domingo, 8 de novembro de 2009

Súplicas (Tardio Contágio)


Escravos de Jó jogavam caxangá
Tira, põe, deixa ficar...

(Cantiga de Roda)



Na primeira vez que veio até a mim,
Você disse que me amava tão fortuitamente,
De prontidão eu não tinha motivos para acreditar,
Afinal, o hemisfério racional diz que palavras sem atos são tão vazias.


Passou-se o tempo e as mudanças de fase da Lua,
O Sol levantou-se impávido e o trânsito demente ruía,
Distante, ao meu lado você caminhava tão isolada,
Queria entender o motivo pelo qual eu não lhe sentia.


Olhar, estar e não cantar,
Aproximar, sorrir e não cativar,
O vulto que anda sobre as águas,
A sombra gélida que não aquecia.


Da segunda vez você novamente se aproximou buscando intimidade,
Falou alguma coisa sobre comezinhos de Amor e fragmentos de ternura,
Sua fala parecia tão irreal, tolice simplória e aparência sutilmente mecânica,
Mais uma vez eu não acreditei e palidamente caminhamos em frente.


Desconfia-se tão rapidamente dos olhos que enfeitiçam,
Receia-se das palavras salobras sem endereço exato,
No breu noturno todas as imagens se escondem na penumbra,
Como seria possível afirmar sobre a claridade do Amor?


Quanto ao desejo que silenciosamente suplica no vácuo,
Muitas vezes não é sentido pela leveza do toque se aproximando,
Cegueira, vaidade ou gotas exauridas de mordaz desprezo,
Ninguém sabe explicar ao certo o motivo da ausência.


Da terceira vez suas palavras quase convenceu meu peito,
Senti até mesmo um carinho atípico vindo da sua direção,
Naquele momento queria acreditar que talvez tudo pudesse ser verdade,
O medo da desilusão era maior do que o calor espontâneo do afago.


Tantas palavras são truncadas na veleidade dos ventos,
Juramentos e promessas bucólicas esvaziam-se no tempo,
Já testemunhei tantas pérolas que engordariam as paredes de um baú,
Vocábulos estilhaçados que embriagaram as bordas bolorentas de vários diários.


Nunca fui cúmplice de inverdades veladas e mentiras banais,
Também contribuía para não flexionar a haste do orgulho,
Não entendia que a indiferença fosse à mordaça dos sentidos,
A paixão se ergue através de flores, pedras e tacapes.


Da derradeira vez ouvi sua trêmula lágrima segurando minhas mãos,
Naquele momento senti tão forte emoção, doçura e desespero,
Seu Amor era tão sonoro, intenso e verídico tanto quanto desconfiava,
Agora só restou a dor e um punhado da terra que abraça o seu corpo.

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