sábado, 27 de dezembro de 2008

Diáspora (A Fuga de Si)


No campo das batalhas sem trégua,
Poucas são as nítidas certezas diante da escuridão,
Que possam visualizar todo o terreno estéril da guerra,
Travadas entre verdades conflitantes e mentiras louvadas em carro aberto.


Quem garante à veracidade dos fatos?
A verdade estampada numa falsa razão,
Quem percorre os dias velando as noites?
Quem se atreve a permitir a correr algum risco?


No curso da diáspora sentimental,
Ninguém quer ter ciência de absolutamente nada,
Vive-se com a auto-suficiência aprumada na ponta do nariz,
Quem é que se importa realmente com alguém?


No castelo de cartas empilhadas de promessas vazias,
A fuga desesperada dos dias sublimados pelo pavor atávico,
Fechar freneticamente a porta e jogar a chave pelo ralo,
Ironicamente, talvez esteja no fétido esgoto a réstia para alguma lucidez.


Quem marcha de cabeça baixa à passos largos sem olhar o retrovisor,
Pode-se deparar subitamente diante do pára-brisa,
Correr tanto para não ir a parte alguma,
Correr tanto para viver um nada absoluto?


Os vocábulos não-abertos sem piedade,
Ouvidos tampados em desespero com as mãos,
Olhos lacrados com a dormência das pálpebras,
Os sentidos amordaçados atirados pela janela.


Na tentativa de fechar o corpo para não sentir dor,
Tarefa inútil e sem nenhuma chance de sucesso,
Fingir que nada sente é mentir para si mesmo,
Mas afinal, quem é que deseja saber a verdade?


Com a singularidade do mecânico ponteiros do relógio,
Os pés entre cacos de vidro guiam-se em procissão pelo deserto,
O ar rarefeito asfixia a garganta e não é ofertado brisa alguma,
Diante das trevas, só há o percurso para explorar um inexorável vazio.


Machucam-se solenemente uns aos outros,
E mesmo assim todos se dizem sentir-se felizes,
O sangue derramado é o cálice à ser degustado,
Na perfeita orgia das veredas da destruição.


Olhando-se atentamente para trás,
Vale a pena confinar tamanha desolação?
Na terra onde zero é zero é creditado como algo positivo,
Quem realmente deseja alguma luz no fim do túnel?

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

O Jardim do Abandono (A Secura dos Olhos)


"Entrai pela porta estreita (larga é a porta, e espaçoso, o caminho que conduz para a perdição, e são muitos os que entram por ela),
porque estreita é a porta, e apertado, o caminho que conduz para a vida, e são poucos os que acertam com ela."
(Mateus, 7.13-14)



No jardim prostrado de nossas mágoas,
Polvilharam um mar de cal à esmo,
Na tentativa de matar nossas flores,
E não vingar mais nenhum sopro de vida.


Quando a noite cair sem piedade,
E os abutres adornarem o seu leito,
Quem sabe poderá erguer-se do mortal transe,
Que impede-lhe de caminhar com liberdade.


Muitas mentiras salobras foram vociferadas,
Litros de fel depositados em suas artérias,
Desfalecendo sua vontade inata de viver,
Com seu corpo em vida esperando ser levado ao fim.


Não se iluda com quem faz promessas de convenções sociais,
Não confie nos profanos pecadores disfarçados de querubins,
Foi justamente um anjo torto que despencou do Céu,
E subitamente se tornou o sinistro Lorde de todo o Mal terreno.


Seus olhos se fecharam lentamente à sangue frio,
Suas entranhas deixadas ao relento foram invadidas por canibais,
Que sugam sua seiva de maneira vil e silenciosa,
Quando se der por conta da devastação talvez seja tarde demais.


Nas cartas que lhes forem entregue ofertadas de desejo,
Haviam sempre um pouco de sangue do meu coração,
Tantas palavras calejadas e cortejadas para sua glória,
E sobraram a insuficiência da sensibilidade para entender seus significados.


Não acredite que o Amor seja um sustentáculo dos desenganos,
Não se oculte para o que você outrora já havia aprendido com louvor,
Não adianta seguir a maldição dos atalhos fáceis na escuridão,
Caminhar contra a própria vontade é partir rumo à um voraz precipício.


No silêncio nós nos encontramos,
Numa atmosfera turva e dolorida,
O peito acesso e as feridas ainda expostas,
Nada passa impunemente sobre a carne estiolada.


