terça-feira, 31 de julho de 2007

Presságio (Horas Mortas)


“Hoje o céu é pesado como a idéia de nunca chegar a um porto...” (Fernando Pessoa)

Medo,
Anseio,
Dúvidas!...
Sinto o peso dos anos em meus ombros,
Não sei ao certo...
Serão os dias se acumulando em meu corpo?
Serão as perguntas mal formuladas vagando lentamente pela minha vã memória?
Será a minha incapacidade de não compreender a vida?
Não sei ao certo...
Todavia é inegável o dissabor do Tempo em minha boca,
O sabor amargo da angústia de não poder indicar o caminho...
Um porto para ancorar com segurança...

Horas de tempestade em minha mente,
Horas de desolação sem saída,
Horas de pensamentos escoando em minhas mãos!

O Tempo passa cronologicamente
(Como lhe é típico!),
Isto não assusta, nem causa espanto...
Apenas um presságio inerente da existência!
A batalha não é com o decorrer das horas,
É muito mais sutil... Muito mais profunda!
Como digladiar com a vida,
Sem dor e náuseas?
Combater os medos mais intrínsecos, mais vorazes,
Sem ferimentos e lágrimas?
Há muitos temores consumindo o que temos de mais forte,
Não há alicerce capaz de suportar tamanha pressão,
Se não estivermos preparados,
Se não buscarmos condições,
Se não aceitarmos dogmas draconianos...
Não há sentido para negar
Que temos medo do que está do lado de fora...
Mas, medo maior é o que enegrece os olhos,
Sucumbe a limitada razão,
Amordaça todas as tentativas de alvejar a esperança!

No Tempo não é a busca de respostas,
Porém uma estrada para o alívio
Para as questões que angustiam sem cessar...

O Tempo é o torniquete dos sentidos!

quarta-feira, 25 de julho de 2007

O roubo da esperança

Criança da Vila Recanto dos Pássaros, em Teresina (PI), vendendo peixe nas ruas.


Não quero a criança atada na guerra pela sobrevivência,
Na batalha canibalizada pelo pedaço de pão,
Juntando migalhas para o arroz e feijão,
Pedinte miserável entre becos imundos e faróis humilhantes.

Não quero a criança tísica,
Exaurida na labuta escrava amolecendo barro,
Pálida e extenuada erguida por pequeninos pés descalços,
Açoitada pela indiferença e ganância desmedidas dos homens.

Não quero a criança com as mãos estaladas,
Sentada no chão molhado das esquinas,
Oferecendo cinco dedos e súplicas de misericórdia,
Colhendo a lágrima seca que tanto ecoou em vão.

Não quero a criança nutrindo-se do lixo guerreado contra urubus,
Enclausurada em barracos esfacelados e domesticando ratos,
Ingerindo água podre e pisando em esgoto,
Habitat mais tétrico do que um bicho do mato.

Não quero a criança moribunda,
Atirada como lixo inorgânico na sarjeta putrefata,
Vociferando ódio e inalando cola,
Perambulando até cair exaurida de tamanha dor.

Não quero a criança assassina,
Raptada pelo vício e alistada pelo exército branco,
Manejando rifles e pistolas como brinquedos inocentes,
Brincando de matar com balas de chumbo.

Não quero a criança desfalecida,
Sem sopro de vida e conduza para a vil gaveta,
Colecionadora involuntária de enfermidades e fome permanente,
Sem direito a vida e a Paz.

Não quero um mundo cínico e caduco parindo a morte,
Que renegam seus próprios filhos sem nenhuma piedade,
Explorando a miséria e a angústia humana,
Um mundo surdo para os gritos alucinados de crianças em desespero.

Quero a criança com um sorriso na face,
Pulando e brilhando de alegria,
Sorriso banguela de ternura cativa,
Crianças de todas as cores.

Quero a criança desvelando a liberdade,
Unido as mãos num mundo sem barreiras de linha divisória ou credos,
Sem o culto de dores precoces vivendo num mundo que possibilite sonhar,
Acreditar na vida e no Amor.

Não quero lágrimas da criança deslizando em profunda chaga,
Silenciada brutalmente pelo desespero e aflição,
Não quero um mundo onde ceifa ferozmente as mãos em procissão,
O roubo de qualquer réstia de esperança.

Auschwitz paradisíaco


Sete e meia de uma fria manhã,
Numa estação ferroviária deserta parindo seres erráticos,
Olhos penetrantes diante dos ponteiros do relógio,
À hora estática que nunca finda...
Alguns risos ao longe como chacais à espreita em busca do desjejum,
Poucas lojas abertas, outras aparentam que nunca se abrirão,
No anteparo da memória reluta uma única questão:
Onde está você agora que nunca vem?

A boca seca de uma áspera mágoa,
Ouço apenas passos pouco cadenciados de meus próprios pés,
Imerso num silêncio quase absoluto
É a própria antevéspera de Auschwitz...
A enegrecida paisagem é coberta por uma brisa gélida,
Como anseio prosear com Mefisto!
Mas pensando bem,
Ainda não aterrissei no Inferno com poderia esperar,
Auto-exílio num Purgatório irracional?...

Que bela paisagem do século XXI!...
As constrições do Amor são querelas precedentes do limbo,
A liquidez das relações voláteis pós-modernas,
A futilidade do sentimentalismo barato sem auto-suficiência,
A carne assexualizada subtraindo o espaço do espírito,
O desejo assimétrico do bem-estar virulentamente materialista,
O temor de um lânguido olhar penetrante,
A paixão que escorreu entre meus dedos,
E senti paulatinamente perder sua alma numa batalha subterrânea.

Beijei a cruz esperando proteção,
Queimei meus lábios em vão.
Numa cruzada contra moinhos de ventos sem as sutilezas de Quixote,
Mundo-mercado onde quase todos são medidos pelo valor do capital,
Todos os arcanjos desviaram do meu rumo,
Não... Não há importância, quero crer!
Antes ser um pária sem glória
Ao loteamento das mãos pela sedução da covardia,
Toda inocência perdeu laconicamente o ledo encanto,
Não é difícil percorrer os labirintos que desbocam em Auschwitz.

Trens chegam e partem com um morno ritmo,
Na encruzilhada do (in)consciente,
A única certeza intermitente,
O estiolamento da alma sem consolo à vista
E os dedos calejados de palavras à deriva...

Uma canção ressoa no instante da transposição das letras:
Je t´aime avec ma peau”.
Agora, silenciados e caídos ao chão, na vitória dos medos e abutres,
Ninguém mais versejará uma única estrofe aos teus olhos,
Sua ingenuidade pavimentou com sal toda possibilidade de conquista,
Enfim, respiramos os lázaros ares de Zyklon...
Oh! Quanta vida se perde ao longo do caminho!
E, novamente, a história se repete,
Mais um retrato a se guardar.

Observo minhas mãos e meu caderno de anotações...
A primeira é de uma vazia brancura
E o segundo povoado de inúteis rabiscos.
Meu Paraíso possui a fértil alegria
Dos campos plúmbeos de Auschwitz.

O abismo



I.
“Não combata os monstros, temendo torna-se um deles. Se você olhar dentro do abismo, o abismo olhará dentro de você.” (Friedrich W. Nietzsche)

II.
“Pelo que podemos perceber, o único propósito da existência humana é acender uma luz nas trevas da mera sobrevivência.” (C. G. Jung)



Tudo é escuro,
Tudo é escuridão!
No coração do abismo
Uma luz não passa de utopia.
Há umidade em meus olhos,
Mãos espalmadas em sangue
E pensamentos vagando em mordaz desalento...

Procuro a claridade fosca!
Esqueço os dias,
O abismo é atemporal...
E acreditar na eternidade
Pode até soar como natural,
Há quem anseia respostas no abismo:
Tolices canônicas!
Respostas? Esqueça-as!
As respostas são perguntas sem morada ,
Irrigadas de pura insensatez!

Quais dúvidas estarão guardadas,
A quem no abismo se entregar?

A descrença é a tática favorável,
Em busca de razão imersa em desilusão.
Se há fim no final do abismo
É quase tão certo quanto,
O Sol sobreviver no cair da penumbra noturna
E a Lua ressurgir pela manhã!

Não busque no fim um resposta final...
No abismo não há respostas,
No abismo somente sobrevive a desesperança!...

segunda-feira, 23 de julho de 2007

O pulso


Um pulso pulsa forte
Pulsa impulsionando uma tensão
Como um pulsar prestes a colapsar
Tencionando um pulso tênue e sereno.

Pulsa intenso em erráticos códigos
Pulsa num modem de conexões surreais
Colimando impulso do aparelho de Mister Bell
Pulsa histriônico sedento pelo fio.

Pulso cego que verbaliza
Sonoridade pulsante de dócil prazer
Pulso que tecla em rítmico afã
Desejos impulsionados por audíveis tatos.

Pulsa impulsos salobros
Pulsa na derme sem toque
Pulsam processos binários errantes
Pulsa banquisa de ventre microeletrônico.

