sexta-feira, 24 de agosto de 2007

O teu silêncio é deserto


O teu silêncio se conserva em âmbar,
Como grânulos a espera da irradiação solar,
Para desabrochar em terra firme.

O teu silêncio calado são folhas mortas ao chão,
Transformando-se em lama logo nas primeiras gotas de chuva,
Fertilizando a ansiedade e a solidão.

O teu silêncio é tortura,
Amplifica a saudade,
Aborta a carne em desejo.

O teu silêncio é dor,
Na nossa pele o dissabor da ausência,
Que alonga a estrada da distância.

O teu silêncio é bronze,
Sombria luz do desconforto,
Não traduz a tua verdadeira essência.

O teu silêncio é medo,
Eterniza fantasmas em água morna,
Envaidece uma lacônica canção.

O teu silêncio é acomodação,
Destoa o coração e enegrece os olhos,
Seca a sede mútua da saliva.

O teu silêncio é provocação,
Nega o beijo que outrora foram cedidos,
Esconde abraços e corações em união.

O teu silêncio é punição,
Priva dois corações a pulsarem,
Mata em semente a emoção da vida.

O teu silêncio são lágrimas,
Que escorrem na solidão aguda da face,
Inundando nossas almas de inquietação e vazio.

O teu silêncio é mentira,
Que a dor procura te convencer,
Buscando fazer acreditar que o amor é um destino vazio.

O teu silêncio é lápida,
Soterra a esperança,
Assassina o emergir de uma nova página da história.

O teu silêncio é deserto,
Nega o passado e finge o presente,
Trêmula a pele com receio do futuro.

O teu silêncio é tristeza,
Corrompe a alegria,
Eclodindo chagas desvairadas na alma.

O teu silêncio é fuga,
Vidas paralelas, caminhos distantes.
Da diferenças das práticas a conjunção dos olhares.

O teu silêncio é distância de ti mesma,
Silencia a paixão,
Utilizas velhas artimanhas da solidão:
Mentiras para fingir conforto,
Desculpas para esconder o sentimento,
E tu colhes escondida a pequena gota de água deslizada na face.

Da profundeza de tua alma,
Estou a te buscar em silêncio.
Se queiras ser amada,
Não alimentes o temor.
Se queiras sair do vácuo,
Não permitas esconder-te em ostracismo.
Se queiras sair do silêncio,
Ecoas a luminescência da voz.
Se sentes saudades,
Afasta-te da indiferença.
Se sentes sozinha e indefesa,
Aproxima-te dos meus braços.

Mãos vazias,
Almas partidas,
Reféns indefesos,
Cercadas ferozmente
Por um melancólico silêncio.

domingo, 19 de agosto de 2007

O caminho das pedras


Tenho sempre fome desse
Lugar que nos foi espelho,
Das frutas curvadas dentro
De sua água, luz que salva,

E gravarei sobre a pedra
Lembrança de que brilhou
Um círculo, fogo ermo.
Acima é rápido o céu

Como ao voto a pedra é fechada.
Que buscávamos? Talvez
Nada, a paixão só é sonho,
Nada pedem suas mãos.

E de quem amou uma imagem,
Por mais que o olhar deseje,
Fica a voz sempre partida,
É a palavra toda cinzas.
(Yves Bonnefoy, “Uma pedra (Une pierre)”)



Mais uma vez derramei uma lágrima
Ao observar seus olhos em desconsolo,
A saudade e a angústia rebelando-se mutuamente em fuga delirante.
São infinitamente fugazes todas as tentativas de compreender a razão,
É a emoção calando-se de comoção existente no fio da vida.
É tão sobre-humano sobreviver em sua ausência,
É como um cofre sem chave,
Um corte sem sangue,
Uma dor amordaçada pelo silêncio!

Não direi adeus sem olhar para o firmamento dos seus olhos,
Não rebuscarei palavras fadadas quase insones,
Não desacreditarei na esperança imersas em trevas,
Não renegarei a benevolência de um Deus incompreensível,
Não sonharei um sonho de longos pesadelos e falsas tragédias!

Não! Bendito Deus que impera nas alturas,
Onde esconde seu manto de razão?
Justas são as palavras do justo,
Verdadeiras são as ações de um não-pecador,
Sinceros são os motivos que curvo meu dorso em busca da luz,
Não castigue minha hercúlea pretensão!
Purifico-me de desígnios oriundos de minhas inclinações mais íntimas,
No úmido escuro de meu calabouço,
Recluso do mundo, recluso da vida,
Esboço palavras com cores draconianas,
Quase como o sangue da pena que delineia tais versos,
Quase como cinzas do desconsolo d’álma,
Quase como uma prece louvando um desejo mordaz...
Como a própria insensatez!

