terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Quando a noite baixa


Quando a noite baixa,
O dia acaba sutilmente,
Olho sem ângulo para os ponteiros do relógio,
Uma espera tão inexata,
Quanto à expectativa de neve durante o Verão.


Quando a noite baixa,
As luzes artificiais começam a tomar conta da cidade,
Faróis são ligados conduzindo automóveis,
Uma penumbra invade todos os cantos,
Coloco minhas mãos frias dentro do bolso,
E sigo a caminhada pela calçada,
Ainda cheia de pedestres,
Vai-e-vem constante,
Invade uma estranha solidão,
No meio de tanta gente,
Nas ruas cheias de andarilhos e ambulantes,
Comercializando quaisquer sortilégios de bobagens,
Procuro entre vitrines e murais,
E em cada momento possível,
Um semblante se revela,
E, no entanto, ao me aproximar lentamente,
Sinto esvair como uma simples miragem,
Desfigurada na medida em que ponho meus dedos,
A tocar na projeção:
Miragem, maldita miragem!


Quando a noite baixa,
E os temores seguem becos e encruzilhadas,
A luz que ilumina a escuridão,
Nenhuma gota de álcool ou café,
Faz esquecer os dias descoloridos e o anoitecer em branco,
Luzes ao alto não chegam a cegar completamente meus olhos,
Mas o caminho é tão hostil e obscuro,
Sem direção,
Meus pés caminham em vão.


Quando a noite baixa,
Os fantasmas fazem vigília para o seu sono?
A porta e as janelas estão bem fechadas?
O travesseiro consegue lhe dar algum conforto?
Os seus dias são como as minhas noites?
O frio é intermitente?
Os perigos lhe confundem e a reação é nula.


Quando a noite baixa,
Sinto tão distante seus pensamentos,
Daria meus dedos para tocar em seus lábios,
Trocaria a angústia armada pela Paz velada,
Qual o preço da liberdade conquistada,
Quando o coração está inutilmente encarcerado?


Quando a noite baixa,
Ouço o sino tocar,
Uma lágrima a cair,
Como uma prece,
O balbuciar de alguma oração,
Então, trêmulo meus lábios,
Fingindo orar,
Que a dor que adentra,
Cesse tão brevemente,
E que a longa espera,
Faça seus olhos,
Encontrar a Paz dentro da alma.


Quando a noite baixa,

Sinto frio e suor,

Lembranças e calafrios,

O silêncio ensurdece,

A escuridão cega os sentidos,

E os lábios seguem dormentes.

domingo, 27 de janeiro de 2008

Neblina


No reino das palavras esquecidas,
Uma estrada repleta de pedras e asfalto frágil,
Longas noites de contínua espera,
Dentre a finitude dos dias sempre iguais.


A pouca luz que encobre o silêncio em trevas,
Soturnamente alcança alguns móveis ao redor,
Da janela, somente o barulho de carros trafegando,
E os pensamentos vagam sem rumo definido.


Tantos vocábulos sobram queimando entre os dentes,
E digressões entre espinhos se espalham por toda a madrugada,
Saltam ruas, perambulam pelas calçadas e atravessam esquinas,
Numa multidão de lugares-comuns tão vazios.


Existem coisas que estranhamente afoga o peito e a cabeça pesa,
Com uma avalanche de temores e receios desabando,
Acima de tudo o que foi posto em prova, medos e fraquezas,
O aroma de tantas flores pouco animou o cárcere dos lábios.


Uma xícara de café e mais outra xícara,
Não é mais vermelha e tampouco o mesmo sabor,
Inútil dormir e se entregar aos pesadelos sistemáticos,
Contínuo então a escrever como um exercício de liberdade.


O que acontece quando em volta é um mar de solitude?
Questões flutuam sem guardar anexas as respostas,
O que passa dentro do turbilhão de suas idéias,
E na inquietude intransigente do seu coração?


Na fronteira entre o real e o surreal,
É pouco nítida a ponte que separa um do outro,
Mundos de tonalidades discrepantes,
Signos de autofagia entre duas histórias.


Tempo é aquilo que se constrói,
Com os dias transitando,
Da mesma cor das páginas,
De um caderno intocado.


Na neblina que invade a cidade,

Que cega a todos os seus habitantes,

Não trás nenhuma nova notícia do seu paradeiro,

E os dias permanecem tudo como dantes.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

São Paulo em água e óleo


De tanta deformidade presente entre arranha-céus e a calçada,
Não é possível imaginar como que a cidade acolhe todos os seus filhos,
Formigueiro de gente,
Paridos de bom berço,
Eclodidos do sacrifício,
Brotados do esterco,
Tangidos de outros lugares.
Tudo e todos aqui.


A cidade que acolhe e oprime,
A cidade que ilude e enriquece,
A cidade que aprisiona e envaidece,
A cidade que invade e desabriga,
A cidade que educa e assassina,
O teto cinza-neon que cobre a todos,
Ricos, pobres e defuntos.