Pulsa o pulso que precessiona
Pulsa vivo na sedenta saliva
Pulsa palpitando em lábios pungentes.

Pulsa meu pulso assimétrico que pulsa
Pulsa itinerante em info-mar
Pulso... Que pulsa sem cessar.

Pulsa afagos,
Pulsa desejos,
Pulsa anticlímax e clímax,
Pulsa febril até a exaustão.

Entre medos e monstros


Ecce Agnus Dei: Qui bene amat, bene castigat?*

Fazia calor, mas o que sentia realmente era um ar gélido na espinha,
Na boca, uma sensação acre que a angústia reina no coração,
A instabilidade dos desafios desestabiliza suas pernas.
Ronda na sua cabeça um turbilhão de ansiedade e pavor.

Calam os lábios corrompendo as vontades da alma,
Silencia suas preces e enaltece as velhas feridas,
Teme tudo aquilo que possa vir a ser um novo paradigma,
Refugiam os dissabores em mentiras mal formuladas.

Há um monstro que ronda seus soturnos pensamentos,
Quem sabe o mal que poderá jorrar desta criatura atípica?
Surgido do vácuo, seus olhos atônicos buscam pulverizar sua presença,
Tal besta-fera poderá ter o beneplácito mérito para carregar o seu corpo?

Há um monstro despencado do céu que expele palavras de tolices emotivas,
Suas mãos não sabem se resistem ou cedem a seus estranhos apelos de felicidade,
Você silencia numa vida de acomodação e norteada por espectros invisíveis,
Em suas costas pesam o cansaço da batalha sem brilho.

Há um monstro que teima penetrar na sua instável alma,
“Tolices complacentes?” – debocha ingenuamente seus olhares,
O medo de um estranho novo mundo é mais forte que a solidão em cativeiro.
Castigar silenciosamente e conspirar com o Tempo a distância do temível monstro.

Há um monstro gotejando suas horas dolorosas em fios de distância,
O afeto é para o fraco de alma carente.” – balbuciava seus temores.
As mensagens cifradas varavam a noite preenchendo sua rotina,
A solidão desértica será a recompensa para as teimosias dos reinos infundados.

Há um monstro que precisa ser sangrado com sua indiferença,
Sucumbe o calor da carne e o esmaecido sabor de lábios ferozmente desejados,
Suas preces balbuciam desesperadamente a verdadeira face de um amor...
Quem teme a felicidade, refugia-se eternamente em trevas.


(* Loc. Latim: Eis o Cordeiro de Deus: “Quem ama bem, castiga bem?” i.e. “O castigo deve ser o fruto do amor?”)

Labirintos


Tudo o que sei são algumas poucas palavras para o diplomático conforto,
É enigmática a presença do não-saber.
Eu sei o quanto à vida é frágil,
A morte é única quimera da certeza.
Eu sei que tudo o que somos são miragens,
A indiferença fragmenta o cotidiano.
Eu sei que um olhar a 360 graus é como fagulhas de vidro na derme,
Não é possível ser benevolente com sortilégios e a fuga da realidade.
Eu sei que tudo são gestos ansiosos para uma pseudo-afirmação,
O autocontrole apenas reproduz uma velha canção famélica.
Eu sei que monstros e feiticeiros vivem no onipresente berçário da inconsciência.
A apatia nos reduz às bestas vociferantes de Bruegel.
Eu sei que o Tempo não é um exercício físico,
É como um transcorrer bio-psicológico de nossa dimensão privada.
Eu sei que somos feitos de matéria e espaço,
O espaço-tempo é o fruto singular de nossa atmosfera pagã.
Eu sei que possuímos a herança do inexeqüível vazio inicial do universo,
Somos aglutinadores da infinita poeira e radiações cósmicas.
Mareados em dúvidas e silêncio profundos,
Rios de caudalosas inquietações.

Vida sem viver...
Tempo vazio de ampla inexistência.
O que está oculto atrás do espelho cujo eco ensurdece o silêncio?
Cada um de nós arquiteta o seu próprio labirinto:
Cultivar flores entre pedras e areias
Ou parir demônios em labirintos trancafiados?

Tragicomédias


Tempos modernos?
Modernidade líquida.
Sonhos fragmentados.
Auto-ajuda para todos!
Direitos diluídos.
Modernização retroconservadora.
Privatização dos espaços públicos
Socialização da pobreza
Retroalimentação da miséria.
Entre sístoles e diástoles,
Jorram os descontínuos passos das desigualdades.
Economizam nos salários,
Arrebatam lucros
Silenciam os operários,
Agora: PDI para você também!
(Programa de Demissão Incondicional.)
Fecham uma fábrica,
Inflam a Bolsa,
Especulam com a vida,
Globalização mafiosa de transeuntes contabilizando dólares,
Risco-país alto é igual a passos de bêbado,
Um zig-zag para a melhor taxa de juros,
Juros?... Juro que estão nas alturas!
Parasitismos com colarinhos brancos,
Diz o bordão da criança matreira:
“Mamãe quero ser banqueiro quando crescer!”

Minimizam custos,
Maximizam tragédias.
Famélicos apodrecem,
De Ruanda, passando por Paris a La Paz...
Paz?... Renda-se à Pax Americana!...
Apertem os cintos,
O piloto tem uma bomba.
Dois prédios se foram e o que tem mais?
Prolifera a campanha do medo,
WTC, Londres, Madri, Cairo e onde mais?
Fundamentalismos políticos em nome do Islã,
Fundamentalismos políticos em nome da América,
Deus, Maomé, Allah, Bin Laden, Saddam, Bush ou qualquer um que seja uma besta-bomba.
Ah!... Estas viúvas de Hitler que carimbam o mundo a partir de Washington...
Há uma sucursal delas em Tel Aviv.
Em Roma e Moscou possuem também seus seguidores.
Por aqui, não é diferente.
Na versão tupiniquim,
Votação direta da “raça”:
Bornhausen para a “SS” verde-amarelinha.
No campeão mundial de matadouros humanos,
Bang-bang é destaque das urnas,
Agora é lei: Tiro ao alvo é o esporte nacional.
Até no futebol, juiz é ladrão em superlativo.
Temos mensalônicos em Brasília,
Troca-troca de cadeiras partidárias, quem dá mais?
Jefferson é parido como herói nacional.
Na competição da corrupção,
Quem corrompeu menos é o mocinho.
Quem corrompeu mais é o bandido com Valério cheio.
É Beira-Mar passeando de jatinho custeado com dinheiro público.
Extra, extra é Caixa dois, três, quatro...
Estes malufinhos cujo pai não aprecia marmitex...
Alegria, alegria! Veja na TV Câmara...
Severino, o rei do “Baixo Clero” proclama para a `res publica´: “Eu voltarei!...”
E o resto é tudo modelo original.
Cafetinas alimentam seus filhos no Congresso Nacional.
Partidos menstruam partidos.
A estrela tucanada precisa de Viagra.
Corroeu-se pela direita, pela borda, pelo Delúbio.
Lula lá, brochamos aqui.

Tudo está tão sério,
Tudo está tão lamentável,
Não faltou para ninguém:
Aids,
Gripe galinácea,
Febre aftosa,
Boxes de galos,
Cachorras no rebolado,
Fleury e Bolsonaro,
E tem Zé que só vive enrolado!

No centro da cidade,
Tudo continua como sempre esteve,
Podridão regada à urina e alguns embelezamentos de fachada.
Serram com toda a população,
É camelô em guerrilha com pardais azuis,
É cacete e produto chinês para tudo que é lado.
No campo ou na cidade,
O pobre que é pobre sempre paga o pato, marreco, impostos, cobranças...
Mas sorria, espoliado assalariado!
Eis o microcrédito e poderá viver feliz com seu ingresso no sistema capitalista,
Crédito na mão e endividamento contínuo sempre de prontidão.
Já dizia um desgastado mandamento “made in Brazil”:
Felicidade no coração,
É ter um carnê das Casas Bahia na mão.

Nike, trabalho infantil, escravidão por dívidas... Fome!
Internet, Webconference, Microsoft...Fome!
Mc Donald´s, CNN, Disneylândia... Fome!
Mont Blanc, Big Brother, Daslu... Fome!
AZT, Ecsytase, telefonia móvel... Fome!
Katrina, tsunamis, Chernobyl... Fome!
OMC, transgênicos, agrobusiness... Fome!
Quanta modernidade na sociedade fundamentalista de consumo!...

Globobagens na rede,
Amores fast-food,
Á bientôt, realidade!...
Gute Nacht, esperança!
Cada um por si,
E agora? A culpa é de quem?
Da macaca que traiu o chipanzé e pariu o homem?
Até mesmo Deus tirou o seu da reta:
“Me inclua fora desta!”
Big Bang, cadê você?

Caminho para a distância


Hoje diante da insalubre distância,
Tantas palavras cansadas ecoadas em vão,
Ladrilhos perderam as cores subjugadas pela ânsia,
Qual sentido faz uma atmosfera sem razão?