Se o castigo é iminente,
Não temo ser podado da imensa árvore que floresceu!
A vida pode conter todo o sem-sabor da desrazão,
Mas as lembranças tingidas no pano de fundo da memória
Não são apagadas, nem mesmo alteradas substancialmente,...
A felicidade jamais é esquecida ou puramente sufocada,
A felicidade é suavemente perene quando se busca desvirtuar-se do óbvio,
A felicidade não se esquiva do inconsistente desequilíbrio da fobia!

A cada pedra revirada no seu hermético coração
Abrigam-se mágoas em silêncio absortas,
Absorvendo, uma a uma, cada lágrima de cada lembrança emersa.
A cada pedra que se instala em seu caminho,
Seus estreitos passos a circunda com sôfrego temor
E após alguma distância,
Uma nova pedra à vista
E, repetidamente, Você a contorna, mas nunca a supera!
Por que o temor se tem a vida adentrando o futuro?
Por que não pôr aos ares tais pedras arraigadas?
Por que o receio de não superar obstáculos irremediáveis?
Inverossímeis são as tentativas de liberdade,
Se o amor não for capaz de suplantar obstáculos,
Nada mais o será!
Se a dedicação não encontrar a saída,
Num labirinto em chamas seremos consumidos,
Sem tréguas, sem descanso, sem água,... Sedentos de vida a viver!

Entre anjos e demônios,
Você se aprisiona em um quarto sem claridade.
Entre anjos e demônios,
Você procura abrigo em pequenas verdades infundadas.
Entre anjos e demônios,
Céu e Inferno lhe confundem o caminho,
E sua incerteza é cada vez maior!...
Estática observa ao espelho através de si
E o que vê não lhe convence...
O travesseiro lhe faz companhia
E nele o desabafo se reduz em pranto...
O vazio lhe apavora,
Gotas de lágrimas respingam em sua roupa,
Mãos trêmulas, olhos estáticos,...
Seu coração anseia respostas
E a todo Você observa: Inerte!

Se a tarefa de um pároco é celebrar uma prece em busca de salvação,
A atitude de quem ama não poderia ser adversa,
Celebrar palavras que outrora são indigestas à razão,
Mas imprescindíveis em busca do conforto singelo da alma!
Se o silêncio é o símbolo do eterno,
Não poderei deixá-la nunca perecer na eternidade da ausência de palavras!
Cala-se quem procura enclausurar-se,
Mas nunca poderá silenciar,
Quem não teme a vida,
Quem não teme a cruz,
Quem não teme a dor,...
Jamais silenciará quem um dia
Almeja alcançar a felicidade,
Nada outorga indistintamente quem ama,
Apenas buscar uma incógnita felicidade
Quem merecer ser realmente feliz!

Em busca de uma canção de felicidade


Na ausência absoluta da palavra
Fico a imaginar no que fazer,
No destempero da angústia das horas
Reduzo-me a um invólucro adiabático,...
Inerte, lacrado em aflição,
Finto a solidão por meio de seu semblante
No infinito horizonte,
No desconforto de minha alma.
Anseio a resposta duradoura
Que possa de alguma forma porvir
Um sorriso nascedouro em seus rubros lábios.

Como enaltecer a sua razão
Se minhas ações se limitam
Em parcos gestos monossilábicos?
Indistintamente, recomponho medo e lucidez
No cerne abatido de meus sentimentos.
Fugaz é o último segundo do êxtase existencial,
No resplandecer da aurora dos acontecimentos,
Fomentar o seu ânimo
É uma tarefa que o oferta meus ombros,
Designa fascínio encargo,
Transformando em um desejo de ardil metáfora.

Se a intranqüilidade tinge seu coração
Com cores medonhas e escárnios indissolúveis,
Há de repousar sobre o manto da desolação
Uma hercúlea tendência a suportar
Dias indóceis, dias amargos,...
E em silêncio, rogo às têmporas divinas
Um bálsamo de esperança
Que afague suas inquietações,
Apagando a triste composição da angústia.

Há de sublevar sob seus pés
O ressurgir de uma singela alegria,
Uma toada recitada em harmonia com seus olhos,
E um jardim de rosas campestres a lhe envolver.
Neste dia, esmeraldina Ninfa,
Observará seus sonhos transbordados de realidade
E a Paz adormecerá diante do prisma do seu olhar...

