sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Microcontos Natalinos (III)



(I)

Pede a criança sorrindo:

- "Papai Noel, tira uma foto comigo?"

Se esquivando:

- "Tá louco? Se me pegam na Internet com um menino no colo vou ser preso por pedofilia!"


(II)

Num presídio brasileiro:

- "Pô véio, qualé da bagaça?"

Noel se justifica:

- "Seu celular, meu filho".

Logo é repreendido:

"Ai Comédia, quero meus direitos e o barato agora é iPad, falô?"


(III)

Numa esquina à meia-luz:

- "Vai um programinha?".

Noel recua:

- "Obrigado, estou trabalhando!"

A dama insiste:

- "Curti o visual sadomasô todo vermelho!"

Animado, reflete:

- "Bem, ninguém vai notar uma horinha de atraso!"


(IV)

Abordando uma criança na esquina:

- "Feliz Natal, sou o Papai Noel!"

De repente:

- "Se liga véio! Não tenho pai e nem mãe! Sou Febem e vai passando o saco!".

Com um olhar lacônico:

- "Oh Deus, já cheguei ao Brasil!"


(V)

Pensativa, Presidenta Dilma pergunta:

- “Honrado trabalhador natalino, que anúncio é este na minha testa?"

De prontidão, Noel justifica:

- "Como preciso vender meu trenó, você é o poste de maior visibilidade no momento!"


(VI)

Na sede paulistana de uma dada torcida de futebol:

- "Frimesa Veiu, du caraiu o pesenti du ISTADIU!"

Noel antecipa:

- "Apreciem logo, pois vem vindo um temporal e vai desmanchar todo o açúcar do SONHO!"

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Microcontos Natalinos (II)


(I)

- "Noel, cadê as renas?", indagou a menina.

O velhinho externou:

- "Na era dos direitos. até as renas foram procurar os seus... E advinha quem vai puxar o trenó?"


(II)

Lula encontra um certo velhinho:

"Companheiro Noel, nunca antes nesta vida tive oito anos tão supimpa!

Cabisbaixo, Ele exala:

"E pensar que levei a falência todo o Pólo Norte!"


(III)

Sacolejando, Tiririca vibra:

- "Bigadu Noelzim, num sabo lê nem iscrevê e sô diputadu!".

E lamenta Noel:

- "Ai da minha mãezinha que será bem lembrada nos próximos anos".


(IV)

- "Valeu Mano Noel, vai ser o Natal da gente!", agradece Netinho pelo presente.

O velhinho sem perder tempo:

- "Já que o Senado virou pó, agora poderá esbofetear à vontade sua mulher inflável".


(V)

O rato curioso:

- O que faz ai, Noel?

Retruca:

- "Não está vendo que entalei na chaminé?".

O rato chateia:

- "No Brasil não tem chaminé, Mané!".

Em fúria, segue o recado:

- "E rato também não fala!".

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Microcontos Natalinos (I)


(I)

-"Isto é muito mixuruca, velho!", reclama o garoto recém presenteado.

Ignorando a querela, Noel retruca:

- "É para você se lembrar caso venha a virar no futuro mais um político!".


(II)

- "Mãe tem barulho na sala!", diz assustado o garoto.

A mulher assustada acorda o marido:

- "Ligue para o 190!".

Logo vem a notícia:

- "Esqueça, é apenas o Noel!".


(III)

O sino tocou.

A criança chorou.

Alces a afins viraram garbosas renas.

O velho deixa de lado a aguardente mamada e esbraveja:

- "Chega de ócio. Agora eu sou Noel!"


(IV)

- “Ho-ho-ho! Chegou o Papai Noel!”

A mulher cochicha ao pé-de-ouvido:

- “Querido, tem gente na casa ao lado...”

E vem logo a impaciente bronca:

- “Vá dormir e deixe nossos vizinhos aproveitarem o desconto de Natal do Viagra!”.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Poema para o Dia de Finados No. 2




Laisse-moi devenir/ L'ombre de ton ombre/ L'ombre de ta main
("Ne me quitte pas", Jacques Brel)


A dor é a ante-sala da loucura,
É a esfinge corrosiva do luto,
É o mais trágico dos afetos,
É a luz que pulsa no gargalo das trevas.


Sob a luz tolhida do exaurido coração,
Lampejos de lembranças de dias horríveis,
A perda inexprimível de entes queridos,
A distância calada de velhos amigos.