Os lábios jamais esquecerão o vigor do desejo,
Enclausurado vive um coração cheio de receio,
Quanto tempo levará para despertar um lampejo?
Triste estrada tolhida cortada ao meio.

Longe dos olhos tudo é infelicidade,
Sobrevivendo por um vazio frontal sem valor real?
A ausência somente enrijece a inexata saudade.

A lágrima que ousou deslizar virou pó,
Nossa melodia desfalecida foi levada pela ventania,
O que era para ser dois, agora é só.

(Des)Razão


Roseirais brejeiros despem as vestes,
Os dias são iguais em todas as madrugadas,
Silenciosos e profundos como a ante-sala do Purgatório.
A paisagem se evapora ao longo da fria estrada,
Os sonhos são dilacerados na fogueira do improviso.

Há um tilintar de medos sem uma razão aparente,
Observe com mais consideração o âmago da existência,
Não reproduza na vida uma cópia senil da insensatez,
Deixe um pequeno feixe de luz iluminar,
A abissal escuridão do além-mar...

Mas tudo em volta há de se apagar,
Quando se fecha os olhos,
É imprescindível romper a vaidade,
Selam-se como uma amálgama os lábios,
É inútil ajoelhar na tempestade...

Ecoam-se os uivos de morcegos hematófagos,
Rosnam-se as veleidades dos vencidos,
Abrem-se os portais do desalento e constrição,
Amarelou-se a fotografia na espera do pseudo-amor,
Pobre é aquele cuja alma se encarcera no labirinto.

Não há fardo que se sustente,
Não há voz que dure eternamente,
Não há chama que sobreviva debaixo do oceano,
Não há lágrimas que amenize suavemente a dor...
Por que martirizar com agruras do coração?

Abra as mãos para colher a chuva que cai sobre a face,
Não faça da agorafobia a última bastilha,
Permita observar a opaca atmosfera sem estrelas...
É como o mar sem embarcações,
Uma praça sem crianças brincando ao seu redor,
O beijo sem a saliva,
O toque sem a epiderme...
O infinito é generosamente imenso,
A vida é finitamente efêmera,
A paixão é um polvilhar de ilusões.

Erga a cabeça sem temor,
Há sempre um pequeno espaço ao redor,
Alcoolize as velhas cicatrizes,
É melhor acordar antes que evapore
O que restou da (des)razão...

Ainda sigo meu caminho


Por que ainda não me deploro completamente com a deslealdade dos homens?
Talvez invadido pela ingenuidade emulsiva de uma revolução invisível,
Ainda não me faço de vazio perante a tormenta,
Na plenitude do meu horizonte inebriado de neblina e banais pústulas,
Sigo à pino a luz da candeia dos meus ideais.

No Sol e na lama,
Na noite escura mergulhado numa rarefeita atmosfera,
E na última réstia de mágoa,
Ainda recolhendo do que resta em rabiscos de páginas.
Eu sigo meu caminho.

Peregrino na altitute das nuvens,
Sem a falsa veleidade de pífios valores,
Sem apostar nos créditos diante da clausura de derrotas,
Sem as trombetas ensurdecedoras da apatia convulsiva.
Eu sigo meu caminho.

Nada parece ser visível o que me consome,
Há uma perene flama que lateja,
No meu peito e na alma em cativeiro,
Rondo o meio-fio das águas.
Eu sigo meu caminho.

Na limítrofe liberdade do curso dos rios,
O silêncio profundo que ostenta minha dignidade.
Passa o tempo e estiolam as cores...
E mesmo assim, embriagado de alguma esperança,
Ainda sigo meu caminho.

Quase soneto de uma madrugada silenciosa


Há um cansaço inerente sobre meus ombros.
Incertezas nos calcanhares dos meus passos.
Reflexões sobre o franzir da memória.
Há uma compressão sobre meu peito.

Corta-me uma voz doce como feixe de ternura
Em passos curtos pelejo em buscar de respostas.
Ah, doces mistérios torturando timidamente
Percorrendo sob a face de rios tortuosos suas lembranças.

Da carne brotam rios de inquietante desejo.
Um vendaval de cores quase opacas,
Cheias de dúvidas em clarão de sonoro silencio.

Será uma miragem da minha insolação?
Recordo-me seu semblante liquidando minhas madrugadas.
E resta apenas um discreto luzir da incerteza como guia.

Dádiva


Se seus olhos estivessem mais abertos,
Contemplariam a imensa face do mundo,
Quando lutamos contra nossos anseios,
Perdemos o significado do nosso ser.

Se as palavras riscam sua alma como adagas ao vento,
Talvez seja um alerta para os dilúvios interiores,
Desejos calados pelo medo cruzado,
Rios fulminantes sob a cegueira do olhar,

Madrugada ardente tecendo vocábulos,
Insolúveis sonhos que nunca chegam,
Pelejo o silêncio adentrando a lápide,
Lembranças cortando o cálice d´alma,

Não fujas refém das sombras nefastas,
Ata-me como seu viril metal,
Cicatriza-me como sua derme pulsante,
Acorde do repouso e pouse ao meu encontro.

Não tema o tempo de agora,
Não recolha sua nau ao cais,
Não viva tangida em um cárcere insofismável,
Não adorne flores violadas ao chão.

Se todas as palavras fossem delírios,
Nenhum verso seria o bastante,
Abra-se para a planície enluarada,
E respire novos ares de liberdade.


(Araraquara, 16/11/2006.)

Porta-retrato


Mais uma noite intermitente assistindo ao tédio pela janela,
Um jogo perdido e tolo que insiste ser disputado,
Na moribunda revanche dos esquecidos por Morpheus,
Atiraram-se os dedos e anéis pelo gramado.


Questiono a ordem indecifrável do silêncio.
Caberia dentro das palavras tamanho desvelo?
E se as mãos afastadas jamais se encontrarem?
Será que tempo regurgitará em preencher mais uma lápide?...


Neste débil jogo de surdos-mudos contra o presente,
Colheremos a flâmula castigada da distância,
No rádio a meia-voz, ouço as canções que momentaneamente nos povoaram,
Não há rota sem o destino adulterado.


Sei que meu caminho foi o instrumento perfurante da sua dor,
Os esmaecidos soluços de ódio e espasmo sedaram seus olhos,
Não venho aqui somente colher as pétalas do seu perdão,
Menos ainda, vociferar desculpas sem consolo...
Quando há piedade, faleceu o que era para ser ou parecer amor.


Na outra margem do rio, não vejo mais o mesmo barco,
Nossos passos ganharam a autonomia da incipiente independência.
Se soubesse de antemão lhe encaminharia uma prece,
Mas sou um leigo das armadilhas sacras das escrituras,
Meus lábios secaram quando se desvencilhou dos seus,
Cerro lentamente minhas pálpebras,
Não oro para que tenha apenas vã garantia de um monótono céu,
Uno as palmas das mãos aproximando-as ao meu rosto,
Balbuciando algumas palavras que visam ecoar no tempo,
Na esperança em cintilar ao seu coração,
E quem sabe, possa ouvir minha insólita querela:
Que todos meus ossos, tez e suor,
È para que possa viver sem tanta dor
No árido horizonte na Terra.


Jaz na boca a sensação torpe onde tudo é passado...
Entre meus dedos ainda resta um pouco de terra,
Que um dia fez fecundar ingenuamente nossos sorrisos,
E agora, tornou-se a lama que borra laconicamente o porta-retrato.

domingo, 22 de julho de 2007

Bancarrota


Lançam-se dados sobre um velho carpete esverdeado de um arriscado cassino,
Há um gosto acre na boca que outrora murmurava desejos insólitos,
Vilipendiam todas as respostas que jazem no sótão de soltos pensamentos,
Querelas de um mundo quase sem rosto e sem retoques,
Cada fotografia é uma reprodução inútil de memórias convalescentes,
Soturnos segredos são guardados em lábios sequiosos de esperança,
Tolice acreditar que haverá herança sem chagas após os tufões da alma,
Resta ao seu inconsciente a única morada racional quando o peso da realidade sufoca.

Por que transformar a vida num tolo joguete cujas regras são maculadas?
Ter a lacônica infelicidade como um insensato prêmio.
Quanta alegria existe no inflar titubeante das ilusões perdidas?
Não rotule o Amor como um cateter de veneno pronto para entorpecer a alma,
Não faça do silêncio um pacto para angústia,
Não busque refúgio no medo através da fuga,
Se mãos estaladas em prol de sua alma são ignoradas,
Talvez o conforto da solidão lhe sirva como um guia melhor.

O inaudível eco monossilábico é o testamento da distância,
Há um temor em acreditar no esplendor da vida culpando erraticamente um destino senil,
Por que acreditar que tudo é obra de um castigo indissolúvel?
Carregar fardos que não lhe pertence é uma tarefa pouco inteligente,
Pode-se perder um reino em troca de algumas bobagens,
Calar a dor engolindo secamente as lágrimas pouco adianta,
Poderá a escuridão cobrir como um triste manto o seu corpo,
Mas pouco conforto terá os resquícios da alma.

