sábado, 30 de maio de 2009

Águas de Maio


A chuva que se espalhou na madrugada,
Reacende impávida pela manhã insípida e desgostosa,
A frieza do clima convida ao retorno dos lençóis insólitos,
A cama permanece fria na ausência sentida.


As horas celebram um novo horário,
A cada cruzar rítmico dos ponteiros,
Olhos abertos sobreviventes da noite sem sono,
O desequilíbrio permanente da ansiedade.


As gotas batem forte na janela,
Como se quisessem perfurar o alumínio,
Invadir com suas águas o quarto adentro,
O que resta? Afogar-me em tanta vã filosofia redundante de cabeceira.


Nenhuma semente tem alguma vida sem a irradiação solar,
Sem energia vital, nada é soerguido,
Quais soluços são cultivados dentro da alma,
Quando às promessas de dádivas do Céu são ocultadas?


As águas deslizam pela sarjeta,
Córregos diminutos de virulência silenciosa,
Quanto ódio trafegou no asfalto?
Quanta ira ainda ronda o peito?


Salve o ciclo das dementes lembranças,
Salve o que não se quer (ou não se pode) ser salvo,
Salve o que não merece salvamento ou perdão,
Salvar o presente sem macular pretérito?


As águas não apenas conduzem mentiras,
Espalham também um pouco da tal esperança,
Nem que seja uma quase exígua expectativa,
A espera de qualquer luz é melhor do que o vazio certeiro da escuridão.


O tempo emudece e ronda um ar frio lá fora,
A fresta da janela se torna um corredor de brisas,
O rosto gela hermeticamente como num coração apedrejado,
Ainda não sabemos nada sobre o sexo, o perdão e a solidariedade.


Não reconhecemos o amor,
Não perdoamos equívocos,
Não aceitamos fracassos (nem o próprio, nem do outro),
Nada somos além de arrogância flácida e estupidez banal.


Uns seguem mentindo sobre a felicidade,
Outros apenas acreditam em suas próprias querelas mundanas,
As águas encharcam mediocridades, folhas em branco e jornais velhos,
E segue o peito inundado de silêncio sem alforria.

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