Os lábios continuam pálidos e secos,
Na espera que possa sair do seu labirinto de autofagia,
Peço aos Céus que não permaneça enfeitiçada pelo canto dos chacais,
E carregue sempre consigo o crucifixo quanto não mais suportar a dor.


De tantas flores ricamente ofertadas à sua retina,
Nossas lágrimas à distância regam uma terra arrasada,
No jardim do abandono e muito longe um do outro,
As flores não crescem e não fixam nenhuma morada.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Reminiscências


Há sempre um Inferno em cada um de nós,
Um Amor que queima, angustia e corrói,
Atado à esteira intranqüila do tempo,
Cintilando no peito envolto de dor.


Não há mágica que transfigure toda a realidade,
As palavras geralmente não traduzem toda a dimensão,
Sentimentos latentes à flor da pele castrada de desejo,
O Sol que brilha lá fora não passa de uma vã miragem.


Pensamentos que questionam à todo momento,
As desconstruções irreais e fratricidas da vida,
Ilações que não encontram respostas aparentes,
Para os vendavais e mãos escondidas no bolso.


O Inferno não é lá,
Faz-se presente bem aqui dentro,
Destempera e amplifica o silêncio,
A saudade desabando e personificada em cachoeira.


Por que teríamos que nos contentar com os descaminhos?
Súbita ausência de olhares que foram interditados pela insensatez,
Não podemos acreditar e aceitar trágicas tolices senis,
Nenhuma fé é maior do que a vontade de viver.


Na antártica solidão, novamente desço ao Inferno,
Não temo lanças pontiagudas perfurando o músculo cardíaco,
Em alguns gritantes e perplexos momentos na vida,
É preciso dialogar com os blefes atemporais dos demônios.


Pés à marchar e não finjo o que não sou,
Soldado involuntário de intermináveis batalhas,
Não pleiteio nenhuma narcísea recompensa,
Qual glória seria maior do que a luz emanada dos seus olhos?


Na terra onde tudo se torna usufruto da banalidade,
O Inferno se torna um lugar seguro pela sua autenticidade,
Bem ou mal, cada alma sabe os motivos de sua estada naquele recinto,
E talvez deva permanecer por lá mais tempo do que o previsto.


De mãos abertas, não busco louros piegas ou honrarias artificiais,
Carro com motorista na porta ou multidão acenando alucinadamente,
Não quero pote de ouro e tampouco alguma espécie de tesouro,
Contentaria-me com a singeleza do toque suave de suas mãos.


Não desço ao Inferno sem nenhum propósito,
Não garimpo nenhum tipo de salvação à sete-chaves,
No tempo que traga e armazena no ventre do dragão tantas almas viventes,
A única certeza mesmo é o desejo inadiável pelos seus lábios.


domingo, 21 de dezembro de 2008

Natal sem Você


Pensar, pensar, pensar...
Tenho andado a refletir,
Sobre questões que angustiam à memória:
Algumas fortuitas e muitas vezes lacônicas,
E ainda outras desnudando um fundo lírico de melancólica.


Nestes meus pensamentos sem fixa morada,
Você é a figura emblemática e onipresente.
Sinto na carne o quanto é difícil sublimar qualquer paisagem,
O soar de sua ausência de palavras,
A tez de seu rosto,
A intensidade de seu singular olhar,
A volúpia pelos seus lábios.


Sucedem-se os dias, semanas, meses!
E, inerentemente, chegamos no ensejo natalino.
E na triste razão da desértica realidade,
Abrigada pela ingratidão canhestra que o Destino nos reservou,
Mais um Natal sem seu calor por perto.


Como gostaria de estar ao seu lado,
Para poder ler seus pensamentos,
E tentar desvelar todos os medos no calor dos seus lábios,
Afastar os fantasmas que adormecem ao seu lado,
Que exploram a fobia dos seus receios mais atávicos,
Que invadiram como um intenso feixe de luz negra à sua retina.


Mesmo que o sofrimento e a angústia,
Sejam as áridas companhias que nos proporcionaram à revelia,
Ainda serei capaz de ir muito além no desbravar na floresta de desenganos,
De tudo o que já busquei realizar com minhas mãos aprumadas para o alto,
Na esperança de regatar seu abandonado apreço pela felicidade.


Cantar é como a lágrima,
Que brota ardente dos seus olhos:
Alva, atônica, sonora,
Nutrindo o subterfúgio do seu travesseiro.


Silenciar é como a dor,
Que desatina do seu peito:
Forte, angustiada, inaudível,
Consumindo como um cancro a sua alma.


Sonhar é como a flor,
Que resiste na aridez da tempestade:
Firme, tenaz, heróica,
Acalentado algum movimento de libertação.