Julgo para ser julgado,
Questiono para ser questionado,
Não silencio para não tornar mais um cúmplice,
Por que atirar todas as fichas numa efêmera roleta russa que há tempos só conheceu a bancarrota?
O que esperar em vão?
Rezar um terço buscando a implausível salvação?
Mãos trêmulas,
Olhares perdidos num horizonte pouco salutar,
Movidos a pactos temerários e auto-flagelo,
Jogando um medíocre jogo perdido
Dados egoístas sem nenhuma borda de confiança,
Jogadas maculadas de baixa maturidade,
Olhares disformes,
Medos ferozes,
Lábios algozes,
Vidas jogadas no limbo.

Quando todas as fichas forem perdidas,
Todos os lances já realizados,
Todos os vícios entornados,
E quase todas as dores sentidas,
Lembrar-se-á de uma lição indelével:
O Tempo não se encarregará de aglutinar terra sobre todas as feridas.

Sentimentos


O verdadeiro Amor é espontâneo de espírito,
puro de afeto e graça infinita.
Não pede ou ousa pedir nada em troca.
Ama não por necessidade,
mas pelo prazer em poder, simplesmente, Amar.
A Paixão clarifica nossos olhos,
substituindo trevas por sua luz resplandecente.
Amar não significa ser prisioneiro do ego alheio,
mas, ao contrário, liberdade de limitações egocêntricas.
Nada limita o desejo de um Grande Amor:
nem a enorme distância que afasta corações,
nem a implacável rigidez do tempo,
nem o alvorecer da melancolia,
nem a dor da queda de uma lágrima,
nem a solidão que permeia a alma.
Tudo é fugaz,
tudo é efêmero,
tudo é possível,
tudo é ilimitado,
diante do Amor.
A esperança sempre é um péssimo guia,
e quanto perdido estiver,
sua companhia torna-se uma única triste opção.
Procuramos resistir aos seus encantos, aos seus caprichos.
Porém, tudo o que conseguimos é prolongar
a angústia,
a frustração,
o sofrimento,
a desesperança,
o infinito;
enfim, o Amor!
Quando o Amor perpetua,
corações e almas se confraternizam.
Contudo, quando seu fascínio é afastado,
uma dor silenciosa de um vazio incessante corrompe o Ser.
Mesmo porque,
o Amor nunca é destruído,
apenas sufocado.

O Amor não nos torna mais perfeitos,
nos torna mais profundos.

Caminho a dois


Quantas quimeras latejam no peito,
Que lacunas atrozes tolhem teu coração?
Forcejo-me na labuta pela cabeceira de teu leito,
Juntos poderemos vencer os momentos de privação.

Estendo-me o olhar na direção de teus passos,
Quero vigiar soturnamente tua angústia.
Tecer degraus para desviar-te dos percalços,
Sem união, toda distância é mera apatia.

Toda vã natureza cristaliza a saudade,
Atalhos indóceis apenas ofuscam nossas saídas,
Toda longa estrada requer forte reciprocidade.

Cárceres da Alcova


Não se constrói uma casa,
Começando pelo teto e acreditando que logo desabará.

Não se faz castelos de areia,
Sabendo que logo chegará uma maré e tudo se desmanchará.

Não se erguem palafitas em beiras de rios,
Sabendo que a única alternativa é resistir até a próxima enchente.

Não se injeta lixo nas veias,
Sabendo que a esperança roubada é um cadáver caindo no lodo do submundo.

Não se ensina para um aprendiz,
Sabendo que o conhecimento somente terá sentido enquanto houver uma prova real da vida.

Não se deixa vender o corpo,
Se a idéia de Amor difere de uma trepada mal feita por alguns trocados num quarto fedido a esperma de um hotel.

Não se pede desculpas a alguém,
Se somente for para temer uma imediata reação desconhecida do outro.

Não se ajuda alguém a atravessar uma rua,
Sabendo somente que poderá contar pontos no loteamento promíscuo do Paraíso.

Não se levanta um enfermo do seu leito de angústia,
Sabendo que o seu estado é terminal e logo será presenteado com uma lápide.

Não se sorri com lábios e dentes à flor da pele,
Sabendo que mais tarde seja imprescindível o desterrar das lágrimas.

Não se levanta pela manhã,
Sabendo que até o final do dia poderá não estar oxigenando os pulmões.

Não se envernizam as fotografias de falsa paixão maculadas de sangue,
Sabendo que os olhos herdaram somente o ódio incontido e a dor insuportável.

Não haveria um sorriso de criança,
Se logo ela soubesse que tropeçaria em solo áspero.

Não se chuta uma bola ao gol,
Sabendo que haverá um arqueiro que interceptará o lance.

Não se clama com punhos cerrados por justiça,
Sabendo que todo julgamento é míope e quase todo juiz é passível a corrupção.

Não se beija uma mulher com odor bolorento a álcool,
Sabendo que o orgasmo machista é o olho dela rodeado por nódulo de sangue e agonia.

Não se começa um Amor,
Sabendo que todos os caminhos poderão conter imensos vazios.

Não se desfaz uma união,
Temendo sofrer por antecipação as supostas intempéries do mundo.

Resistir sem ceder jamais?
É possível sobreviver,
Acreditando que a vida pouco vale a pena,
E o sorriso de esperança,
Sucumbir aos delírios escancarados do medo?

Há sempre no âmago,
O eterno temor pelo amanhã.
Acomodam-se nossas virtudes,
Receamos não romper com nossos tolos destinos.
Trancafiamos portas e janelas,
Cuspimos no esgoto todas as chaves.
O destino é enegrecido como um Carandiru pulsante...
Sob um ar podre e seco,
Estilhaços de esperanças pelejam tortuosamente sem norte,
Lateja uma atmosfera pagã sem direito a uma prece.
Todos os santos fugiram do Paraíso e fecharam a franquia de suas intervenções,
Reina ferozmente um joguete de cartas marcadas,
Onde a vida é uma marionete imbecilizada,
À revelia, sempre levado pelas ondas dos acontecimentos...

O livre-arbítrio é a utopia dos condenados,
Jaz sobre a pele a letargia dos sonhos,
Imersos em estéreis mãos vazias...
Senzalas do medo,
Senzalas do tempo,
Cárceres da alcova.

Breviário



Pouco sei.
Pouco li.
Pouco entendo.
Pouco vejo.
Pouco tempo.
Pouco espaço.
Pouca história.
Poucas palavras.
Poucas respostas.
Poucas mãos.
Pouca claridade.
Pouca verdade.
Pouca união.
Pouca sensibilidade.
Pouca oportunidade.
Pouca confiança.
Pouca coragem.
Pouca lucidez.
Pouco calor.
Pouco toque.
Pouco corpo.
Pouca carne.
Poucos lábios.
Pouca saliva.
Pouca paz.
Pouca esperança.
Tudo tão pouco.
Tudo tão efêmero.
Tudo tão finito.
Há um pouco de quase tudo.

Sobra tudo de um pouco.
Sobram perguntas.
Sobram mentiras.
Sobram hipocrisias.
Sobram distancias.
Sobram ansiedades.
Sobram desejos.
Sobram olhares.
Sobram amores.
Sobram poemas.
Sobram sentimentos.
Sobram saudades.
Sobram prantos.
Sobram medos.
Sobram vazios.
Sobram flores sobre o túmulo do adeus.
Triunfa o silêncio.

Quando o pouco é tudo,
Tudo é breve.
E toda brevidade...
Sempre é muito pouco.

Veneno Noturno

Alta Madrugada.
Há um silêncio em brasa ao redor...
Pouco se pode observar através da neblina,
Alguns vultos de transeuntes vagando indefinidamente,
Rostos opacos com cabeça abaixada como se estivessem querendo esconder o fardo de seus pecados.
Sob as sombras de um mundo esquecido,
Uns degustam prazeres de ervas podres e seus derivados alucinógenos,
Outros elaboram pequenos furtos para sustentar velhos vícios.
Ah, Mefisto! O teu Inferno é quase um Paraíso quando se compara à podridão terrena.

Adentrando ao quarto, uma triste canção densamente me faz lembrar os teus olhos.
Não sei qual chão afunda os teus pés,
Não sei quais temores rondam as tuas mágoas,
Não sei quais fantasmas rompem a tua Paz.
Apenas sei que quero aproximar,
Mas só vejo bloqueios e receios torturantes...
Há um labirinto pétreo povoado de temor nos separando.