A lágrima que percorrerá a sua face,
Será a minha lágrima lhe desejando felicidade!

Epitáfio


Jaz em mim o fim!
O que escrever no fim da página?
O que fazer das palavras quando já findam?
O que dizer quando tudo poderá ter sido dito?
Descrever o círculo pungente da escrita (quase maldita)?
Ou circunscrever uma dor no infinito?
O que escrever na página que está no fim?

O fim da palavra ou o fim da ausência de palavras?
Se as palavras não têm fim,
A ausência de palavras, sim!


segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Longe, tão perto!


“If I could stay...
Then the night give you up
Stay...
and the day would keep its trust
Stay...
and the night would be enough”

( Bono Vox, in “Stay(Faraway, so close!)”)


Alta madrugada,
Vejo Você cansada!
O trabalho não lhe permite parar,
Sua rotina incessante lhe induz a estafa,
Suas pálpebras teimam não se encontrarem,
Suas pernas são estacas que procuram não deixá-la ceder,
E em seus lábios a sensação acre do tédio...

Luzes rarefeitas, dia exaustivo...
Sua mente transforma-se num caleidoscópio sem brilho,
A depressão lhe causa pavor,
Você procura se manter calma,
Mas sabe que não é real,
O frio da noite lhe deixa resfriada,
Busca se aquecer numa blusa de lã,
Mas o frio é muito maior,
Não se aquece com vestimentas,
A dor de um passado convulsivo lhe deixou cicatrizes,
Você se deixa abater facilmente,
A monotonia lhe traz alienação,
Cansada!... Não sabe por onde ir
E a sensação da solidão enegrece seus sentimentos.

Luz verde irradiada dos seus olhos,
Você se encontra cercada por muralhas,
Não sabe se é vítima ou culpada,
Ao seu redor a pressão para que cumpra o dever,
Mas a quem Você deve?
Acostumava a chorar nas horas difíceis,
Suas lágrimas deslizavam sobre seu rosto
Como lâminas polidas de diamante...
Suas mãos não tremiam por cansaço,
Era o pânico que a faziam movimentarem,
Seu coração não era um músculo cardíaco
Era a sua alma latejando em dor.

Vejo Você sem que possa saber,
De um lado a outro eu sigo os seus passos,
Você não me vê,
E nem acredita que eu existo!
E quando precisa desabafar
Não percebe que estou na sua frente...
Aparo uma lágrima solitária percorrida do seu rosto,
Mas, Você pensa que foi a brisa que a secou...
Você, vencida pela fadiga, adormece...
Levemente afago seus pensamentos infortúnios,
Minha presença não lhe chama atenção,
Repouso minha mão sobre a sua suave mão,
Mas percebo que ela está fria
Como o medo em sua alma...
Eu procuro lhe tocar,
Meus dedos não lhe aquecem,
Não sente o calor de minha devoção,
Para Você não passo uma entidade adiabática...
Minhas palavras não lhe traz iluminação,
Parece não entender o meu idioma,
Faço contorcionismo para expressar minha voz imaterial,
Mas, tudo é vão!...

Longe, tão perto!
Distante de mim, distante do mundo!
Longe, longe de tudo!
Tão perto de poder lhe ajudar!...
Você procura se esconder da vida
Ou se acomodar para não mais machucar o coração,
O calabouço em que vive lhe deixa assim,
Num cárcere preso às angústias,
Os demônios que criou lhe aterrorizam
E, então Você fecha os olhos pensando que tudo passará...
Mas, está errada!...
Desta maneira seus temores não passam...
A menos que queira demonstrar disposição para enfrentá-los.

Você pode decidir o que quiser,
Ir para onde jamais foi,
Caminhar por onde nunca trilhou,
Basta tentar!...
Se eu pudesse ficar,
Minha mão entrelaçada a sua,
Um novo percurso seguiremos
Sempre adiante, sempre confiantes...

E quando Você cair, eu poderia lhe amparar,
E quando Você ouvir, eu poderia lhe acalmar,
E quando Você chorar, eu poderia o seu pranto enxugar...

Se eu pudesse ficar,
Uma chance teria para lhe mostrar
O quanto poderia lhe ajudar
A não mais entristecer,
A não mais lacrimejar,
A não mais sofrer...

E quando Você sofre,
Eu sofro duas vezes:
A primeira é pela dor que sente
E a segunda é pela distância que me impõem
Impedindo que eu possa lhe ajudar...