Mesmo que na penumbra de Natal,
Você não esteja ao meu lado conforme a vida poderia ter nos proporcionado,
Mesmo que o martírio da distância nos separe por tempo sem relógio,
Mesmo que no momento não compreenda estas tolas palavras,
Mesmo que seja voluntária na maldita prisão que foi coagida à adentrar,
Não estará em nenhum momento imaterialmente solitária!


Sim, sua aura estará sempre presente!
A cada instante da intempestiva inconsciência,
Na fantasia dos devaneios em sono fragmentados,
Na atmosfera sôfrega das palavras esvoaçadas nas gotas de chuva,
Na solitude indignada deste meu coração.


Nem todo o desalento das madrugadas em claro,
Nem todo o desapego de seus ânimos,
Nem toda a réstia de insensatez que roubaram nossa visão,
Nem todas as lágrimas que torrentemente emergiram,
Nem todas as mágoas que ecoaram na calada noturna do vazio,
Nem nas bordas da fronteira do seu auto-engano,
Nada pesam perante um virtuoso sentimental Amor,
Natal com o desejo indescritível de amar Você!


Nenhuma maldição haverá de durar para sempre,
Nenhuma mentira tem força suficiente para navegar até a costa,
Nenhuma artéria possa se esvair com todo o nosso sangue,
Cedo ou tarde, toda a insensatez irá se pulverizar,
Um filete de iluminação conduzirá seus passos para fora do tétrico labirinto,
Ventos mais calmos e cristalinos haverão de trazer liberdade para seu ventre,
E assim, o Natal que agora é apenas um, enfim será a dois.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Nuvens Pálidas (Caminhos para Araraquara)


Na estrada que amplia a distância dos nossos olhos,
As nuvens arrebatadas se coagulam num toldo azul,
Os ponteiros caprichosamente ficam colados um no outro,
Fazendo o tom da viagem parecer não ter fim.


Os carros e caminhões seguem em sua procissão diária,
A estrada é o fio condutor da minha alma sem maiores solavancos,
A paisagem floresce em pastagens nuas e disformes,
O horizonte é tão vasto quanto a saudade dormente.


Na trilha dos roteiros desconhecidos,
Qual caminho você peregrina sem aviso?
São tantos os atalhos e pontes disponíveis,
E todos servem de fuga para algum paradeiro.


Não havia vazão que pudesse nos diluir,
E, no mínimo, a razão foi deixada de lado,
Talvez se clareasse um pouco mais a retina,
Sentiria que nenhum atalho sozinho é melhor do que uma rota a dois.


Então os lábios são encobertos com espessa lona,
Tudo é frio e escuro quando o Sol está à pino,
As nuvens ao topo como celeiros de algodão,
Assisto sem controle remoto o tempo não fluir por inteiro.


No caminho longo desta estrada sem sinal de fim,
Não importa onde, quando ou como chegar,
Se o seu sorriso não mais me recebe à porta,
Os meus olhos se fecham sem nenhuma glória.


Há quem possa afirmar o quanto nada vale o Amor,
Quando as críticas são despejadas na cara dos “imbecis”,
Seria sucumbir frente à descrença pragmática,
Ou a verdade é sempre uma mentira aparente?


De certo, penso que seu coração é bem maior do que qualquer angústia,
Mas sei que agora isto parece ser um tesouro de pouca valia,
Se o mundo é tão vasto, assimétrico e turvo,
Por que diabos eu teria alguma razão nisto tudo?


No tempo em que o tempo nada diz,
Não sei qual razão é possível questionar,
Seria melhor fechar as portas dos lábios,
Ou deixar uma fresta para quando você resolver voltar?


Diz o relógio que devo levar mais duas horas,
Talvez um pouco mais além do previsto,
Entre São Paulo e a rota araraquarense,
Há coisas que continuam tão pálidas quanto as nuvens na minha janela.



(Rodovia Washington Luís, km 197, 03 dezembro de 2008)

sábado, 13 de dezembro de 2008

O Inferno Avulso (Canção para o Livre-Arbítrio Permissivo)


“Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma;
temei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno tanta a alma como o corpo”

(Mateus, 10.28)



No caminho das mentiras insólitas,
Bordados com fios de suma hipocrisia,
Sementes mirradas de escárnio salobro,
Vampiros libertos em mata fechada.


Os medos espúrios acuados na alma,
Labirintite de passos espasmos e cambaleantes,
Agorafobia que calcifica solenemente os olhos,
Claustrofobia sinuosa e sufocante que adere à pele.