Meu humor tem a alegria canhestra de um funeral,
Sou como um farol a buscar por embarcações perdidas,
Ao longe, tua nau desaparece no turvamento da paisagem.
Mas é inútil pastorear navios errantes na embriaguez do asfalto sem mar.
Na cidade de desigualdades visceral e concreto apodrecido,
Teus olhos se perdem na penumbra das luzes ao longe,
Em minha volta, sem o teu corpo, há apenas o frio e o silêncio,
Na noite onde tudo se ausenta,
Pouco confortante é a imensidão de um quarto vazio
(Há espaço suficiente para qualquer um se afogar!)
Pouco adianta compactuar com Mefisto,
Pobre Fausto! Tombou ao selar com o próprio sangue as mentiras megalomaníacas do demônio!
Já cansei de blefar com demônios imbecis.
Mas há aqueles que fazem contratos existenciais sem observar as linhas cruciais do rodapé.
Mefisto, maldito guardião alado das trevas: Eu não te odeio!
O ódio cego é o alimento que fomenta a insanidade.
Cansei de perdoar aqueles que só sabem pedir perdão.
Cansei de acreditar em falácias rodeadas de senso comum.
A covardia é o moto-contínuo da tosca infelicidade.

Há um vazio na voz quando sobrevivemos apenas de palavras,
Tua fuga é a solidão entre espinhos,
Teus receios pariram uma separação precoce.
Agora, chove lá fora...
Não sei se teus olhos estão afogados,
Assim como os meus sentem dificuldades ao enxergar as margens do papel,
Apenas sinto dentro da carne:
A distância que amordaça os olhos,
É a mesma que fomenta o desejo da alma.
Se você alguma vez acreditou em mim,
Ainda quero acreditar em você,
Então, por que não acreditar em nós?

Fragmentos d´alma


De noite, amada, amarra teu coração ao meu
e que eles no sonho derrotem as trevas
como um duplo tambor combatendo no bosque
contra o espesso muro das folhas molhadas.

(Pablo Neruda)
______________________________


Onde estiver, amada
Seja lá onde for anoitecer
Quero apenas que saiba
Estarei sempre junto a você!

Das desventuras amargas em soluço
Do arcabouço pálido sob a égide da intranqüilidade
Do fundo de um sótão zunido em tormentas
Quero somente a esfinge do seu terno sorriso.

Se entre trevas de poucas certezas
Caso indagassem-me se desistiria da jornada
Diria erguendo uma quixotesca flâmula:
“Estarei sempre de corpo integro no intempestivo campo de batalha!”

Não se constroem castelos ou templos
Sejam de pedras ou grãos de areia
Sem o desejo e a esperança
De acreditar e enaltecer a cousa amada.

Dos combates de vazante inverno
Mesmo sob a gélida brisa que lateja a espinha
Não se separam tão facilmente os desígnios da foice e do martelo
Não se atira argila até o último enfermo desabar.

Se a tortura da saudade desatina
Fragmentam palavras e asfixia o pulsar cardíaco
Respire fundo nutrindo-se do incipiente oxigênio existente
E apare a lágrima até a dor submergir.

Se juntos estamos e, apesar disso, fisicamente distantes
Não existem mágoas que ultrapassem os primeiros raios de Sol
Tudo são obstáculos voláteis
Tudo são olhos de saudades.

Como ser feliz em corpos separados?
Sem sentir o sumo adocicado do seu íntimo
Sem escutar a respiração leve e acalentadora
Dos seus lábios, risos e olhares em paixão.

Se a escuridão causa melancolia
Lembre-se que minhas mãos estarão sempre estendidas
Prometo-lhe acolher teus sonhos e pesadelos
E proclamar a dependência sentimental de nós dois.

sábado, 21 de julho de 2007

Supermercado das almas


Para o riso basta a lágrima.
Júbilo.

Para o precipício basta o ascensorista.
Subterfúgio.

Para corar o papel basta a aquarela.
Ingenuidade.

Para a vida aeróbica basta o oxigênio.
Simplificação.

Para a história basta decretar feriado nacional.
Esquecimento.

Para a educação basta o computador.
Banalização.

Para a sonoridade basta a explosão.
Insensatez.

Para a energia basta dividir o átomo.
Irresponsabilidade.

Para esquecer a realidade basta debruçar em horas-extras.
Fratricídio.

Para a felicidade basta o caixa-eletrônico.
Pragmatismo.

Para o meretrício basta a tentação.
Luxúria.

Para a libido basta a penetração.
Gula.

Para justificar o amor basta adormecer sob a mesma tenda.
Demagogia.

Para a eternidade bastam juras matrimoniais.
Protocolo.

Para a confiança basta o cartão-de-crédito.
Superficialidade.

Para a cegueira basta a cobiça.
Miopia.

Para a fé basta o travesseiro vazio.
Solidão.

Para a desigualdade basta a promessa.
Hipocrisia.

Para um mundo melhor bastam mandingas de fim-de-ano.
Misantropia.

Para o sangue basta a lâmina.
Trevas.

Para a saudade basta o porta-retratos.
Miragem.

Para o desterro bastam logradouros no Céu.
Mediocridade.

Para o futuro basta o fundo de garantia.
Utilitarismo.

Para saciar o vácuo bastam alucinógenos.
Cirrose.

Para a morte basta a ignorância.
Pólvora.

Para a poesia bastam jorros de palavras.
Concretismo.

Para o suicídio basta o desespero.
Cicuta.

Para os pecados bastam as penitências.
Mercantilismo.

Para intolerância basta a estupidez.
Holocausto.

Para a circunferência basta o compasso.
Apatia.

Para colapsar a dor basta coragem.
Eutanásia.

Para suplicar basta erguer as mãos.
Submissão.

Para o orgulho basta degustar o cálice dos aflitos.
Ignorância.

Para melhorar as pessoas basta aplicar a eugenia.
Deus.

Para ordenar um povo basta o fascismo.
Eutaxia.

Para legitimar o poder basta apontar quem é “mocinho” e “bandido”.
Insanidade.

Para um bom governo bastam apertos de mãos.
Insensatez.

Para uma revolução bastam as baionetas.
Adolescência.

Para a justiça basta aplicar a terceira Lei de Newton.
Cólera.

Para a escravidão basta a planificação do cotidiano.
Calabouço.

Para a liberdade basta erguer a cabeça.
Esperança.

Para compor esse poema sobraram palavras.
Evasão.

Travessia


A vida não escolhe caminho...
O caminho é a própria vida.
A vida é uma via de caminho único.
Todos os atalhos, fugas e subterfúgios,
São tortuosos obstáculos no decorrer da travessia.

Se existe uma pedra no caminho,
E houver outras pedras... E mais outras...
Não se desespere, recolha-as.
Num breve futuro talvez,
E se houver a paciência cortejada,
Seja possível erguer um casebre ou quem sabe, um castelo.

Das árvores fincadas impavidamente no caminho,
Seus galhos fortes e troncos densos,
Folhagens pastosas e cipós de balançar sagüis,
Poderão permitir velejar numa boa jangada.

Se de repente diante dos olhos,
Abrir-se-à um clarão colapsando a terra de toda a superfície,
Mesmo que o chão transformar numa fossa abissal e beijar os seus pés,
Nada tema! Não há nada que uma reforçada pinguela não possa sanar.

Se trovejar relâmpagos e outras azias do Céu,
Não recorra à primeira árvore desgarrada que encontrar,
Em brigas dos deuses, não ouse abandonar os princípios da eletricidade,
Adentre numa velha casa, uma modesta toca ou mesmo uma oca,
É na humildade que colhemos as maiores virtudes,
É na simplicidade de uma gaiola de Faraday será o seu abrigo contra a ira dos imortais.

Diante de duas cidades longínquas,
Não há como realizar grandes mágicas, exceto respirar fundo e manter a calma:
Como ainda não chegou a era do teletransporte de átomos,
Ou se atravessa paulatinamente pela sola de borracha,
Ou pelas hélices de um pássaro de metal,
Ou ainda espera pacientemente na estação central a velha locomotiva,
Com sua fumaça flutuante pulverizando lágrimas de saudade.

No ponteiro do relógio,
Meio-dia e meia-noite são os pontos solenes,
Distantes doze horas e cortejados apenas com alguns pequenos relances,
Cada seta circunavega em busca de seu par,
Espera liturgicamente o pragmatismo do Tempo para se encontrarem.

Toda travessia não é um mar aberto sem terra ao longe,
É o percurso que permeia todos os ritos da alma,
Cada ser uma história,
Cada história um caminho...
Não existem travessias sem histórias,
Tampouco sobrevivem todos os sorrisos,
E muitas ansiedades são postas ao chão.

Toda travessia é um deserto do real,
Miragens e sinais desencontrados a cada momento,
Alguns medos e poucas certezas rondando os passos,
Um silêncio mordaz tinindo de dúvidas aos ouvidos,
Quando não há um maremoto de vozes esparsas buscando confundir,
A mente necessita se embriagar de uma promíscua lucidez,
O coração aberto e olhos atentos no leme durante muitas tempestades.
Há muita água, areia e lama,
Há muito cascalho, asfalto e grama.
Há pouca luz, algum norte e uma gota de lágrima.

No naufrágio deste mar de ilusões imateriais,
Caminhos que separam abruptamente histórias,
Amordaçam lábios que outrora eram apenas de ternura,
A distância transposta na insensatez de vídeos,
Destinos surreais calando almas,
Rotas errantes que solidificam o gosto indigesto de saudades...