O amor atado na cruz,
Os sonhos outrora vencidos,
As lágrimas que nunca findam definitivamente,
A ternura jamais esquecida.


Os dias devastados pela claridade,
Os pássaros cantando envoltos em neblina,
Um entoar acanhado e longe de ser alegre,
E invariáveis noites nunca adormecidas.


Tantas coisas que se desejaria apagar,
Como um imaginário controle remoto sempre a mão,
Escolher o canal que diferencia a boa da má programação:
Quanto engano, quanto devaneio!...


Quando a retina se perde na fresta da janela,
No fosso da ilusão, tudo parece estar como antes,
Cabisbaixo, os olhos são fustigados por lembranças,
A morte parece não estar presente nestas horas.


No estado de luto são desvelados pensamentos a cada momento,
Privando a memória de matar a dor,
Ampliando a angústia repaginada,
A ausência nunca esquecida.


A dor nunca abandona a alma,
Mas vida faz aprender o dever de aparar algumas arestas,
O amor por razões indecifráveis pode cessar a prosseguir,
Os sentimentos guardados são almas velejantes.


Ao sabor do mar,os fantasmas caminham livremente suscitando a angústia,
De tanta indelicada crueldade,
A morte nunca deixa a dor descansar,
Ressuscita a cada lembrança que lateja permanente na memória,


Na madrugada seca e sem o sabor de uma vulgar brisa,
Somente o desgaste do lápis rabiscando sobre papéis em branco,
Recita a canção de mais uma noite,
A morte nunca carrega o sofrimento para a cova.


A dor nunca assassina ou permite-se ser assassinada,
Apenas corrói a alma transformando-a num simples objeto esquálido,
A vida e a dor são irmãs dialéticas e xifópagas,
Por mais que se odeiam uma em relação à outra.


A dor-afeto que tanto pulveriza os olhos,
É o que nutre vagamente os alicerces dos dias,
Na vã tentativa de combater a pulsão mortal,
Com único alento de dar sobrevida ao resto de existência.


Edith Piaf remete-se na intensidade do corte na carne,
“Les feuilles mortes” e“Ne me quite pas” desalinham os olhos cerrados,
São Paulo, Leningrado, Shangri-lá ou Atlântida...
Por onde reencontrar os passos da perda?


O silêncio canibaliza querelas de esperança,
A morte nunca deixa a dor gangrenar,
A dor em viva latência como a seiva deslizando da árvore castigada,
A dor é o fulcro ocular que testemunha o prazer sucumbido.


Cintila uma dor no peito,
Aquela maldita dor no peito!
Sua atrocidade não lesiona os tecidos,
Porém seus caprichos fulminam a alma.


No Dia de Finados,
Invariavelmente chove,
Chuva fina ou temporal,
Porém tudo isto pouco importa neste momento...


O cheiro da terra úmida não desfaz as memórias,
Não deixa desaparecer a presença do coração,
Como lágrimas nutridas de lembranças,
Um polvilhar indigesto de silêncio e saudades.


Quantos mortos foram tragados inutilmente por guerra, peste e fome,
Quantos mortos foram banidos da vida sem piedade,
Quantos corações foram afastados do calor do abraço,
No berço de cada lápide adormece uma estrela chamada saudade.

domingo, 24 de outubro de 2010

O Idiota Político




O idiota político é um fardo social,
Não vê,
Não crê,
Não grita,
Não reflete,
Não age,
Não vota,
Não colabora,
E somente sabe dizer amém.


O idiota político se julga superior,
Na sua mediocridade,
Na sua estupidez,
Na sua covardia,
Na sua indolência,
Na sua desfaçatez,
Na sua falta de caráter,
Na sua insipiente história.


O idiota político é uma tartaruga narcísea,
Com seu casco hostil de asco e indiferença,
Se esquivando lentamente do mundo debaixo da cama,
E fica regando a enorme flor-de-umbigo do seu jardim das mazelas.


O idiota político quer que todos vão pastar,
Para deixá-lo quieto em seu minúsculo quadrado,
Quer que cada um se vire por si mesmo e se esqueça dele,
Deus para proteção própria e Belzebu para os demais.


O idiota político zomba de todos que lutam nas trincheiras da injustiça,
Regorjeia de todos que não aceitam serem escravos,
Critica a todos aqueles que ainda não se venderam,
E ainda tenta corromper os indecisos na vida.