Sob a borda de bocas famélicas de tantas falsas verdades esvoaçantes,
Em líquidos lares enfeitados com aflição e conflito,
Regidos pelos cinismos de sorrisos plásticos e depauperados,
A insaciedade de medíocres e egocêntricas querelas.


A noite com seu véu agonizante e obscuro,
Encobre as agruras dos passageiros noturnos,
As cinzas solitárias rumando para um incerto Paraíso,
Os imundos vícios que vicejam todo o ambiente.


Aos que matam sem piedade,
Aos que ferem sem compaixão,
A cegueira beneplácito da maldade,
A malta torpe que age por lascivo instinto animal.


O frio que palidece e enrijece cadáveres,
Cemitério voraz que contamina a razão,
Treva insólita que afugenta a sensibilidade,
Palmas para o Inferno nosso de cada dia!


O cotidiano mesquinho que pasteuriza dos dias,
A instabilidade que se esconde atrás do dial,
A sede dos chacais pela próxima vítima,
O Amor sem lastro deixado em banho-maria.


O culto bizarro da banal violência arcaica,
As vítimas inocentes da selvageria sem trégua,
O tempo torrente transpassado pela gritante dor,
Quem se atreve atravessar a velha ponte?


A solidão intrínseca de cada ser,
Mordida e vociferada com angústia,
As pequenas insanidades pueris atiradas ao ventilador,
Como tijolos lançados numa lagoa cheia de mágoas.


A desonestidade dos malandros à espera da oportunidade,
Içada para corromper os desavisados,
A inútil realidade dos que nada sabem,
O riso exótico e alucinado de insaciáveis coveiros de plantão.


Os demônios ocultos atrás de portas e gruindo no celeiro,
O sangue destilado dos olhos marejados de anseios,
A impossibilidade do gozo total que sufoca o ego,
O Inferno particular que fragmenta qualquer cotidiano.


Há esperança diante do inevitável vazio?
Alguns fecham a porta e fingem que não existe qualquer dor,
Outros aderem ao crucifixo e bombeiam para si o plasma alheio,
Ainda há alguns poucos que jamais desistem de qualquer batalha.


Grite, grite todo aquele que não tem mais voz!
Levante do seu moribundo leito de morte em vida!
Aos que pregam com efervescência a dor como Paz,
Não aceite um punhado de grãos de areia como consolo.


A criança que chora de fome e sede de afeto,
Seria o afago de uma indefesa prostituta o seu alívio?
Palmas para os que cuspem com desprezo na própria testa,
Queimaremos todos no mesmo altar da estupidez humana.


Aos que mimetizam Pilatos e decidem quem deve viver ou morrer,
Aos que pisam nos ossos e na garganta de nossos pares,
Aos que deixam os corpos esquálidos apodrecerem ao relento,
Que o Inferno possam lhes trazerem alguma recompensa!

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Mirante (Sem Perder a Direção)



“De que servem as flores que nascem/ Pelo caminho?
Se o meu caminho/ Sozinho é nada”
(“
Inútil Paisagem”, Tom Jobim)


O que poderia lhe dar,
Mais além de tudo que já possui,
O que mais poderia ser entregue,
Muito além do que já foi ofertado?


No mirante do jardim à beira do seu leito,
Cada rosa cultivada é um pedaço de história,
Tingida à ouro, fé e algumas lágrimas,
De alegria e dor bordada à quatro mãos.


Na longa plataforma da distância,
Cada passo tangido é um abrigo,
Um silêncio mordaz, cortante e zeloso,
Sublimando todas as nossas vontades.


Os olhos lacrados não conseguem alcançar,
De tão longe que seus passos roubaram você de mim,
Onde estão seus lábios que meditam calados,
Onde está o Sol que se avergonha atrás de muralhas?


Nada é simples quando o mar é revolto,
As embarcações são atiradas à esmo,
Na deriva dos anseios perplexos,
Quem causa dor, tece saudade.


O tempo que maltrata e corrói as bordas,
Como uma sangria de sedentos gafanhotos,
Dilaceram o que não pode ser destruído,
Dissabores hostis em doses homeopática.


Por que se entregar à sangria de dolorosas práticas,
Correr, calar e ocultar,
Quais razões povoam o arquipélago do seu coração,
Quantas palavras foram postas porta à fora?


O medo que mergulha no horizonte dos pensamentos,
A angústia de cada passo desequilibrar e cair no vazio,
Não se expor para não derivar nenhum risco,
Quem muito se protege, nunca se vive.


