domingo, 26 de fevereiro de 2012

Pequenez



Para não buscar o todo,
se contenta com frações.


Para não construir um castelo,
se contenta com alguns tijolos.


Para não mergulhar no mar,
se contenta com um copo cheio d´água.


Para não seguir o destino,
se contenta com os falsos atalhos.


Para não curar a dor,
se contenta em trocar a cama.


Para não abrir os braços,
se contenta com as mãos nos bolsos.


Quando a totalidade é substituída pelo fragmento,
A vida se reduz a um mero instante desbotado no porta-retrato.

Princípio



Sozinhos, somos tão incipientes perante o universo,
Uma mera gota vagante e moribunda no leito oceânico.


Não nasce uma flor no asfalto e tampouco no chão antártico,
O medo fragiliza, a mágoa enrijece e a ignorância embrutece.


Enquanto o sorriso adiciona leveza e o amor oxigena a alma,
A mesma mão que afasta também poderá suplicar cooperação.


O Tempo é uma cruz para os desatentos,
E o melhor mestre para os aprendizes.


A vida se faz muito mais presente como sementes...
Que florescem generosas e harmônicas no jardim da solidariedade.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Psicolastro



Deus nasce originalmente mulher,
A vida sempre começa com um semblante de Mãe,
Verdade ou não, nada mais importa,
Quando o que se "é" contradiz o que se parece "ser".


Quando o olhar materno se desvia para o lado,
Cria-se a figura do Pai para intervir no espelho da posse,
De uma tríade fundante da percepção de mundo nasce o Desejo,
Do Pai se fez Édipo: Amém!


Para o nosso estilhaçamento narcíseo,
O Desejo é inexoravelmente o Desejo do Outro,
Quando menos se espera,
Talvez algo possa se revelar.


Nas trevas do silêncio atroz,
Na claridade plúmbea do luar inglório,
No calabouço dos sentimentos vorazes,
Na imensidão do vazio dentro de si...


Quem sabe o dia possa chegar a hora,
Quem sabe a vida possa ser além do que é,
Quem sabe se tudo voltar o que nunca foi,
Indagações subcutâneas queimando a alma...


Quem olha para si não vê a hora,
Quem não olha tem quase o mesmo efeito,
O espelho que reflete partes do todo,
E o mesmo espelho que é a porta do mundo.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Apartamento Vinte e Dois



Rompendo na escura madrugada de minguadas estrelas,
No silêncio módico de um pequeno hotel,
Uma música fina se arredia no breu da cidade,
Um frio intermitente no recinto que o rigor do inverno abraça.


Sobram pensamentos vagando insolentes em poucos metros quadrados,
No teto, o ventilador estagnando observa a insônia,
Entre o levantar de um gole de água e os pés pisoteando o chão frio,
O cobertor inquieto transcorre todo o perímetro do leito.


Vaga sem maior abrigo a natureza das idéias,
Rebobinar pensamentos que queimam ao revisitar a mente,
No percurso inglório dos trilhos sem destino,
Cortante como papel fino, os versos acompanham o olhar no espelho.


Talvez a saudade traga algum conforto,
Na prática, é sempre um luzir esmaecido,
Cutuca a derme com sua incomoda ponta de aço,
Os lábios cerrados se mantêm calados neste momento.


Quais feitos são realmente importantes na vida?
Para quê abrir mão de algumas coisas vitais?
Partilhar desconcertos tão sem sabor,
Apostas realizadas na interface do inconsciente e ego latente.


Levantar lentamente aprumando os olhos,
Na expectativa de sempre ver adiante,
Não curvar diante das intempéries,
Tudo tão fácil de seguir como enxugar gelo no verão.


O que falta para conduzir a vida?
Um punhado de dinheiro ou a claque da platéia?
Na luta interna para abrigar honra, sanidade e compromisso,
Não há espaço para sentimentos raquíticos.


A claustrofobia nunca é uma boa companhia,
Com o tempo, se aprende a conviver,
No recinto do quarto tão vasto quanto às angústias,
Num mundo multifacetado de apenas dois cômodos.


Na ponta da caneta coexiste um celeiro da inquietude,
Registro de alguns rascunhos encarcerados na garganta,
Entre malfadadas batalhas inglórias e um longo caminho ainda a ser vencido,
Numa mesma madrugada onde reina o silêncio e o esgotamento.


Sem deixar marcas indeléveis na superfície do corpo,
A quietude que aprofunda o leito vazio e no músculo do coração,
Nenhuma resposta surge com mínimo consolo ou abnegação,
Diante do inevitável, somente resta fechar o caderno e as pálpebras.