quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Santa Sé, Fla & Fé



Torcedor é masoquista por natureza,
Acredita até mesmo quando o imponderável é inevitável,
A realidade que perverte a lógica,
A lógica sempre ser desautorizada,
A sensação que logo tudo acaba...

O gol que não entra,
O bagre que só bate cabeça,
A bola pesada dos pés de quem nem deveria ser do ramo,
É a trave,
É a barreira,
É o goleiro,
É o bico da chuteira,
É o lance que não foi chutado,
É o entrosamento jamais ativado,
É a tristeza otimista,
É o otimismo beirando o sanatório.

Na guerra só a garra,
Pois o futebol já ficou para trás,
É na fé, na esperança e na devoção.
Age Santa Sé!
São Judas Tadeu,
Santo padroeiro rubro-negro,
É ano sim, é ano não...
É o time sempre próximo do alçapão!

Tudo bem que nunca visitamos andares inferiores,
De campanhas gloriosas à lastimáveis,
No sufoco de fim de feira,
Na boca do sapo e no céu da boca da onça,
A torcida pergunta mareada e afônica:
Até quanto tanto sofrimento?
A promessa que o próximo ano será diferente,
Novas estrelas, novos espetáculos...
O caixa em dia e o gramado bem afiado.

Ah promessas, promessas!
Há quem diga que quem vive de promessa é santo,
Ser Flamengo é ser devoto,
Do futebol-arte ao futebol-malasarte,
Flamengo, Flamengo,
Vela, terreiro, santinho, arruda e reza...
Será que carecemos disso?
Ou até quando precisaremos de tudo isso?







segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Agrura





Quando os ventos da maldade,
Jogaram poeira em seus olhos,
Nossos singelos momentos se submergiram num voraz precipício...
A mentira contaminou o solo,
As flores se despetalaram-se e emudeceram-se,
Os nossos dedos desentrelaçaram-se e desbotaram-se na distância...

Se o amor é sintoma,
A realidade é castração.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013



A palavra presa na garganta,
É como um rio que não desemboca no mar,
a chuva que não precipita nenhuma gota d´água,
o corte que não sangra,
o amor que não flui...
Encarcerado em sua própria condição.




quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Saudade



A Saudade não é uma palavra,
mas um sentimento expresso...
Sintoma de uma dor latente
que finge ser vocábulo
para se esconder dentro do dicionário.



Anteparo



Passa o tempo, mudam-se as fórmulas, tocam-se os conteúdos,
Alteram-se as regras, alternam-se as cores, reelaboram-se as aparências...


A única coisa que se deve permanecer é a essência.
Nada poderá ser difícil de mudar.


Tudo pode parecer verdadeiro até que uma nova verdade se estabeleça no lugar...
Tal essência é o nosso próprio sintoma.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Os Três Pinguins





Numa casinha bem branquinha,
Caia uma neve bem mansinha.

Dentro dela havia três pinguinzinhos com muito frio,
Cada um ao seu jeito procurava fazer algo para espantar o martírio.

O pai caminhava impaciente para aquecer bem sério,
A mãe rezava sem cessar para o sol aparecer sem mistério.

E por fim, o filhote que brincava de aparar com o bico e jogar numa panela,
Os leves flocos de neve que caiam bem diante de sua janela.

sábado, 17 de agosto de 2013

Retalhos





Diante da tempestade,
na penumbra do silêncio,
no calabouço do tempo,
a Verdade é tudo que (ainda) resta.

Apesar disso,
é a primeira a ser
sacrificada,
ocultada,
encarcerada,
suprimida...

E por fim,
seguirá sendo a última
a ser libertada.

A verdade,
ou o que restará dela.





quarta-feira, 19 de junho de 2013

Sedução de Berlim (A Nova Ordem)



 (Berlim, 1933; São Paulo, 2013)

* * *


Aos que rasgam e queimam bandeiras hoje,
Ojerizam o livre debate político e a clareza idearia,
Repudiam a pluralidade partidária e sindical,
Grunhem frases feitas de ação e emoção fálica,
Destroem património público e símbolos locais,
Incitam a banalização da violência e afronta a racionalidade,
Numa guerra total de todos contra tudo.

Lembre-se que amanhã começarão a queimar livros,
Humilhar e hostilizar pessoas em público,
Agredir a todos que não compartilham dos seus ideais,
Tolher a liberdade de pensamento alheio,
Aclamar com vigor o poder da enérgica força.

As falsas verdades ditarão normas certeiras,
Escreverão cartazes pedindo uma nova ordem,
Perseguirão tudo aquilo que destoa do movimento,
Encarcerarão a liberdade e quaisquer opositores,
Enquanto todos aplaudirão com sorrisos catárticos.

Quando a esperança é a violenta força,
Uma bandeira sempre é erguida,
Que tremula no céu cinzento diante de olhos fechados,
Das cabeças ventiladas por um pernicioso puritanismo,
Serão eles, os fascistas e seus admiradores ocasionais.

Ontem, hoje e enquanto houver aqueles,
Que acreditam que a insanidade é melhor que a lucidez,
Serão aqueles que levantarão uma nova bandeira,
Da sedutora opressão contra a dialogada razão,
Da morte heroica contra a vida emancipada.

Quem não estará na ação propulsora estará partido,
Fragmentado e órfão de causas e ansiedades,
A mão sequiosa da irracionalidade contra a força política,
A democracia se tornará então mais um verbete de dicionário,
A nova ordem se empunhará sobre olhares entusiastas da orfandade,
Quando alguém se der conta, já estará encarcerado.

