sábado, 14 de abril de 2012

Acalanto



Da manhã se formou uma expectativa,
Da tarde se formou uma espera,
Da noite se formou uma tragédia,
Da madrugada se formou uma insônia.


De tanto amor sobrou-me apenas a rima,
De tantas palavras sobrou-me um livro,
De tantos pedidos sobrou-me uma desistência,
De tanto querer sobrou-me um desencanto.


Da virtude brindou o vício,
Da vanguarda restou a mesmice,
Da luta respingou a inanição,
Da elegância bastou a falsidade.


Da verdade negada,
Da conversa esquecida,
Da mulher lacrada,
Da paixão confiscada.


Dos desejos sufocados,
Dos caminhos destelhados,
Dos laços cruzados,
Dos olhares fechados.


Das mensagens inaudíveis,
Das angústias vertiginosas,
Das horas incompletas,
Das verdades desencontradas.


De mentiras sem lastro,
De atitudes sem nexo,
De palavras sem voz,
De dores sem fim.


A sua fuga é medo.
A sua incoerência é perplexidade,
A sua lucidez é ingênua,
A sua boca é oásis.


A minha noite é dia,
A minha sangria é rio,
A minha alegria é fosso,
A minha boca é deserto.


A nossa presença é ausência,
A nossa solidez é fractal,
A nossa lembrança é silêncio,
A nossa paixão é solidão.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

A Mão de Lúcifer



Então o Senhor disse a Satanás: Donde vens?
E respondeu Satanás ao Senhor, e disse:
De rodear a terra, e passear por ela. (Jó 2:2)



Na madrugada impiedosa e solitária,
Todas as estrelas deixaram de aparecer,
A lua acabrunhada ficou entrevada em silêncio,
O mal circundando livremente entre os labirintos das ruas.


Os anéis se foram junto com os dedos,
Afanados por aquele que não ama a Luz,
Na mórbida gargalhada de suas diabruras,
Pior destino é saber que Ele conseguiu mais uma vez.


Suas falsidades canalizaram tanta energia,
Enlouqueceram os ouvidos ingênuos e desatentos,
Pregando rancores insanos e mágoas desconexas,
Que transformaram todo ouro em pétreo carvão.


Com os dedos vazios, agora sei que deveria ter sido mais cuidadoso,
Com a velocidade que bateram os ventos e a força do irreal,
Não percebi há tempo à densidade dos fatos e o poder da mentira,
E suas mãos negras e impiedosas levaram-na diante dos meus olhos.


Minha estupidez foi o bastante para ver tudo acabar tal como ficou,
Numa desatenção, o Anjo Caído soube burlar todas trancas,
Criar todas as artimanhas e sangrar os corações,
Liberar os fantasmas e cristalizar todo o medo atávico no coração.


Maldito Senhor das Trevas que ecoa risos histriônicos!
Debilitou minhas mãos mordidas por Cérbero e atirou-me ao vento,
Meus sonhos de amor e minhas vãs palavras de paixão,
O oásis se foi e agora do amor tudo voltou a ser o pó de antes.


Calarei na tempestiva realidade,
Engolirei cada pústula de saliva,
Petrificarei cada batida cardíaca,
Mas não me esquecerei de suas crueldades.


Não descansarei até enterrar o último dos seus odores,
Mente carniceira que desafia toda a minha lógica atéia,
Cortarei até a última raiz de suas ervas daninhas,
Deixando as rosas ressurgirem em todos os jardins.


Sua fortaleza somente não é maior do que sua fraqueza,
Também sei que a sua covardia é a sua força-motriz,
Insaciável, faz tanto mal que nunca se dá por satisfeito,
Não sucumbirei para dar-lhe mais riso à sua arcada dentária.


Nenhum mal é suficientemente eterno e um dia a Luz chegará,
Quando toda a maldade será banida e os cadáveres recolhidos,
Talvez o corpo dela esteja em braços melhores do que os meus,
Mas espero que no seu coração permaneça ainda a minha imagem.