Se não deseja a insólita partilha da frígida franquia da solidão,
Perceba que há muitos enganos e caminhos difusos,
E restará buscar uma sincera e verdadeira parceria.
Quando no frio escuro do seu quarto a distância gritar,
Enxugue o pranto e ouse ouvir o lamento do coração,
Aceite minhas mãos como apoio...
Para a travessia do imaginário pouco salutar da vida,
A esperança não pode ser o único guia.

Tempus edax rerum


“O tempo é o devorador das coisas.” (Ovídio)


Toda posse além de ser um vocativo agregador
É um conceito relativo do Homem.

Toda verdade além de desmerecer a ignorância
É um conceito relativo do Tempo.

Toda felicidade além de povoar o infinito desejo
É um conceito relativo da Vida.

Toda Paixão enaltecida pelas vias românticas
É um conceito relativo do Amor.

Mas nada é mais relativo
Que o conceito conturbado de Liberdade!
O que é liberdade?
Tudo o que o nada impossibilita crer?
Sem nos cercamos com regras,
Que ditam o seu significado?
O que é liberdade?
Se o próprio conceito,
Ao mesmo tempo que define seu vocábulo
Enclausura a sua essência?

Na mesma linha de racionalismo inquiridor
Qualificar um Deus é tão relativo,
Quanto desacreditá-lo!
Nada mais relativo são os ditames da Criação!
O que diria Einstein
Da intrínseca relatividade do Tempo?
O que diria Mendel,
Do seu berçário originário da mesclagem gênita?
O que diria Marx,
Das turbulências da relação capital-trabalho?

Em toda confiança,
Existe uma disposição demasiada de solidariedade...
Em todo sonho,
Existe uma parcela de desencanto.
Em toda alegria,
Existe uma fração de lágrimas...

Em toda a Vida,
Convive com o paradigma da Morte!

No tempo de minha aldeia




No tempo de minha aldeia
Tudo era muito simples.
Tudo era muito curto.
Tudo era muito medo.
Tudo era muito profundo.

No tempo de minha aldeia
Jogava bola sem fim,
Brincava com simplicidade,
Estudava com afinco além de respeitar pai e mãe,
Aprendia a lidar com meu próprio universo.
No tempo de minha aldeia
Eu achava que era feliz...
E sabia.

No tempo de minha aldeia,
Tinha medo do mundo,
Tinha medo das faces do mundo,
Tinha medo de não saber direito o que fazer no mundo.
Eu era medroso... E sabia.

No tempo de minha aldeia,
Era sozinho com meus pensamentos,
Tinha idéia que queria ser alguém maior,
Queria ousar diante do mundo,
Eu era um pequeno gigante... E sabia.

No tempo de minha aldeia,
O mundo se passava entre livros e diante da televisão,
Conheci o Flamengo e adorava desenhos animados,
Vi que o mundo era mais do que pensava...
Eu era Cristóvão Colombo... E sabia.

No tempo de minha aldeia,
Desencontrei da vida encarando a morte,
Tinha levado minha querida madrinha,
Não sabia o que era morrer... Descobri na carne.
Eu temia a morte... E sabia.

No tempo de minha aldeia,
Tudo era concreto, tudo era meio prisão...
Todas as janelas sempre eram iguais a qualquer uma janela amarela,
Tudo era igual a muitas outras coisas.
Eu era diferente... E sabia.

No tempo de minha aldeia,
Queria saber sobre tudo,
Queria possuir o mundo,
Queria mudar o mundo,
Eu tinha receio do mundo... E sabia.

No tempo de minha aldeia,
Os livros me faziam companhia onde velejava na biblioteca perto de casa,
Não tive amores, apenas amor pelos livros,
Nunca soube direito que diabos é amor...
Eu temia o amor... E sabia.

No tempo de minha aldeia,
Tinha medo da derrota,
Tinha medo de fracassar como todo mundo,
Tinha medo de não ser forte...
Eu era tolo... E sabia.

No tempo de minha aldeia,
Achava que a vida seria maior que a realidade,
Queria tocar o mundo,
Tinha medo das dores do mundo,
Eu tinha todas as soluções para o mundo... E sabia.

No tempo de minha aldeia,
Tudo parecia pequeno,
Eu achava que já sabia de tudo do mundo,
Na alma nunca soube compreender muitas coisas desse mundo,
Eu era ingênuo... E sabia.

No tempo de minha aldeia,
Queria ser um cientista para mudar o mundo,
Queria ser um jogador para driblar o mundo,
Queria ser um pároco para orar pelo mundo,
Eu era o Mundo... E sabia.

No tempo de minha aldeia,
Tinha medo de crescer,
Não queria ser iludido,
Tinha ânsia em não falhar,
Eu sonhava muito... E sabia.

No tempo de minha aldeia,
As lágrimas diversas vezes visitaram minha face,
Que a verdade sempre reinaria e a mentira seria banida,
Tinha medo de ser medíocre diante do mundo,
Eu era um amador... E sabia.

No tempo de minha aldeia,
Aprendi ferozmente a detestar os vícios,
Queria ser um grande herói como qualquer garoto meio lunático,
Queria aprender a ser grande e não sucumbir sobre a terra,
Eu era um Napoleão de mim mesmo... E sabia.

No tempo de minha aldeia,
O silêncio me ensinou a calar na dor,
A tristeza me cultivou a paciência,
Tinha temor em não existir o Paraíso.
Eu queria uma impossível salvação... E sabia.

No tempo de minha aldeia,
Achava que sabia mais que todo o mundo,
Achava que sabia todos os caminhos,
Achava que sabia como criar um novo mundo.
Eu era um Dom Quixote... E sabia.

No tempo de minha aldeia,
Nunca desejei nada além de umas poucas coisas,
Sempre acreditei messianicamente na esperança,
Nunca projetei grandes posses.
Eu não era fútil... E sabia.

No tempo de minha aldeia,
Nunca aprendi a confiar no mundo,
Sempre duvidava das coisas do mundo,
Duvidava das mentiras do mundo.
Eu tinha razão... E sabia.

No tempo de minha aldeia,
Nunca ansiei a felicidade,
Pouco entendi o que é felicidade e nem por onde a encontraria,
Queria apenas viver para realizar alguns sonhos de grandeza para o mundo.
Eu era apenas um menino... E não sabia.

Uma leitura de Fausto


“Os portais das trevas estão abertos e as sombras da morte invadem a Terra.” (“FAUSTO”, direção de Murnau Libreto e Hans Kyser, 1923, p&b, capítulo 1)


* * *

Nada melhor do que ler e reler os clássicos, já dizia um velho professor. Reporto-me aqui ao clássico de Johann Wolfgang von GOETHE, na sua obra magistral alemã, "FAUSTO". Tomarei como base o filme de Murnau Libreto e Hans Kyser (1923) em preto e branco do rústico delinear de atores e cenários com uma brutal expressividade de cenas e gestos típicos do impressionismo alemão.

A obra inicia-se com o diálogo de Deus e o Demônio, ou seja, Mefisto, o Lorde do Inferno. Mefisto deseja ser o soberano da Terra e aposta com Deus a alma de Fausto, um bom e honesto ancião e místico de uma cidadela minúscula na Terra. “Quer apostar que conseguirei a alma de Fausto na frente de Deus?”, pergunta Mefisto desafiando o Todo Poderoso. Logo, Deus desafia: “Se destruir o que existe de divino em Fausto, a Terra será sua!”.

