Espaço dedicado à análise, reflexão e crítica dos enlaces, desarranjos e autofagias do homem (i)material e o desencanto do mundo contemporâneo.
domingo, 22 de agosto de 2010
Vícios Banais (O Cárcere Profundo)
As mentiras procriam como bactéria em esterco a céu aberto,
As verdades são tão vagas como a memória adoçada com Alzheimer,
Se atirar para fora na janela ou ficar debaixo da cama,
Exíguas são as opções quando tudo é um sôfrego martírio.
A vida era pesada como o curso de um rio violento,
Ela corria timidamente com os pés sobre o vidro moído,
Teimava em abrir a cada noite uma nova ferida,
Como o cárcere diário que se autocondenava.
As poucas noites de sono era uma tormenta,
Confabulações oníricas disparavam a excitação,
O coração pulsava freneticamente a cada despertar,
Seu grito ecoava entre os demais quartos povoados.
O Sol raramente aparecia com alguma consistência,
Dentro de uma janela circundada pela dor e o aço,
Nenhuma companhia aprazível lhe fazia sereno,
A exceção era um punhado de roedores que pajeava a sua dor.
Por quanto tempo mais ficaria enclausurada?
Esquecida do mundo e esperando o tempo que nunca findava,
Cansou de contar as inúmeras horas de degola,
Confessou às suas vísceras que estava decidido seguir até o final.
Não foi à toa que aceitou sem contestação sua sentença,
A evidência das provas lhe havia condenado por toda uma vida,
O vício leproso que contaminou eternamente sua alma,
Fez o sangue alheio minar num momento de violento transe abstêmico.
Um tal Amor que começou na carência de cama fria,
Perdeu-se em fileiras alucinógenas num cárcere silencioso,
Terminou enfim na solidão do desespero e da autofagia,
Sem família e sem o filho que a sangria expulsou do seu ventre.
De boa índole, a vida eclodiu num pairar em vielas imundas,
Pedras que alimentavam o seu vazio abissal,
Cachimbo punitivo que queimava tudo que lhe era caro,
A velhice antecipada em precoces rugas na face.
A vergonha consolidou-se em sua epiderme,
Até um pequeno espelho foi quebrado,
Vozes cáusticas adentravam em sua mente,
Os dedos com unhas roídas tremulavam sempre com ansiedade.
Na noite de rotina com vigias indiferentes perambulando no breu do corredor,
Sem maiores segredos, seu corpo imóvel foi encontrado estirado no quarto,
Um sopro de alívio por metro quadrado para o restante das almas lacradas,
Mais uma vida vã incinerada a troco de absolutamente nada.
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