Se me deixasse ficar,
Então a noite não mais assustaria,
E eu ajudaria a lhe levantar...
Fique!... Confie em mim e mantenha a sua confiança!
Fique!... Com o meu espírito que lhe entrego!
Fique!... Com o caráter de quem possa salvá-la do campo de batalha!
Fique!
Aceite o meu amor e conceda-me uma chance!

Na parede o relógio diz que já passa das três,
Ainda não é manhã,
Uma prece vem em minha boca,
Devo recitar ?
E sem poder lhe sentir,
Tudo é silêncio,
Adormecida estão as parcas almas que encontraram um descanso final,
A maioria vaga inaudível sem destino, sem paraíso...
Aqui estou eu buscando pelos seus olhos,
E ao seu ouvido balbuciar: “Sou seu anjo! Vim lhe ajudar!
Você ouve um estrondo,
Apenas uma seca explosão,
Como se um anjo despencasse do céu...

Apenas um pálido ruído,
Como se um anjo beijasse a lona...
Como um lutador vencido,
Como uma derrota injusta,
Como o término de uma guerra sem vencedores...

Um anjo cai e perece!...
E Você chora,
Não sabendo o motivo
Da tamanha dor!
Mas sente que a vida lhe passa tão fugaz,
Quanto os seus sonhos de menina.

Um anjo cai e perece!...
Mas seu sonho permanece,
O sonho que um dia a felicidade lhe encontrar!...
E a sua alma então não descansará,
Não entregará o corpo ao solo úmido,
Enquanto esta missão não vingar!...

Trevas (Pequena canção para um amor ausente)


O que pensar
Quando estamos imersos no mar,
Sem poder comunicar,
Sem poder atingir,
Sem poder gritar a exaustão,
O que não pode mais sentir...

A luz esmeraldina que energizava,
Meus olhos perdidos em trevas,
As palavras parecem não elevar a razão,
As ações destoam-se em canções de amor partidas,
E as lágrimas decoladas das lembranças entre seus seios,
Somente elas restam no escuro silêncio da fobia mordaz!

Orar pelo Salvador não bastaram!
Recitar cânones versejos não adiantaram!
A lua empalideceu junto com a tristeza da madrugada,
Resta para as mãos vazias,
Salgarem as feridas abertas e inclinar o porta-retrato,
Quando se perde alguém...

Perdoar a quem lhe deu perdão,
Poderia até lhe fazer melhor...
Não diminuindo suas virtudes,
Enaltecendo o que restaram das virtudes!

A esperança poderá não ser a primeira a morrer!
Simplesmente, é a primeira a perder os sentidos!

Pior do que a morte,
É nunca ter vivido.
E quem nunca viveu,
Jamais saberá morrer!

Vísceras Sentimentais


Sobre o que vejo, talvez recordo,
Saber sobre a vida, receio a morte.
Dizem que há apenas flores abordo
Sob o vácuo, a lágrima é mais forte.

Mãos vazias falam de minha ânsia,
Sonho sacro de utopia idílica.
Sortilégios confortam a distância?
Amor sem flor, uma desrazão poética?

Deságua na alma uma fonte incerta
Que macula o campo da descoberta,
Um Amor tolhido em profusão?

Pares de olhos trafegam pulsares,
Fluído liquefazendo em dores,
Amor sobre vísceras sentimentais.

domingo, 12 de agosto de 2007

Aqui em nenhum lugar agora


Noite escura de vazio latente.
Há um calabouço em nossa volta.
Distância em profunda ausência.
O tempo dilacerando como folhas soltas diluídas em poças de água podre.
Bocas secas de tanto ansiar o dia que nunca chega.
Na estrada, conduzo solitariamente meus passos.
Sinto a sina do brilho dos seus olhos se apagando como luzes de um farol esquecido.
Os ombros pesam com o inútil esforço da espera maldita.

Nosso reinado durou menos que deveria.
Muitos fantasmas jantaram sorridentes diante de tantos receios.
Por que deveríamos ser castigados por desejar tão somente a anti-monotonia?
Seus passos hesitaram em atravessar a ponte.
Do outro lado da linha percebi que você não apareceria jamais.
Mas acreditem em vão em um derradeiro gesto de coragem.
Nada foi revelado.
Tudo foi abafado.
Reluzem os antípodas da felicidade...

Agora é cada um seguindo a própria sorte
Que será de nossa estrada em desunião?
Das flores podadas resplandecem as lágrimas.
Do silêncio amordaçado cultivamos vestígios de lembranças.
Da escuridão ceifo forças para erguer o mundo.