Feito a aposta, Mefisto atira na cidade onde reside Fausto e toda a peste negra que invade os lares. Aos poucos, uma legião de mortos ronda a cidade e Fausto nada pode fazer para cessar a onde de cadáveres putrefatos. Todos os esforços do ancião tornam-se inúteis diante de tal profusão de chagas e o desespero abate Fausto. O temor de morte e medo domina a cidade. Orações sem fim não diminuíam a tragédia. O diabólico manto de Mefisto fica planando sobre os céus da cidade. Desesperado na sua sala entalada de livros bolorentos, Fausto descrente a Deus e renuncia a fé divina, encontra um velho livro de magia onde se podia ler: “Se você adorar o Senhor das Trevas, terá poder e glória para dominar o mundo.” Diante das circunstâncias, Fausto invoca Mefisto no maior erro da sua vida: ”Mefisto apareça!”, ordena Fausto. De prontidão, Fausto desce as catacumbas do inverno e de lá sela com sangue seu maldito pacto com Mefisto: trocar a sua alma pelos desígnios maléficos do demônio. Logo, o maior e mais tétrico dos pactos é selado, a liberdade pela escravidão da alma: “Renuncio a Deus e terei poder e glória no mundo!”, recita Fausto ao demônio. Mas o demônio jamais é um jogador honesto e compactua com Fausto apenas um único dia para “experimentar” e, somente ele, Fausto, que poderia solicitar a ampliação do prazo do pacto. Fausto sedento de poder aceita o pacto e começa a fazer seus milagres curando vidas pela cidade e semeando glórias. O demônio sorri contemplativamente a espera do momento oportuno para ganhar de vez a alma de Fausto. A glória do milagreiro ecoa na cidade, porém ao olhar diante de um crucifixo de um dos enfermos, a imagem de Deus, fez cessar seus poderes diabolicamente mágicos. Indignado com a mentira do demônio, Fausto tenta o suicídio, mas que é impedido por Mefisto. “A morte liberta o homem. Ainda você tem o resto do dia: é o nosso contrato!”, cobra o demônio. Agora, como parte do seu plano, Mefisto propõem a Fausto a juventude eterna e a felicidade suprema. Fausto não hesita em aceitar: “Dê-me a juventude!”, ordena Fausto para Mefisto e o envelhecido corpo de típico ancião se transforma num viril jovem. Para atiçar seus desejos, o demônio ainda lhe mostra uma linda jovem semi-nua para encantar todos os deleites do seu servo. Sobrevoando a cidade, Mefisto leva o viril Fausto de encontro da rica e bela donzela e seu palácio exuberante. O demônio se encarrega de transforma o simplório Fausto, em um grande marajá o qual adentra o castelo com seus elefantes gigantes e roupas cravadas de jóias. Para roubar a donzela, o demônio assassina seu marido e toda a culpa recai sobre os ombros de Fausto. Perseguido, o momento da “experiência” havia chegado ao fim e Fausto retorna a sua antiga condição de um ancião. Sem tardar e ansioso para continuar sempre jovem, o ancião Fausto renova seu pacto com o Mefisto. Agora sua alma eternamente será do Senhor das Trevas, além da jovialidade que o demônio havia prometido e seus serviços demoníacos. Ainda, Mefisto satisfaz Fausto com muito dinheiro, delírios, luxúrias, riquezas, mulheres e orgias.



Passado alguns dias, Fausto se entendia com todos os deleites que o demônio havia lhe ofertado. Andando pelas ruas da cidade, encontra uma bela jovem, Gretchen, a qual se apaixona imediatamente. Perdido de amor, Fausto não mede sacrifícios para conquistar o coração de Gretchen. Suplica à Mefisto para que o ajude nesta empreitada. Como parte do seu maligno plano, Mefisto entrega a jovem donzela uma bela corrente demoníaca a qual passa a usá-la como sendo o presente de Fausto. A partir deste momento, a vida da jovem está traçada para o abismo. Gretchen, apaixona-se por Fausto e na medida em que este amor se intensifica, amplia-se a desgraça de morte entre seus entes queridos. Sua mãe falece e em duelo provocado por Mefisto, entre Fausto e o irmão de Gretchen, o demônio mata o irmão da jovem e toda a cidade começa a perseguir o suposto assassino. Fausto foge e numa cidade muito conservadora, a “impura” Gretchen é também perseguida pelo seu “assassino amante”. Moribunda, humilhada, sozinha e vagando erraticamente pela cidade, Gretchen, sentia em seus braços o filho gerado com Fausto morrer de fome. Enganado pelo demônio, o absorto Fausto descobre da dor de sua amada e se rebela contra seu monstruoso criador. Condenada à fogueira pela morte do filho, Fausto busca em vão ajudar Gretchen. O demônio se regurgita em sonoras risadas assistindo contemplativamente o drama infinito de Fausto. Ao ver Gretchen na fogueira para ser queimada viva, corre para salvação em sua direção, mas o caprichoso demônio lembra que o prazo final acabou e alma de Fausto não mais servira aos seus propósitos. O jovial Fausto retoma a condição de ancião no exato instante que Gretchen é incinerada com o fogo cravando sua doce e frágil carne. Sem forças e em profundo desespero, Fausto atira-se na fogueira em nome do seu amor máximo. Era o fim do pacto com o demônio: Fausto havia dado a sua alma, e agora, a sua vida e seu amor, em troca dos prazeres lisérgicos do demônio.


Antes das cinzas abaixarem, o ardiloso Mefisto sobe aos céus procurando Deus a fim cobrar os louros da aposta: afinal, Fausto havia vendido sua alma ao demônio. Mas Deus, com sua suprema sabedoria, alerta ao demônio que Fausto apesar de ter vendido sua alma do Senhor de Todo Mal, se sacrificou com a vida em nome de sua amada. O diabo perdera a aposta e Deus sentencia seu veredicto final: “Qual a palavra que acaba com a dor e sofrimento?”, em voz firme e baixa pergunta ao indignado diabo: “Esta palavra é Liebe (Amor, em alemão)!”.

sexta-feira, 20 de julho de 2007

A mercadoria sentimental: o amor entre falas e favas

Falar do amor todos podem falar. A partir de poemas redigido pelos cotovelos, mensagens com péssima grafia em guardanapos ou rabiscos em portas de banheiro. Isto inclui os que nunca tiverem um amor ou mesmo praticaram sua quintessência. Todo amor digno de nome é um ato incondicional. Mudam suas formas, gostos e práticas, porém a definição vale até mesmo debaixo d´água (afinal, o deslanchar do prazer não está associado à alguma forma líquida?). Cabe ao ser amado compartilhar ou não das regras de um jogo de definições mútuas: ora tangíveis, ora invisíveis.


Amamos muitas coisas: o macho, a fêmea, o cachorro, o gato, a nova propaganda de cerveja, o gol de mão do seu time quase rebaixado, a cantada proveniente de alguém que canta até debaixo do chuveiro, aquele guarda-chuva que esquecemos em dia de temporal, o pão adormecido quando bate a fome da madrugada, o aumento de 1% na folha de pagamento (seja desconto ou salário, o importante é ter algo diferente para sair do tédio do holerite!), as trezentas e cinqüenta prestações sem juros (?) da última moda da indústria da poluição automotiva, a calcinha cuidadosamente visível da vizinha ou o novo investimento bancário de cara bom-partido que tem rosto de nádegas. Amamos, amamos... Só love?


Caindo na real, o amor não é uma mercadoria, embora o mercado insistir em prefixar seu preço. Na partilha, o bom mesmo é dividir, socializar, querer distribuir o pouco que possui. O socialismo do amor é permitido sem, no entanto, virar uma digna festa do cabide (o último apaga a luz!). É uma tarefa desprendida de egos ou individualismos fúteis. É uma batalha dual: todos ganham ou o inverso ocorre constituindo na tragicomédia coletiva.

Trocar dádivas não é obrigação imperativa, porém é um gesto de apreço, sentimento e reconhecimento. Aliás, quem não reconhece o outro, seja por medo, insegurança ou menosprezo, estará fadado a perder ou deixar de ser cativado. Toda independência depende necessariamente do reconhecimento do outro. O outro existe na medida em que é reconhecida sua autonomia. O amor é a liberdade. O prazer imediato é o labirinto. Quando não existe empatia entre amor e liberdade, os laços são ficções que podem beirar do platonismo demiurgo ao onanismo de ocasião.


Ninguém pode amar além do seu amor-próprio sem cair no perigo viés de um precipício autofágico. Amor não é alíquota a ser descontada no balanço teatral de nossas hipocrisias natalinas. Quando o Amor é uma construção da dádiva, os saldos são quase sempre positivos e alguma taxação de imposto podem ser descontados (não nos iludimos: assim como a falibilidade de homens e mulheres, naturalmente, não existe a perfeição sentimental!). Amor não é apenas passivo, é a atitude ativa que fortalece a confiança. Portanto, na partilha do amor, todos os gestos, por menores que possam transparecer, será sempre um momento de encanto que somente sedimenta a união em detrimento aos processos de diluição.


Podemos amar ou demonstrar amor até quando esse tal amor for suficiente para se oferecido ou quando a paciência permitir generosamente. Seja qual for a maneira de amar, cabe a cada protagonista marcar seu território e assim buscar atuar sem maiores cerimônias o seu papel. Nem devemos nos prender com as tolices de sempre buscar ostentar gratuitamente um amor sem subsídios. Amor sem contrapartida é sexo por correspondência. Isto não pode ser considerado um amor voluntário, mas apenas mistificação ou, mais profundamente, alienação.


O amor não é algo tão difícil que jamais possa ser entendo e não tão trivial a ponto de qualquer indiferença ou insensibilidade ponha tudo para escanteio. Cultivar o amor como um exercício do bem-viver é simplesmente marchar sobre terrenos não menos perigosos, porém com mais suavidade e firmeza. Não nos enganemos, o amor não é futilidade de prateleira de supermercado, nem pode ser parcelada em algumas vezes no cartão de crédito. Resistimos: há um brotar do solo enfermo uma réstia de luminosidade, talvez um momento terno de acreditar que ainda é possível ser humano num mundo cada vez mais hostil a vida humana.


Que o Kamasutra não nos engane. Fazer sexo é bom, pode até dar torcicolo, algumas marcas e arranhões. Para os mais pragmáticos ou esportistas, com algum montante de reais se compra qualquer desejo na esquina. Diferente do imediatismo presente no sexo, construir o amor passa por um processo de clivagem e que aos poucos é possível lapidar com um grau variável de perfeição o processo.


