domingo, 16 de setembro de 2007

Algumas (boas) razões para viver e cuidar do Amor


Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)

a cada instante de amor.

(Carlos Drummond de Andrade, fragmento de "As sem razões do amor")



Há quem diga que o Amor é hoje uma banalidade poética, quase uma mcdonaldização das paixões inglórias ou insensatas do cotidiano pós-moderno. Acredito que sempre podemos ir além das meras palavras, conforme diz Drummond sobre as querelas do Amor. Precisamos cuidar do Amor como regamos um pequeno roseiral. Com sensibilidade, afeto e proteção, certamente que essas flores terão uma maior longevidade em contraponto, sem a devida atenção, com a cruel brevidade do inevitável estilhaçamento de suas pétalas.


Cuidar do Amor, sem necessariamente cair no platonismo tolo ou num fiscalismo inútil é da mesma maneira de como se banha uma flor: não é algo feito para carimbo e almofada e tampouco bater o cartão ou preencher um cheque em branco. Não pode ser uma medida desconexa, sem vida ou forma. Tem que ser e ir além, como dizia Vinícius em um dos seus belos poemas, "tem que sentir e quem nunca teve uma paixão nem tem idéia do que isto representa, não"... É o tocar dos dedos calmamente como se toca na perenidade das nuvens. É acariciar seus cabelos como se escreve na areia à beira de uma praia deserta. É sentir o seu corpo com a maciez e volúpia como se entorna o último gole de uma taça de vinho. É saltar da boca muito além do que meia-dúzia de palavras batidas. É acreditar que a vida pode ser muito mais profícua que a aspereza selvagem do concreto e da ignorância tirânica.


Não se adula o Amor com promessas vazias, fúteis e descartáveis. Não, não é assim que sedimenta e se reiventa o papel protagonista do Amor. No teatro dos sentimentos, não se pode deixar o Amor ser um figurante menor das cenas de uma comédia sem ritmo, graça e público bocejante. É através das sinergias entre as paixões que movem convincentemente as cenas e fazer com que cada ato seja um momento inesquecível, independentemente das artimanhas escondidas no palco.


A distância afasta olhares e o suor das mãos entrelaçadas. Mas não poderá nunca separar a sintonia fina dos corações. Há os que possam maldizer com lábios de cicuta que a cegueira confunde todos os sentimentos. Mas na verdade, se ouvirmos atentamentos nossos sentimentos mais interiores, saberemos que a maior distância é aquela imposta pelas veleidades do medo e do dissabor cômodo. A rapidez fugaz dos acontecimentos e da força infortuíta de gestos irrefletidos podem fazer colapsar a grande chance do alvorecer de um Amor. Logo, as palavras em confluência com pequenos gestos são fundamentais para alimentar, crescer a vida compartilhada a dois ou soterrar em lembranças e algumas lágrimas o grande circo do espetáculo que nunca mais retornará a se apresentar. A diferença entre a distância terrena e a sentimental é pouco mais que um palmo dos gestos ou a ausência deles que transformam a água incipiente em um prazeiroso cálice de vinho ou perdidas lágrimas intangidas ecoando num quarto vazio.


Ah, o Amor com suas dicotomias vorazes entre o desejo e temor! O toque mágico da pele e do intenso olhar são fundamentais para uma caminhada muito mais tranquila rumo ao algum incerto futuro. Um futuro para vivenciar a vida sem dar bola para as quiromancias e futurologias senis. Nenhuma dor transcede com mais dor e fragmentação da alma quando todos os sonhos e desejos orquestrados são colocados abaixo. E nessa atmosfera ingenuamente egocêntrica que a força do Amor, quando existe sinceridade nos corações, avança sobre os terrenos pantanosos da desilusão. O Amor nunca poderá ser refém as veleidades narcisistas. Entre silêncios e abismos, nada é tão forte que o carinho sincero das mãos firmes que não cede terreno para as lamúrias e lamentações.


É notório que a vida é sempre incerta, insegura e com algum sabor de medo. Todavia, tudo pode ser mudado ou visualizado com cores muito mais alegres e profundas, quando deixamos de lado todo os medos e receio e, assim, abrimos espaço para ceder algum brilho acalentador... Tal brilho de imensa magia pode ter vários nomes ou significados ou sentidos. Podemos olhar pelo espelho e ir além do semblante nele refletido. Mas nenhuma luz é mais terna e menos indigesta do que o pulsar incontido dentro de coração de um significado real e verdadeiro para um sentimento... o Amor. Quanto mais intenso mais saudosa é a dor.


Existem muitas histórias de Amor ou "Quase-amor", com desfechos de inúmeras matrizes: alegres, tristes, fúteis, trágicas ou incipientes. Todavia, é a cada momento vivido, traçado e sentido que erguemos um pequeno tijolo na história da sua e da minha vida, não com papel de parede ou passatempo realizado com palavras banais. É nos pequenos detalhes, como um relance de olhar, que é possivel a cada dia fortificar as alianças entre corações e florecer um pouco mais de alegria na vida de cada um de nós.


Somente é possível sonhar se desprendemos dos fantasmas, medos e inquietações. A cada momento, é uma rara possibilidade de registrar na parede da memória uma fotografia de bons e inesquecíveis momentos. E uma vida mais agradável é aquela povoada de bons momentos de realização e recordação. Mas que a vida não se refugie apenas no passado e atado aos fantasmas, mas a construção permamente do presente cotidiano. O Tempo passa sem piedade por todos nós e sua força é indiferente aos apelos para cessar sua escalada. Resta-nos então, ter o Tempo como aliado para construir sempre bons momentos de felizes sorrisos.


Que possamos a cada momento reinventar o Amor com a mesma paixão incontida do primeiro beijo. Restaurar as mãos, atando-as cada vez mais fortes e profundas. Ter o zelo e o doce carinho sempre indispensável para crescer e frutificar o companheirismo que uma relação possa alcançar. E tudo isso não apenas em nome da palavra Amor, mas pelo fato de acreditar que a vida é sempre a coisa mais bela e rara que temos: o bem mais precioso que guardamos. Sendo assim, a vida é para sempre ser vivida intensamente e afetuosamente com Amor.

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