Os olhos que tanto irradiavam luzes,
Que outrora poliram minha retina,
Hoje cerro as pálpebras com inquietação,
Observando o mirante, sigo o meu caminhar.


Não me embriago no cálice de mágoas,
Que a vida é feita de coragem,
Quem luta possui a vantagem de prantear a vitória,
Se cair, também será um pranteio de vitória.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Dedicatória (Elementos para uma Canção Cotidiana)


Quando ao acordar pela manhã,
O corpo ainda não despertou totalmente,
Seus pés ainda demoram a ser firmarem ao chão,
Meus olhos atentos guiará seguramente suas mãos.


No percurso que leva até o seu ofício,
No meio do tráfego intenso e aturdido,
Com a cabeça martelando inquietações,
Conduzirei os seus passos para amenizar o desconforto.


Na batalha cotidiana pelas tarefas obrigatórias,
Um café amargo e a pilha crescente de documentos,
Incansável labuta onerosa que conduz dias à fio,
Ficarei observando bem atentamente o seu empenho.


Sob as agruras provenientes da secura do ar-condicionado,
Ou no calor abafado pela estufa que se forma no ambiente,
O crescente cansaço inato das mãos e um pouco de cefaléia,
Tocarei seus ombros levemente buscando diminuir toda a tensão.


Rápida pausa para a alimentação sem descolar dos ponteiros do relógio,
Na urgência rítmica da tarefa bem-feita,
Na precisão implícita da qualidade empregada,
Estarei aplaudindo a competência tão bem exercida.


O corpo exausto é iminente,
As horas duras demoram a passar,
A respiração acelera e a ansiedade desponta na derme,
Acariciarei seu rosto de forma a dar-lhe algum alento.


A tarde passa sem lastro,
A noite caminha à passos lentos,
A rotina do dia chega ao seu esperado final,
E com uma rosa sobre o seu cabelo irei observar aquele singular sorriso.


Na saída, uma típica chuva de verão desaba,
Inconveniente e com seus longos pingos d' água,
Mas longo o temporal se apazigua em fracos chuviscos,
Protegerei seu corpo para manter suas vestes aquecidas.


No ansiado regresso ao lar,
Os pés cansados repousam sobre o estofado,
Pensamentos assimétricos e soltos sem encontrarem morada,
Meus dedos sentindo com ternura e leveza a sua face.


Logo, aquele lento e acalentador sono chega sem aviso,
Adormecida, seu corpo relaxa tranqüilamente,
Mais uma noite para repor brevemente a energia empregada,
E receberá meu beijo de afeto cintilando em seus lábios e desejando-lhe boa sorte.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Sortilégios


Não há estrada,
Por onde eu caminhe,
Que seu semblante não esteja presente,
Incorporada com o confinamento incontido do coração.


Os dias são sorvidos até à exaustão,
Um misto de trabalho e memórias,
Melhor mesmo seria desatar os enlaces entre nós,
Porém, nada me faz desvencilhar do seu olhar.


Muito mais fácil seria mentir,
Fingir e sorri palidamente para todos os cantos,
Diante da crua realidade do quarto imerso no breu,
São tantos os pensamentos que não adianta teatralizar.


O tempo ainda veleja carregado e nublado,
Seja além do parapeito da janela ou diante do desfilar de sortilégios,
Uma tonalidade sem cor descritível e brilho turvo,
Seguem secos os lábios com a esperança de tocá-la em algum momento.


A crueldade malogra do destino,
Que nos une, pune e separa,
A insensatez do tempo desnecessário,
As palavras arquivadas num baú de desencontros.


Os desarranjos separam os dedos,
As mãos abertas sempre perfiladas para o alto,
Submundo hostil de pouca iluminação,
O vácuo solene dos vocábulos inaudíveis.


A claridade da tarde começa a se esvair,
Inicia-se um novo oceano transbordado de desalento,
A saudade pétrea que bate à porta todos os dias,
As palavras são mais intensas do que rimas simples e banais.


O que cabe a cada um de nós,
Sem nenhuma certeza diante do futuro,
Estrada rompida e cheia de imperfeições,
Quem é o dono do seu próprio caminho?


A cada noite esvoaçante observo ao relógio,
Um sentido muito mais ávido que vai além da Paixão,
Como se pudesse contar cada desejo de estar ao lado,
Sublimando todo o mar de prédios e asfalto que nos desagrega.


Tomara Deus! (Algum Deus dos ateus?),
Que a verdade se levante do seu leito de confissão,
Que possa ser ouvida as palavras do orador,
Que se oculta e se desnuda em sua direção.