em latente desprezo.


No horizonte sem prumo, o Sol demora a se pôr,
Assim como a dimensão inexata dos sentidos,
Não cabe ficar sentado assistindo o Tempo deslizar,
Esperando a lâmina próxima do ponto atingir o clímax.


Diante dos frutos despencados pelos dissabores,
A turva rota segue sem perde de vista,
O resgate que a estupidez tomou para si,
Mas é chegada a hora das coisas seguirem o seu curso.


A tarde clareia toda a estrada,
Em rotas e curvas sem fim,
Cedo ou tarde, chegaremos a algum destino,
Sem levar em conta a assombração do superego.


A solidão cravada no ritmo dos pneus,
Na paisagem folhada de verde e asfalto,
Seguir adiante sem olhar o que passou,
O compromisso é a herança do futuro.


Pouco se diz quando tudo poderá ser resgatado,
Na derrota sem lastro, o cárcere é pesado,
O silêncio é o sinal da reles indulgencia,
O riso sádico e mecânico exposto para os vencidos.


A vaidade é a febre terçã dos fracos,
Virulenta página que enegrece o livro da vida,
É mais fácil ceder do que conquistar,
O dedo em riste é a saída do ego para as inquietações.


De louros minguados à insossa indiferença,
Se elevar a todo custo para não sucumbir,
O ritmo da estrada não dá chance para longas paradas,
Olhar o céu como uma fusão de liberdade.


A confiança é a primeira vítima,
Cai como a fragilidade latente na epiderme,
Trêmula e raquítica como a tez anoréxica,
O cristal se reorganiza, mas raramente se cura.


No final da estrada saberemos o que vale a pena,
Resignada, a vida é um finito ciclo de chegada e partida,
Abrir mão daquilo que causa algum mal,
Abraçar aquilo que bravamente poderá fortalecer.

domingo, 22 de agosto de 2010

Vícios Banais (O Cárcere Profundo)



As mentiras procriam como bactéria em esterco a céu aberto,
As verdades são tão vagas como a memória adoçada com Alzheimer,
Se atirar para fora na janela ou ficar debaixo da cama,
Exíguas são as opções quando tudo é um sôfrego martírio.


A vida era pesada como o curso de um rio violento,
Ela corria timidamente com os pés sobre o vidro moído,
Teimava em abrir a cada noite uma nova ferida,
Como o cárcere diário que se autocondenava.


As poucas noites de sono era uma tormenta,
Confabulações oníricas disparavam a excitação,
O coração pulsava freneticamente a cada despertar,
Seu grito ecoava entre os demais quartos povoados.


O Sol raramente aparecia com alguma consistência,
Dentro de uma janela circundada pela dor e o aço,
Nenhuma companhia aprazível lhe fazia sereno,
A exceção era um punhado de roedores que pajeava a sua dor.


Por quanto tempo mais ficaria enclausurada?
Esquecida do mundo e esperando o tempo que nunca findava,
Cansou de contar as inúmeras horas de degola,
Confessou às suas vísceras que estava decidido seguir até o final.


Não foi à toa que aceitou sem contestação sua sentença,
A evidência das provas lhe havia condenado por toda uma vida,
O vício leproso que contaminou eternamente sua alma,
Fez o sangue alheio minar num momento de violento transe abstêmico.


Um tal Amor que começou na carência de cama fria,
Perdeu-se em fileiras alucinógenas num cárcere silencioso,
Terminou enfim na solidão do desespero e da autofagia,
Sem família e sem o filho que a sangria expulsou do seu ventre.


De boa índole, a vida eclodiu num pairar em vielas imundas,
Pedras que alimentavam o seu vazio abissal,
Cachimbo punitivo que queimava tudo que lhe era caro,
A velhice antecipada em precoces rugas na face.


A vergonha consolidou-se em sua epiderme,
Até um pequeno espelho foi quebrado,
Vozes cáusticas adentravam em sua mente,
Os dedos com unhas roídas tremulavam sempre com ansiedade.


Na noite de rotina com vigias indiferentes perambulando no breu do corredor,
Sem maiores segredos, seu corpo imóvel foi encontrado estirado no quarto,
Um sopro de alívio por metro quadrado para o restante das almas lacradas,
Mais uma vida vã incinerada a troco de absolutamente nada.

sábado, 7 de agosto de 2010

Cortinas Cerradas


We choose it, win or lose it
Love is never quite the same

("Kiss me goodbye", Petula Clark, 1968)



As dúvidas foram para o ralo,
É chegada à hora de encarar os fatos,
Tudo se resume em piegas parábolas,
Sustentadas na durabilidade de uma chama.


Agora que os ânimos se amornaram,
As juras já passaram do prazo de validade,
Ainda mentiremos mutuamente por mais alguns meses,
Até quando todo o esforço inútil seja esvaído por completo?


Engraçado é esta coisa de verdades totalizantes,
Amor por completo registrado no fundo da embalagem,
A sagaz eternidade dos laços de papel crepom,
O desenlace fomentado pela assimetria do tempo.


Talvez possamos projetar um rol de perdas, dores e culpas,
São as fáceis justificativas refugiadas em vias sublimadas,
O amor não acabou e talvez nunca tivesse realmente existido,
Quem sabe foi nutrido apenas algo similar ao tinir da paixão...


Sentados à cama, pouco adiantaria acrescentar aos argumentos,
Nada mais seria ouvido e tudo soaria de forma tão exaustiva,
Certamente teríamos mais uma cena de discussões estéreis,
Para preencher com ódio imediato e evasivo uma fossa de mágoas até a borda.


Outro dia estava relembrando fotos antigas,
Um tanto descoloridas pelo castigo do tempo,
Nossos sorrisos eram tão verdadeiros e fiéis,
Na retina o estádio do espelho se tornou um fardo.


Lembra quando você quis pulverizar o nosso jardim com suas cinzas?
Empalado pelo ódio momentâneo, reproduzi a mesma essência fratricida.
Tantos ruminam mecanicamente que devemos praticar o dialogo,
Será que foi a ausência de palavras ou vocábulos em demasia?


Procuramos nos enganar auto-afirmando que do amor cresceu a nossa prole,
Reinventamos tantas vezes nossos sorrisos plásticos para olhares alheios,
Quantos nos invejaram a cada beijo sem sabor estalado em via pública,
Tudo para terminar ao final da noite com palavras de fratura e mácula.


Não sei mais ao certo qual das dores corroem com mais devassidão,
O colérico desengano ou a expectativa do que poderia ter sido,
Será que teríamos outra história debaixo das cores de um novo cenário?
No fundo, talvez afixássemos sem piedade os mesmos pregos em nossas mãos.


Hoje é chegado o momento de finalmente desvencilharmos os passos,
Não pergunte aos deuses se separados seremos melhores do que outrora,
Sobra cansaço do rotineiro discurso que há entre a lacuna amorosa e a resignação,
No saldo de guerra, o destino que uma vez nos uniu, agora diz um beijo e adeus.