Na medida em que decidiríamos violentar as mesmices tolas do cotidiano,
Profanamos o túmulo putrefato da covardia interior.
Diante de receios seus olhos desapareceram em fuga ingrata rumo às trevas.
Seus caminhos foram abençoados na clausura por sádicos demônios.
Agora busca abrigo desesperadamente em débeis castelos de mentiras.
Renegou minhas mãos abertas em sua direção.
Herdei de um coração pétreo restos uma brisa fria e silenciosa.
Pobres indulgências para quem ousou cativar sua alma em aflição.

O medo sorrateiramente venceu.
Tudo retornou aos grânulos secos de pó bolorento e alguns farelos de mágoas.
E a velha mesma história ressuscitou como chaga:
Era uma vez...
Você, eu e nunca mais...
Aqui em nenhum lugar agora.

Janela Vazia


Mais um dia que se esvai...
Sei que o Amor perdeu.
Já não é novidade neste caminho insólito,
Olhando os fragmentos ao redor,
É a única certeza transparente.

Cansei de belos lábios fomentadores de falsas promessas.
A noite obscurece todos os seres vagantes,
Não há distinção entre o Bem e o Mal,
Apenas o vácuo reina em absoluta harmonia.
O oxigênio sufoca tua pálida alma,
E o medo pueril é o pontificado de tua estúpida teimosia.

Se por um dia fosses o meu olhar,
Ficarias comigo até o amanhecer.
Se por um momento sentisses o meu desejo,
Possivelmente ficarias eternizada ao lado meu.
Se permitisses internalizar o meu corpo,
Não se sentirias tão solitária agora.
Se as tuas mãos ocupassem o lugar das minhas,
Tuas lágrimas não deslizariam perdidamente a beira do precipício,
Se minhas palavras fossem realmente digeridas pela tua boca,
Não sentirias frio nas longas madrugadas vazias.
Se as névoas da insensatez evaporassem,
Viveria um dia a mais somente para ficar junto ao teu corpo.

Ao longe, sons de trombetas agonizantes ecoam,
São os anjos anunciando a abertura dos portais,
Na estrada da discórdia rasteja a saudade...
Não adianta abafar o silêncio com as mãos,
É o nosso Apocalipse a conta-gotas como triunfo de tua apatia.
Silenciaram as canções que afagavam corações,
Rasgaste as palavras recitadas a exaustão,
Há uma tenaz amargura em meus lábios,
Triste olhar de teu vulto na memória.

Com medo da vida,
Fechaste a porta de acesso,
Tua janela é um incolor cartão postal do deserto,
Não há vitória entre nossos dedos,
Se sentisses por um breve momento os sinais da alma,
Entenderias o azedume da absurda tempestade,
Alimento voraz da separação...

Ah, menina de pouca fé...
Pavimentaste com os pés a trilha do desafeto,
Escondeste na penumbra do silêncio,
Acreditaste em uivos de falsos cordeiros,
Atiraste pela janela a chave do labirinto.

E para todas tuas lágrimas,
Teus olhos marejados,
Ainda não seria o bastante...
Para tanto amor,
Tão grande dissabor.

Cine Ilusão (VOX CLAMANTIS IN DESERTO)


Luz alta em holofotes escaldantes,
Mostrei-lhe a rota para escalar o labirinto,
Queimei-me as mãos nesta investida,
Ceguei-me abruptamente a miopia,
Sacrifiquei-me voluntariamente as artérias,
E agora vem você dizer simplesmente adeus?

Curvei-me em sua direção,
Lutei contra fantasmas insolúveis,
Teci pacientemente palavras aos seus olhos,
Escalei vãos precipícios levando nos ombros orquídeas, papéis e tinta,
Colher-lhe-ia ainda mais flores para envaidecer todo o seu deserto,
E agora vem você negar seus lábios?

Desci ao fundo de sua alma,
Velei seus temores mais irreais com incenso,
Vendavais jorraram areia na nossa face,
Fomos castigados pela flacidez da sua coragem,
Substituímos pateticamente a epiderme pelo silício,
E agora vem você maldizer a devoção?

Penetrei na selva dos seus enganos,
Atravessei avenidas guiado pelo aroma do seu suor,
Conduzir minhas mãos para afagar suas lágrimas,
Clareei suas noites com pequenas canções,
Abracei torrencialmente seu corpo junto ao meu,
E agora vem você dizer que foi tudo ilusão?

