Espaço dedicado à análise, reflexão e crítica dos enlaces, desarranjos e autofagias do homem (i)material e o desencanto do mundo contemporâneo.
domingo, 20 de abril de 2008
Folhas Mortas
Na noite escura e densidade sem igual,
Onde foram roubadas as luzes de todos os postes,
Não havia crucifixo, início ou fim,
Tudo se reduziria a um eclipse existencial.
Um grande martírio pulsando,
Em veias quase obstruídas de tanto torpor,
Sangue coagulando de expectativa (ir)racional,
O caminho de tão pesado gangrena lentamente.
Não há mar ou córrego, apenas areia,
Apenas vestígios dos passos tangidos,
O percurso curvilíneo é cheio de riscos e sabotagens,
Toda certeza provisória é tão minguadamente inútil!
Das pontes saltam madeiras despedaçadas,
Passarelas já não existem mais,
Muitas árvores apodrecidas ao chão,
Espelhando um vazio intenso de folhas mortas.
Em meio a tanta aspereza dolorida,
Traduzo em angústia velada minhas palavras,
Não sou o Salvador ou mártir dos oprimidos que selam os lábios,
E tampouco vim para clamar dissabores ou atear fósforo aceso em nitroglicerina.
Ainda não roubaram com eficiência a minha fé,
Apenas calejaram meus pés,
Não vim pregar vagamente na noite entorpecida,
Só há muralhas soturnas para o alienado abrigo da ilusória segurança.
Caminho tateando todo o percurso,
Seres alados vociferam fogo inconstante,
O chão permanece negro e cheirando a enxofre como um imenso pântano,
Estou atado à discórdia inexata do silêncio ensurdecido.
Ouço o zumbido lançado por algumas zarabatanas,
Pequenas pontas de veneno passam rente ao meu corpo,
Às vezes tropeço e minha face mergulha em folhas podres esparsas,
E o suor frio e trêmulo congela a ponta dos dedos.
Ergo meu corpo e volto a caminhar,
Se a estrada tem algum fim,
Ainda não vejo sua luz,
Porém nenhum demônio tem o poder de trancar todas as portas.
Com tanto trabalho a ser feito impregnado de desconforto fordista,
Uma hora ou outra quando os ponteiros se cruzarem,
Encontrarei alguma passagem desguarnecida,
Minha fé não será pulverizada.
Dobro meus joelhos,
E uno minhas mãos,
Balbucio uma pequena prece,
Levanto novamente e caminho.
Cadáveres, fantasmas e agruras do inconsciente ao redor,
Não cederei à tentação imediata e vulgar,
Ceder meu corpo para o batismo no campo repleto de folhas mortas,
Jamais sucumbir aos risos histriônicos dos palhaços da vitrine.
Sigo...
Sigo profanando túmulos do rancor,
Sigo a iluminação e os lábios úmidos que vão além das nuvens,
Sigo seja lá qual for à direção,
Sigo com a profundidade das cicatrizes expostas pelo corpo,
Sigo com a alma tão estável feito flâmula ao vento,
Sigo o caminho que leva à redenção ou ao abismo,
Sigo a trilha de folhas mortas,
Sigo sozinho ou não.
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