A nova ordem começará com mentes fechadas e mãos unidas,
E terminará com corpos lacrados e maldades reunidas.

terça-feira, 18 de junho de 2013

O "Cansei" Popular



Tarifas de ônibus?... Que nada, o negócio é exorcizar nossos demônios!
Catarse, catarse e simplesmente catarse.
Da alienação passiva a alienação agressiva.

Aos que queriam colocar gasolina na fogueira, conseguiram seus objetivos.
Aos que queriam paz, ficou olhando a paisagem pedindo inutilmente para que os outros não destruam.
A sedução do descontrole corre pelas veias aturdidas e embriagadas: o êxtase ejaculador!
Aos que queriam queimar bandeiras, poderíamos também queimar roupas, corpos e neurônios.

Braços erguidos, palavras de protestos e queremos tanto, tanto, tanto... Queremos mesmo o quê?
Agora protestar é legal, tá na moda, pois antes era coisa de comunista filho-de-uma-puta, de vagabundo profissional ou de bicha tagarela!
Agora é diferente porque alguém disse que é um grande "barato" e pode ser curtido no Facebook.
Agora é tudo, sobre tudo, contra tudo, contra nada e eu "nada sei".
Contra os safados políticos, contra a safada política, contra a safada tirania, contra a safada democracia.

Odiamos a ditadura da mesma forma que odiamos a democracia (tudo é mesma merda!).
Não gostamos de política, não nos interessamos por eleições, nem abrimos os jornais e nem quero saber de nada. Odiamos quem gosta de política!
Acordei de mau-humor, somente quero protestar e mandar tudo para aquele lugar!
O médico safado, o professor safado, o motorista safado, o patrão safado, o político safado, o policial safado...
Tanta gente safada, mas eu sou legal!

Xingarmos a mulher, o marido, o pai, a mãe, o filho, a família, o cachorro, a amante, o garoto de programa e a puta do bordel.
A direita sorri, incentiva e aplaude. A esquerda se perde sozinha.
Pode-se escolher entre ir para balada ou ir a algum protesto da "tribo" do momento.
Pode-se fazer o mesmo que se faz após encher a cara e destruir tudo pela frente, depois na balada, seja no volante, seja na mão.
Pode-se dar ou aceitar aquele suborninho, que ninguém vai ficar sabendo (tudo em surdina!).
Dos pacíficos revoltos aos pirotécnicos que ateiam fogo e gozam vendo circo se consumir em chamas.

Pra que ter norte se preferimos ter um país desnorteado?
Pra que ideologias se a força resolve tudo, seja na porrada, ou na pedrada?
Pra que programa político se o que traz barato é apenas reclamar para que o outro pense e resolva minhas demandas?

A força policial e a força dos boçais se unem em confraria para a festa da democracia às avessas comemorando o "jeitinho brasileiro".
A culpa é de quem?... De tanta gente!
A culpa é da polícia, culpa dos políticos, culpa da TV, culpa da internet, culpa do atacante que não fez o gol, culpa da sogra, a culpa é de todos e a culpa é dos outros (somente não é minha culpa, é claro!).
Alguém tem que levar a culpa de nossas próprias mazelas, oras? Que sejam os outros!
O bom cidadão, que vive calado, responde tudo calado, aceita tudo calado, mas se conforma no bar, no trago do baseado ou assentando a mão em alguma mulher.

Quando se é pobre, vive enlatado no trânsito, massacrado no trabalho, mágico no salário...
Quando se é classe remediada, vive se endividando até os tubos para manter as aparências e causar inveja na vizinhança.
Quando bêbado, o ilustre cidadão infringe as leis de transito e fica todo enfurecido se o viado do policial não aceitar os mirreis que o infrator irá lhe oferecer.

O pau não levantou? A culpa é da Dilma.
A mulher chifrou? A culpa é da Dilma.
A comida queimou? A culpa é da Dilma.
O leite esfriou? A culpa é da Dilma.
Não tirou boas notas na escola? A culpa é do burro do professor e da Dilma.
Não consegui pagar enésima prestação daquele carro que mal tem dinheiro para colocar gasolina? ( Putz, ai é culpa da Dilma de vez!)
Tudo é culpa da Dilma... Ah, esta mulher! Quem manda votar em mulher?

Mais de quinhentos anos de mazelas, e agora que este grupo vermelho chegou ao poder, não conseguiu consertar tudo de uma vez? Desbotou-se?
Quanto pior, melhor! Quero meu colírio entorpecente da alegria!
Poderia ser uma trepada no motel, mas foi uma coisa assim, sei lá, foi um protesto, meio sem jeito, mas foi, foi chegando, chegando e chegou à apoteose no meio da praça...
Na verdade nem sei por que estava no meio da rua, mas tudo bem, mas é ”mô” barato.

Que delírio mágico!
Saímos para as ruas, para gritar, para xingar, para protestar, dizer que existimos e...
Que depois vou tomar meu clonazepam para esquecer que eu existo!

A Pós-Modernidade é um liquidificador a todo vapor.

Pobre Brasil, de uma elite perversa e uma população que se mantém alienada...
Agora não mais passivo como outrora, subimos de categoria: da alienação barulhenta.
Agora o gigante soneca acordou do seu sono de Cinderela dos Trópicos!
Agora o gigante vai virar pós-adolescente com um comprimido de Viagra em uma mão e um outro comprimido de Retrovil na outra mão.
Já pode assistir filme pornô pagando meia-entrada no Cine Orion.
O Brasil já sabe ler: C-A-I-X-A (Poderá sacar uma graninha do FGTS).

O CANSEI POPULAR brasileiro é assim, muita energia, orgasmos múltiplos e um vazio existencial profundo.

(Na ressaca da democracia, o último que sair, recolha os estilhaços de vidro, apague a luz e feche a porta!)