sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Apartamento Vinte e Dois



Rompendo na escura madrugada de minguadas estrelas,
No silêncio módico de um pequeno hotel,
Uma música fina se arredia no breu da cidade,
Um frio intermitente no recinto que o rigor do inverno abraça.


Sobram pensamentos vagando insolentes em poucos metros quadrados,
No teto, o ventilador estagnando observa a insônia,
Entre o levantar de um gole de água e os pés pisoteando o chão frio,
O cobertor inquieto transcorre todo o perímetro do leito.


Vaga sem maior abrigo a natureza das idéias,
Rebobinar pensamentos que queimam ao revisitar a mente,
No percurso inglório dos trilhos sem destino,
Cortante como papel fino, os versos acompanham o olhar no espelho.


Talvez a saudade traga algum conforto,
Na prática, é sempre um luzir esmaecido,
Cutuca a derme com sua incomoda ponta de aço,
Os lábios cerrados se mantêm calados neste momento.


Quais feitos são realmente importantes na vida?
Para quê abrir mão de algumas coisas vitais?
Partilhar desconcertos tão sem sabor,
Apostas realizadas na interface do inconsciente e ego latente.


Levantar lentamente aprumando os olhos,
Na expectativa de sempre ver adiante,
Não curvar diante das intempéries,
Tudo tão fácil de seguir como enxugar gelo no verão.


O que falta para conduzir a vida?
Um punhado de dinheiro ou a claque da platéia?
Na luta interna para abrigar honra, sanidade e compromisso,
Não há espaço para sentimentos raquíticos.


A claustrofobia nunca é uma boa companhia,
Com o tempo, se aprende a conviver,
No recinto do quarto tão vasto quanto às angústias,
Num mundo multifacetado de apenas dois cômodos.


Na ponta da caneta coexiste um celeiro da inquietude,
Registro de alguns rascunhos encarcerados na garganta,
Entre malfadadas batalhas inglórias e um longo caminho ainda a ser vencido,
Numa mesma madrugada onde reina o silêncio e o esgotamento.


Sem deixar marcas indeléveis na superfície do corpo,
A quietude que aprofunda o leito vazio e no músculo do coração,
Nenhuma resposta surge com mínimo consolo ou abnegação,
Diante do inevitável, somente resta fechar o caderno e as pálpebras.

Um comentário:

Márcia Cristina Garcia disse...

Você escreve muito bem!