Entre alguns esparsos trechos de luzes,
Ela andava com pés descalços bem devagar,
Sentia muito frio e dos lábios brotaram pequenas fissuras,
Suas pontas dos dedos estavam enrugadas e disformes,
Suas pequenas mãos gelavam com suor intermitente,
Era só uma criança e tudo era denso e escuro.
Folhagens batiam de relance na sua face,
Caminhava lentamente como quem tem receio de cair,
Já tinha tropeçado um número significativo de vezes,
Nos joelhos estava exposta a geografia em viva carne das suas quedas,
Engolia as lágrimas como um prato de comida,
Era só uma criança e sentia toda a angústia amordaçada de gente grande.
E seguia adiante sem passado ou futuro,
Não sabia ao certo para qual direção,
Nem sabia o que fazia ali,
Tampouco sabia por que merecia severo castigo,
Desabrigada num mundo caótico, hostil e enegrecido,
Era só uma criança e sequer sabia a conjugação do verbo amar.
Com os olhos entreabertos,
Não dormia e sobrevivia nutrindo alguns cochilos,
Os olhos já estavam todos bem vermelhos,
Não fazia nenhuma abertura entre a boca e nenhum som emitia,
Não queria ser surpreendida por nenhuma desafortunada atmosfera,
Era só uma criança e não balbuciava nenhuma palavra de suplício.
Porém tanto cansaço fazia as pernas cambalearem,
E pouco a pouco cedia para o chão,
Abrigou-se ao lado de uma grande árvore,
Deitou-se com as pernas encolhidas presas com as mãos,
Derramou uma lágrima que deslizou todo o rosto,
Era só uma criança e a dor itinerante desembocando entre os lábios.
Lá no fundo da alma,
Sentia-se completamente desamparada,
Mas nunca admitia esta possibilidade,
Imersa numa solidão fria e calcificante,
As cinzas nuvens pouco tinha para lhe oferecer além do atávico medo,
Era só uma criança e lá permaneceu durante o resto da noite.
Com seu franzino corpo exausto e trêmulo,
Não sabia para onde deveria caminhar,
Era madrugada e começou a cair às primeiras gotas de chuva,
As suas vestes logo começaram a se encharcarem,
Uma vida tão cheia de dúvidas e insegurança,
Era só uma criança e as incertezas se tornam palafitas da sobrevivência.
Ela somente ouviu durante toda sua tenra idade,
Que a vida é cheia de obstáculos e dissabores,
Sendo assim buscou petrificar seu coração,
Achando que os olhos e a alma se protegeriam contras as agruras da vida,
Em todos os lugares ela desconfiava de tudo,
Era só uma criança e até diante do espelho a imagem refletida não era visível.
Por toda sua efêmera volta era assistida por uma arquibancada de fantasmas,
Não entendia muita coisa, mas sabia que não estava bem sentir tanto frio,
Por orgulho tolo não recuava e apenas preferia silenciar cada gota de lágrimas,
O ar que respira parecia cada vez mais asfixiante, porém não se importava,
Ignorava os perigosos, fechava os olhos e procurava não pensar em nada,
Era só uma criança e o medo lhe protegia com a severidade que lhe é peculiar.
O refúgio e o silêncio,
E a noite desenrola,
Casta, fria e solitária,
Fazem companhia para os olhos tristes e secos,
Como a ingênua idéia da segurança no idílico subterfúgio blindado,
Era só uma criança e sabia que a vida apenas lhe reservava alguns soluços.
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