Espaço dedicado à análise, reflexão e crítica dos enlaces, desarranjos e autofagias do homem (i)material e o desencanto do mundo contemporâneo.
quarta-feira, 2 de junho de 2010
O Jardim de Amianto
Frio tácito que assombra a cidade soturna,
Olhos vigilantes dilacerados na escuridão atávica,
Nada de imediato é possível de ser escutado,
Ecoa no vento o lamento furtivo de qualquer razão.
Peregrinos anônimos ocupam calçadas e sarjetas,
Nutrem-se de restos revirados de lixeiras,
Fumam entorpecidas pedras alucinógenas,
Vida vegetal vagando no espaço público.
Os poucos que se aventuram a trocar passos,
Fazem de forma arrítmica, tímida e apressada,
A voraz miséria urbana contamina como cancro,
Nada resta além da resignada expectativa de morte.
Prédios decadentes assinalavam um antigo mundo,
Onde a pungente riqueza contagiava os espíritos locais,
Fluído e infiel, o capital transita de recinto a recinto,
O que era dourado agora se contenta com o latão enferrujado.
Paisagem abrigada de nula esperança habita os céus,
Bêbados vomitam e regurgitam em língua obscura,
A dignidade lançada para as bordas do esgoto,
A lucidez embriagada pela neurose sifilítica urbana.
Agentes policiais fingem conduzir o labor do seu oficio,
Muitos se preocupam mais em lucrar com os louros da farda,
E nada é tão sério a ponto de mobilizar seus superiores,
Afinal, a cidade podre é uma lata de esgoto com restos humanos.
O cheiro fétido evapora tranquilamente,
Arde com vigor na porta das narinas,
O concreto encardido lavado à uréia,
É o perfume recorrente do descaso humano.
Aos que acreditam que toda horda é parida no lixo da pobreza,
Bastaria então uma noite rubra de providencial extermínio humano,
Seria profilático varrer das ruas a podridão bem asquerosa e visível,
Parece ser bem mais fácil purgar o que é mero incomodo ocular.
Riqueza e pobreza são contrapartes unívocas,
Destinos coesos de um mesmo falso dilema,
A hostilidade coercitiva em meio à bonança,
O progresso narcísico do capital privado.
Tantos prédios vazios acolhem párias urbanos,
Incertezas fugazes de uma silueta vida seca e banal,
A cidade dorme trancafiada e resplandece cinza,
Almas sobreviventes amparam almas que desaparecem no vazio.
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Um comentário:
Meu amigo,seu olho biônico, sua sensibilidade e dom de transformar a miséria sentida em poesia, de maneira clássica, me fez angustiada pela dura realidade das ruas, ignorada pelas autoridades que pouco fazem,pois nada lhes rendem nas urnas. Triste realidade! Bjs!A.C.
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