O idiota político é um pobre diabo autista,
Balança a cauda ritmado por um patético latido,
Lambe com volúpia as feridas da ganância e insensatez,
E ainda se satisfaz na frigidez do sexo por correspondência.


O idiota político vale muito pouco ou quase nada,
Se vende por qualquer quinhão ou por uma promessa esvaziada,
Pensa apenas no imediato segundo existencial de um fóton,
E vive oscilando de lado conforme a pressão da dança da maré.


O idiota político é um pária da ignorância,
Vota na pior das escolhas somente para febrilmente gargalhar,
Não percebe que o único palhaço é o seu próprio semblante,
O grande nariz vermelho que adorna sua face abestalhada.


O idiota político é um ser moribundo,
Não se preocupa saber se é noite ou se está frio,
Vive com o nariz resvalando no teto e joelhos flexíveis,
E nunca percebe a corda roçar a sua garganta.


O idiota político é um ser desnorteado,
Rumina tudo aquilo que é jogado em sua direção,
Rói com avidez os ossos atirados ao chão,
E ainda lustra com a própria língua as botas da opressão.


O idiota político é uma vítima das circunstâncias,
Fruto do deserto onde foi sadicamente parido,
Estático no jardim esvaziado de sua história,
E segue destilando a arrogância frívola dos desmemoriados.


O idiota político vive dizendo que deseja a Paz,
Mas diante de seu invólucro adiabático somente fomenta a guerra,
Permite que a opressão atinja a todos os indefesos,
E assim colabora para ampliar as estatísticas da barbárie.


O idiota político não quer verdadeiramente nada na sua vida,
Prefere que seu destino seja ofertado à própria sorte,
Comodista, ainda espera que nada atrapalhe o curso de sua vida,
E assim seguirá tranqüilo para o seu tão esperado leito de morte.

domingo, 10 de outubro de 2010

Última Primavera



Há pouca novidade nesta estrada sem iguarias,
Tampouco correm certezas fora da realidade,
Quando em separado somos menos fortes,
Pouco vale a pena ir para além da razão.


Talvez você não tenha compreendido o valor real,
Sim, a volúpia indisfarçável entre seus olhos,
Preferiu rasgar os sentidos e tingi-los de qualquer outra cor,
Apenas para não ceder ao seu lado mais sensível.


Ser forte tem a justa certeza quando não cedemos para o óbvio,
Ao contrário do que imagina, o que abala seu coração é a face do inadiável,
Celebrar a falta de sangue fluindo nas veias não é salutar,
Por que não se deixou levar pelo que sentia dentro do peito?


Talvez possa encontrar muitas razões,
Todas elas imensas num mar de insólitos vazios,
Preencher estas lacunas na solidão é um feito inverossímil,
Pior é aceitar passivamente correr em círculos quando assustada foge de si.


Na estação rodoviária tudo é sinal de transição,
Sinais futuros e passados mesclando-se no presente,
Não há mal que se perpetua tão ordeiramente,
Não vale a pena ser voluntário de uma narcísea muralha.


Ceifar a palavra é camuflar uma dor,
Aquela dormente em lábios cerrados,
Fingida no peito e sussurrada entre lágrimas ao travesseiro,
Quão feroz é uma fortaleza de fumaça?


Ouça o chamado latente adentrando aos seus tímpanos,
O encontro entre nossas superfícies seria uma urgente vontade,
Sem dúvida, bem mais suave seria um banho sob o manto de uma noite morna,
Ao invés da fratricida distância estabelecida sem nenhuma compaixão.


Agora, resta o incômodo lamento pela tentativa frustrada,
Vão foi buscar preencher com alguma doçura o seu impenetrável receio de não desejar,
O medo do Outro é a fagulha que incomoda e lacra o seu corpo,
Contaminar a epiderme com a possibilidade de ascensão da Paixão.


Numa noite de chuva cortante e frio áspero,
Onze horas fluídas no relógio ao longe,
Venceu sua relutância movida a uma auto-proteção egoísta e insana,
E deixou nossos olhos um pouco mais úmidos.


Aplausos! Distantes, apenas garantimos uma frieza atroz e inútil,
Minhas malas estão prontas para partir sem olhar para trás,
Agora, os travesseiros circundam seu corpo solitário na cama,
Assim seguiremos... Assim celebramos nossa última Primavera.