Ah, mal escarlate que deságua nos seres desprovidos de sentidos!
O seu orgulho é como o medo que formiga suicidamente a realidade,
Lembra do desejo que umedecia o seu íntimo?
Perceba agora... É a apatia que fomenta um microcosmo de ilusões,
Num vasto e tétrico silêncio com receio de acordar,
E agora vem você ingenuamente “deletar” nossa história?

Pois bem, aceitaremos passivamente um inexorável destino?
Olhe o céu e veja algumas teimosas gaivotas voarem livres,
Outras preferem acomodarem no cativeiro,
Na vídeo-ilusão de nossas minguadas vidas,
Não existiu espaço para um final menos infeliz...
E agora vem você eclipsar o que restou dos respingos de felicidade?

No seu porto solitário que expõe os dentes por qualquer fantasia barata,
Sua vida de grandes lacunas vazias inundada pela pequenez dos dissabores,
Venera equívocos como esfinges perfiladas com aura de verdades absolutas,
Parcimônias falaciosas liquidificando seus volúveis pensamentos,
Vampiros mefistofélicos adornando solenemente o pescoço,
E agora vem você ignorar minhas mãos?

Fui o anti-herói de sua história,
Uma brevidade de longa coerção,
Purguei no óleo de sua apatia,
Como um cambaleante náufrago, acreditei em seus belos lábios de sereia,
Atirei-lhe todas as possíveis cartografias pela janela da sua retina,
E agora vem você encarcerar tudo num lacônico curta-metragem?

O que sobrevive são repetições de conhecidas sessões...
Vidas separadas,
Amores impossíveis,
Cateterismo da existência,
Questionamentos da matéria,
Tolas preces no deserto do real,
Pipocas ao vento na avant-première do nosso cine ilusão.

Auto-engano


Não ceife com uma réstia de escárnio
o pranto alheio moldado em carne latejante,
com a mesma facilidade de zombar docemente
de um olhar em ódio tinindo em sangue.

Não esfacele as últimas pétalas de folhas atiradas ao chão
já embriagadas de vinho fartamente encharcadas de máculas,
onde o destino teima em desviar o curso do inevitável estilhaçar das mãos
e não esqueça de levantar a cabeça antes que a perca para sempre.

Não sufoque a dor lastreada em uma fé cuja profundidade é um pires
com a mesma força que esquivou os lábios da boca febril em desejo,
já não há tempo para cultivar as sementes da discórdia
a brevidade da vida é implacável com os descrentes e os idiotas.

Não brinde com o cálice venenoso que enegrece o olhar,
tanta obscuridade ofusca as luzes das tolices contidas em bordas fragmentadas do anjo,
e não esqueça que o mesmo martelo onde talhou os pregos que corroeram a carne de Cristo
poderá ser o mesmo para demolir muros outrora intransponíveis e celebrar a custosa liberdade.

Não insulte o Amor com as mesmas crendices acovardadas e alardeadas pelos imbecis,
provavelmente estará no coração dos enfermos a resposta para as pontes amaldiçoadas,
não sele com lábios trêmulos a carta de apresentação ao Purgatório de Dante,
antes um beijo entre lâminas a adaga pontiaguda adormecida no coração.

Não espere que a solidão seja o melhor Paraíso das almas em tormenta,
a cada passo nos atalhos da vida será uma porta adicionada ao seu calabouço voluntário,
ouça bem atenta a canção daquele que busca em vão os avatares caminhos do labirinto
e não internalize o auto-engano seduzida por cânticos de ardilosas lamúrias do Minotauro.

Não postule tolas mentiras com o inútil ensejo de trair o próprio coração,
se todas as mentiras fossem verdades indissolúveis,
nenhuma verdade seria necessária
e viveríamos com pálidos sorrisos eternamente afogados em um adiabático turbilhão de enganos.

Não cultive o medo como sendo a insana expressão máxima da vida
com a mesma tenacidade daqueles que romanceiam a dor como o último dos subterfúgios
o seu sorriso se amarela com a tristeza dos olhos sem solo
e não acomode os delírios infantis de uma esperança que jamais virá a se concretizar.

Não sorria para os outros apenas para transparecer a falaciosa felicidade do coração
ninguém colherá uma única lágrima quando estiver refém da escuridão do quarto,
será inútil gritar quando o tempo consumir em chamas a rota da estrada
e todo o caminho já terá sido perdido e sem volta.

Não celebre na morte
a mesma ânsia de reviver nas trevas,
a vida que não soube
como vislumbrar na Terra...