Amor e sexo não são meros antagonistas de teatro mambembe, mas a contraparte que se realimenta com maior intensidade na medida em que um lado dependa incondicionalmente do outro. Amigos não fazem amor, no máximo, um sexo amigo. Amantes não fazem amor, praticam alguns exercícios físicos que variam entre a ansiedade e a demência. Amor de uma única noite é “happy hour” mais longo que você acorda com dor-de-cabeça e perguntando a questão-chave: “quem é você?” (e que eventualmente pode piorar – e muito - nove meses depois!). O amor em solidão é castração. O amor e respeito pelo outro é o seu reconhecimento como sujeito e interlocutor. O amor é para os loucos de espírito que não se incomodam com as agruras da mesquinharia e continuam imergindo numa guerra hostil praticando seus pecaminosos exercícios de afeto e humanidade.

Sem parcimônia, todo mundo quer ser amado como Narciso enamorado por sua esfinge no espelho d´água. A contrapartida é que é o problema. O amor cede demais, o ódio nutre e aglutina os dissabores do ego. Logo, num mundo onde os valores morais se invertem drasticamente, o amor é o réu da angústia e o ódio é o alimento contaminado que alicerça a alma. Um falso sofisma que pode ser observado nas prateleiras de livrarias repletas de publicações senis de auto-ajuda. A escola perdeu seu espaço social e deixou sua tarefa de construir um aprendizado significativo de suas crianças e adolescentes para formar gerações de consumidores egocêntricos e frágeis. Ninguém quer mais sentir, apenas consumir. Consumir de forma alienante, rápida e indolor. Hoje, agora e neste momento.

Pervertendo as ilusões cartesianas: consumo, logo existo! Quando o amor se transforma em mercadoria, o prazer autista é a sua moeda de troca. Consumimos amor, sexo, amizade, educação, política, violência, drogas, fé e religião. Tudo o que se pode mercantilizar é o espaço constituinte da esfera do celeiro representado pelo consumo. No entanto, consumir sentimentos sem vivenciá-los é o mesmo que carregar o corpo sem a alma. É desumanizar o humano e encarcerar a liberdade. Sociedades mediadas pelas relações de fragilidade social e exacerbação de uma suicida ideologia do individualismo empreendedor e fútil constituem cruéis matrizes de grande instabilidade e tensão que poderá ir muito além do controle que a coerção da força estatal. A violência não se justifica simploriamente apenas pelas diferenças entre os donos da riqueza e os servos da agonia. Uma sociedade que mercantiliza e irradia o fetichismo de todas as formas de sentimento, reproduzem a vibratilidade de se constituir num pantanoso terreno de sua fragmentação como gestores do espaço público. Os sentimentos são cooptados pela rigidez bestial dos lucros e as relações pessoais pulverizam-se em meros segmentos de auto-interesse e satisfação do prazer imediato. Partindo desses pressupostos, a erosão da esfera pública será o triunfo da ganância irracional contra toda forma de organização social humana. Dita de outra forma, a civilização cederia espaço para a barbárie.

A respeito das manifestações da barbárie pós-moderna, observemos urgentemente Auschwitz rondando à nossa porta. Com a banalização do amor e dos mais elementares valores humanos nutrimos o estado primitivo e ameaçador que impulsionam os homens ao auto-extermínio. Em tempos de uma modernidade líquida sem juízo e tangida à um comportamento deletério doimediatismo consumista, o amor corre o risco de sucumbir na santa fogueira da Inquisição da modernidade: o estracismo.

Entre destruir e criar: a dialética do labirinto humano.

Uma das questões que mais perturba ao sincero escritor é aquela que se refere sobre a ação da escrita quando o público receia ouvir a verbalização impregnada na pele através das palavras. Talvez seja essa uma das tarefas mais hercúleas para um escritor que procura ser fiel ao seu leitor e ao mesmo tempo não cortejar a levianidade.

O que dizer quando tudo ao redor parece um labirinto semelhante aos atos fratricida da Faixa de Gaza? Quando as pessoas acreditam que é muito mais fácil jogar a toalha ao invés de fazer dela um manto sagrado que conduza à uma elevação do espiríto. Por que acreditamos muito mais nos atalhos equivocados em detrimento da labuta de um percurso mais extenso? Atalhos são muito mais rápidos, imediato e não requer muita paciência. Qualquer caminho que extenda em algumas léguas de suor já conduz seu imediatista pedestre à desistência.

Destruir sempre foi um caminho muito mais fácil. Derrubaram desde castelos de areia às construções sentimentais. Destruir é muito mais tentador, não requer muita prática e qualquer amador já pode ir praticando suas ações somente com rápidas folheadas dos primeiros capítulos. Nesse aspecto deletério das forças destrutivas, não há um horizonte que careça de maiores cuidados. Na distruição nada criadora, o espetáculo reside na mera desmoralização do padrão vigente. Podemos destruir sonhos de uma vida na fração de segundos, na pólvora seca do gatilho ou salivar a amargura de uma história que não deveria chegar ao fim. As destruições volutárias beiram muita vezes ao exercício pouco afável da autofagia. No submundo das emoções mais intangíveis, não existe uma clarividência entre o certo e o errado, e por conseguinte, atos destrutivos são condicionados a meros reflexos inadivertidos do inconsciente. A destruição começa a partir de pequenos sobressaltos e desemboca num irreversível dilúvio. A arquitetura da destruição é a matriz estética de Mefisto e seus asseclas.

Já a arte de construir é uma tarefa confinada a poucos. Deveria ser mais otimista tal passagem mas o mundo da chamada pós-modernidade não permite que o imediatismo avassalador perca tempo com uma articulação de argamassa e tijolos. Criar é uma exaltação à paciência. A tarefa da construção requer maturidade, vontade, suor e algumas gotas de lágrimas. Construir também não está imune a abalos sísmicos. Quando fragiliza sua base, a construção deve ter seu recomeço e suas fissuras devem ser sublimadas. A construção não premia a pretensão da impaciência, mas a tenacidade dos que destilam o silêncio do trabalho. Construir não é tarefa para amadores e tampouco de curiosos. Quem constrói melhora sua auto-estima, antecipa e minimiza dissabores e, pode ir além, sedimentar um horizonte muito mais receptivo às novas possibilidades humanas. A construção agrega valores nobres cuja riqueza não está retida na mera esfera mercantil, mas inseridas na concepção humanística de cada pessoa. Construir não precisa de regras tão requintadas. Ao contrário do que se possa pensar, a construção pode ser iniciada de forma muito simples, transparente e comunicativa. A articulação solidária entre campos diversos de conhecimento e comportamento faz com que a construção seja um elemento essencialmente multilateral. Construir conduz sempre um acréscimo positivo na alma.

A destruíção é muito mais tentadora, atraente e dissimulada. Existe um limite tênue entre a criação e a sua aniquilação. Uma folha de papel em branco pode ser tornar um belo poema ou uma decreto que autoriza a eclosão de uma bomba atômica. No silêncio do diálogo de surdos, quando se acredita que nada pode melhorar ou esta em uma condição superior que a anterior é um momento de desapego à vida. Olhar o destino atráves do retrovisor é sempre uma tarefa inglória, um sentimento de nostalgia do futuro e um medo de replicação do passado. Em tempos de surdez coletiva, cabe ao escritor fazer lembrar ao seu leitor que o túnel é muito mais profundo. Fugir da realidade é passível de aprisionamento existencial sem retorno. Podemos ainda, com muito otimismo, nos abrigar em um consolo: a luz sempre vence o delírio das trevas. Um simples feixe já pode criar uma grande iluminação. Acreditar que o mundo não é merecedor de cores é o mesmo que o refúgio repentino pouco acolhedor das acomodações amentrontadas debaixo da cama. Nas profundezas do labirinto tem muitas passagens, portas e alçapões. Acreditar que é possível transformar trevas em alegrias e sorrisos. Portanto, residente então o limite sutil entre o martírio destrutivo e a redenção da liberdade da vida.

Assim como ocorre em algum momento da existência, mudamos o rumo de uma trajetória com algumas atitudes que permitem seguir um caminho ou outro. E cada caminho pode levar à uma criação de um novo horizonte ou o apagar precoce de uma história que jamais irá ser registrada. Criar e destruir são irmãs siamesas que rondam sempre nossos passos de forma geralmente sutil, mas implacável. A opção por uma trilha longínqua ou atalho fácil não reside apenas numa atmosfera de pretensões imediatista. Cada escolha pode levar (ou não) a momentos de criação ou desembocar na sua contraparte, a destruição.

Criar e destruir não são apenas meras conjecturas ambivalentes da vida. Consiste simplesmente na condução pouco trivial entre soerguer das trevas em busca da luz ou o desabamento fecundo da indiferença existencial. Quando nos escondemos da vida nenhuma atitude é inocente ou indolor. No sepulcro labirinto da vida, caminhos e sinais mediam trajetórias e histórias de liberdade ou calafrio. A Criação e a destruição são acontecimentos simultâneos e díspares: quando uma começa a outra termina. E por fim, criar e destruir, basta começar...