(Terminal Rodoviário Barra Funda, São Paulo, setembro de 2010)

domingo, 19 de setembro de 2010

Exaustão (Psicografia Cotidiana)


Bem ao certo diria sem pestanejar,
Nada se sabe com precisão por longa data,
Se a força incide com ímpeto em dado momento,
Nada poderá ser dito para os atos em futuro além.

Há um desvario que transcende a razão,
A perfídia dos sentidos não inspira confiança,
Olhar desbravado para a exterioridade do berço,
Os pés não descolam do frio leito do cativeiro.

As bobagens são atiradas como fetos indesejados ao solo,
A crueldade patente dos que não acreditam na vida,
A esperança é um título de livro de auto-ajuda,
Entre os dedos há um odor de pólvora.

Uns lutam com idéias, outros pelejam com sangue,
Mentir é sempre muito mais fácil do que ceder,
Trair é voluntariamente mais sedutor e operante:
Ganhar, ganhar, ganhar sempre e unilateralmente.

Racionalizar as emoções como se elas fossem meros axiomas,
Crava-se no peito alheio a indiferença banal e fortuita,
Acumular a materialização da vida como uma inútil rota da prosperidade,
Uma Bíblia na mão e uma oferta para a igreja dos usurpadores da fé alheia.

No viés de suar onde muitos lutam pelo pão,
Espalhados como areia, os desejos viram cascalho e poeira,
A opressão se torna tão banal como o anoitecer,
A letargia engole o poder de indignação.

Futuro incerto, cotidiano previsivelmente insosso,
Calhar de tudo parecer tão pragmático quanto irredutível,
O mecanismo asséptico da vida no retorno à moda de Comte,
Correr, exaurir e ainda contracenar o escárnio no YouTube.

O desvelo da vida é a descoberta de si,
O vácuo esquecido no indecifrável inconveniente,
A dor de fixar os olhos no espelho de Lacan,
Nada é tão doloroso do que próprio reflexo do Eu.

Na vacância da sobriedade, sobra então regurgitar a cegueira,
Quem não vê, não tem o que refletir,
O sonho burocrático é como a sorte na roleta-russa,
Apesar do iminente fracasso, não custa aplaudir a mesmice!

Entre mentiras involuntárias e ilusões pueris,
Aglutinam-se cada vez mais seres num mesmo fragmentado microespaço,
Uns arrotam pluviosidade do vernáculo com palavras efêmeras e vazias,
Outros fazem de tudo para justificar o sadismo sob o rótulo de "civilização".

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Asfalto Cortante (Interior do Interior)




Apartam-se os sonhos com a fécula da maldade,
Destronam-se as ilusões com o deságüe dos rins,
Risos descomedidos à título de arrogância,
Estilhaçar o Outro em latente desprezo.


No horizonte sem prumo, o Sol demora a se pôr,
Assim como a dimensão inexata dos sentidos,
Não cabe ficar sentado assistindo o Tempo deslizar,
Esperando a lâmina próxima do ponto atingir o clímax.


Diante dos frutos despencados pelos dissabores,
A turva rota segue sem perde de vista,
O resgate que a estupidez tomou para si,
Mas é chegada a hora das coisas seguirem o seu curso.


A tarde clareia toda a estrada,
Em rotas e curvas sem fim,
Cedo ou tarde, chegaremos a algum destino,
Sem levar em conta a assombração do superego.


A solidão cravada no ritmo dos pneus,
Na paisagem folhada de verde e asfalto,
Seguir adiante sem olhar o que passou,
O compromisso é a herança do futuro.


Pouco se diz quando tudo poderá ser resgatado,
Na derrota sem lastro, o cárcere é pesado,
O silêncio é o sinal da reles indulgencia,
O riso sádico e mecânico exposto para os vencidos.


A vaidade é a febre terçã dos fracos,
Virulenta página que enegrece o livro da vida,
É mais fácil ceder do que conquistar,
O dedo em riste é a saída do ego para as inquietações.


De louros minguados à insossa indiferença,
Se elevar a todo custo para não sucumbir,
O ritmo da estrada não dá chance para longas paradas,
Olhar o céu como uma fusão de liberdade.


A confiança é a primeira vítima,
Cai como a fragilidade latente na epiderme,
Trêmula e raquítica como a tez anoréxica,
O cristal se reorganiza, mas raramente se cura.


No final da estrada saberemos o que vale a pena,
Resignada, a vida é um finito ciclo de chegada e partida,
Abrir mão daquilo que causa algum mal,
Abraçar aquilo que bravamente poderá fortalecer.