Espaço dedicado à análise, reflexão e crítica dos enlaces, desarranjos e autofagias do homem (i)material e o desencanto do mundo contemporâneo.
sábado, 31 de julho de 2010
Círculo Despótico (O Casulo de Sísifo)
A verdade está adormecida em algum córrego,
Urticante como as chagas de um leproso,
Atávica como uma mentira prestes a declinar,
Ingênua como a dimensão desmedida do Ego.
Seguir as folhas pisadas do caminho já trilhado,
As vagantes inquietações latejam na derme,
A arrogância perfeita das ilusórias projeções,
A paisagem corre sempre do mesmo lado.
Ronronar aos céus na mais absoluta segurança,
Até o inevitável desvelo de alguma imperfeição,
Talvez seja insuficiente todo o cálice com ácido,
Reconduzir para uma estrada a herança da velha ossada.
Renovar todos os estratagemas e planos inexeqüíveis,
Que a frustração não se reverbere nesta empreitada,
Erguer a cabeça e empinar solenemente o nariz,
Tarde demais, a porta amoleceu novamente a testa.
Diz o métron: rolar pedras diante do deserto,
A labuta de Sísifo em seu destino manifesto,
Quimera desfeita: antes era o pai e a mãe ao centro,
A sangria por não se contentar em ser um mero filho.
Beijo que afasta, beijo que casta,
Encontrar, sentir e descartar,
O medo do Outro é o medo do Eu,
Julgar para não se sentir culpado.
O Amor como uma pétrea úlcera,
Que transborda a parede e deixa vestígio,
A sutura poderá trazer algum milagre cosmético,
Mas a essência não tardará a se recondicionar novamente...
Querer tudo e depois não querer mais nada,
A renúncia via angústias e sofrimentos pagãos,
As reentrâncias silenciosas para o interior,
Da borda ao centro e vice-versa.
As sombras perfiladas de lugares-comuns,
A coincidência que a memória anseia por desconhecer,
Segue a sina: quando desvela, recomeça,
Quando alivia, tudo é reconduzido ao ponto inicial.
Os indiferentes ponteiros que circundam o campo minado,
Quantos Sísifos estão condenados a morderem a própria cauda?
Na espreita, graceja Tanâtos com desdém diante da rotina,
E tudo se refaz num refluxo de maré.
sábado, 3 de julho de 2010
Lamento da Vuvuzela (Os Caprichos da Jabulani)
A pátria de chuteiras que corre no gramado,
Com o sangue dos aflitos e a devoção dos lisérgicos,
Um povo desagregado que só se lembra que é povo,
Quando se volta seus olhares graúdos em direção da Jabulani.
Da precária várzea barrenta de garotos pobres sem que sua pátria ofertem-lhes rumos,
Aos santuários globalizados de garotos que viraram deslumbrados milionários,
Seleção apátrida que eventualmente é tingida de amarelo a serviço do capital,
Bola que une retalhos desbotados de almas esperançosas ao brilho do terno Armani.
A reunião da pátria em torno da tela,
A tensão pulsional a cada bola na trave,
O êxtase fulcral a cada bola na rede,
A tradição nos pés que tanto embalou uma nação.
O que fizeram da beleza e alegria que marcou seu passado?
Pariu uma burocrática importação de modelos ineficientes,
E cadê aquela ginga magistral do samba de cartão postal?
A alegre malícia desconcertante contra os cinturas-duras.
Ao som ensurdecedor das vuvuzelas desnorteadas sul-africanas,
Terra de uma gente tolhida pela estupidez bárbara do colonizador holandês,
Da miséria permanente de um bravo povo do Soweto de Mandela,
Lá como cá, todos viram uma promessa de futebol ser castigada pela teimosia.
De olho nas milhões de telas extasiadas e espalhadas pelo globo,
Circular mundo que por ironia possui a mesma medida da paixão das multidões,
Homens globalizados em busca de honra, holofotes, negócios e marketing,
Na ponta da chuteira, talvez sobra algum espaço para a lembrança da pátria.
Jogador de futebol não é guerreiro e tampouco gladiador de Nero,
É um artista que cria com a cabeça e exibe com os pés,
Não adianta robotizá-lo pelos modismos do mercado,
Deixe-o seguir em sua arte, deixe-o livre para driblar!
Ansiedade de um povo e louros para cada vitória,
Gol de bico, gol de chapa, gol de cabeça ou gol de mão "involuntária",
Mas nem sempre de belos resultados se vive uma equipe,
É no balanço das redes que se traça (ou não) um destino.
Destino de ingratidão que ninguém conhece previamente seus caprichos,
De repente, uma seleção que se amiúda em campo após um aparente domínio,
A cortejada experiência que se fazia necessária virou puro mingau amarelado,
Quem esnobou o futebol-arte viu Sneijer e Robben mimetizarem a lição brasileira.
Sem segredos trancafiados, é sabido que vida é um jogo após o outro,
Das lágrimas que deslizaram incontidas ao aplauso desconsolado da menina,
Entre glórias do passado e a derrota presente cintila um feixe de esperança,
Que daqui a mais quatro anos os Deuses da bola ofereçam-nos melhor sorte em casa.
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