São Paulo de riso sisudo e mãos calejadas,
De bocas com dentes brancos, cariados e banguelas,
Opulência de palacetes para cartão postal,
Sinaliza o clarão esnobe da vampiresca burguesia,
Esconde a paisagem amorfa do leito podre de cortiços e favelas,
Marca-passo dos dias de trabalho árduo e mão vazia.


A cidade dos que dizem que não dorme,
Silencia nos becos escuros e guetos imundos,
A polícia daqui não é igual dali ou acolá,
Entre o submundo do luxo e o lixo da periferia,
Estouros de escapamentos ou tiros,
Dos furtos fortuitos às sirenes irrequietas,
Dos meretrícios putrefatos aos bares abarrotados,
Do vendedor de melancia à pedra que brilha,
Ninguém dorme sem abrir os olhos.


Muros, vigias e cercas eletrificadas,
Câmeras, alarmes e crachás,
Todos são inimigos visíveis do medo invisível,
Quem pode se enclausura,
Quem não pode é enclausurado,
Pretos se perfilam fantasiados com ternos pretos,
Bancam a insegurança multicolorida da insanidade coletiva,
Brancos com a lucidez do umbigo,
Brindes para os lucros na bolsa e o nosso progresso assimétrico,
Helicópteros arrogantes zunindo e engarrafando os céus,
Levando bacana, contrabando ou alguma maconha,
Automotores em procissão sem santo,
Levando gente de lugar algum para nenhum lugar,
Metro das seis não cabe mais ninguém,
Levando a experiência angustiante das sardinhas humanas.
Pernas transeuntes que vagam incessantemente,
Levando a pressa agonística do final do dia.


A cidade dos que dizem que não pára,
Nem com um terço na Catedral da Sé escapa,
É indiferente ao seu filho,
Caído ao chão,
Prostrado pela indiferença,
É morto ou mendigo,
Corpo convalescente que atrapalha o tráfego,
Pouco importa quando a vala é a mesma.


A cidade que não tem piedade,
Morre um, morre outro, nascem tantos que não deixam saudade,
O sangue espalhado poderá ser dele, meu ou seu,
Não importa, basta acionar alguém da limpeza,
Sangue incomoda clientes e vizinhos,
Atrapalha a fachada,
Suja o sapato da madame,
Borra o lustro do granito e mármore,
"Enfeia" a cidade de cidadãos civilizados.


A cidade é um poço de sensibilidade neurótica,
No farol, mais um pedinte erguendo a mão,
Bala de morango ou chumbo?
O medo que escorre entre os dedos,
Do vidro levantado,
Da blitz da Rota,
Da rua inundada,
Do corpo na guia,
Do buraco na pista,
Da indústria da multa,
Do motoqueiro maluco,
Do carro quebrado,
Da via parada,
Da anta que não anda,
Da outra anta que empacou adiante,
Pára, anda, pára, anda... Progresso?
Quantas gentilezas da civilização paulistana!


O tempo que não pára,
A cidade que não enfarta,
A miséria que não some,
A riqueza que não divide,
O desequilibro permanente,
Os estúpidos olhos fechados,
O grito que nunca se ouve,
Tudo vira estatística.


São Paulo de linhas tortas e cores opacas,
Locomotiva de uma terra sem norte,
A urbanidade que agride e incha,
As zonas que se cruzam e se espalham,
Sem inicio ou fim,
Imiscíveis até o gargalo,
Morumbi e Capão Redondo,
Moema e Lajeado,
Jardins e Cidade Tiradentes,
Avenida Paulista e Estrada das Lágrimas,
O dinheiro usurpado e o dinheiro suado,
Água e óleo paulistano.


São Paulo embrutecida pelo asfalto,
Severa com a sorte desigual de sua gente,
Cega pela insensatez de sua civilidade.
Porém a esperança não é toda perdida,
Diante das muralhas da opressão,
Com alguma dificuldade e lente apurada,
É possível ver ao longe uma pálida flor,
Ainda teimar em renascer a cada momento,
Que surge um sorriso tímido,
Nos lábios sinceros de uma criança.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

As dores do cais


Quantos mares inundam os dias prostrados em silêncio?
No cais, um vendaval frio e úmido banha meu rosto,
A paisagem gélida e sombria,
Contrasta com o Sol abundante que não aquece o asfalto,
Deveria sentir calor,
Mas a umidade não cede espaço para nenhuma permuta de energia.


Com um semblante fechado,
Não restam muitas alternativas,
Exceto sentar-se ao chão e escrever um testemunho,
Por no papel tudo o que não foi e o que continua não ocorrendo,
Palavras e dores no liquidificador da memória.
Quem errou? - Pouco importa quem segura a alça da discórdia.


O que é solidão?
Estar diante da multidão,
Sorrir para todo o povoado,
Acenar palidamente um sorriso hermético,
E continuar a abrigar um angustiante vazio.


Volto ao cais,
Na esperança de uma resposta,
Algum vestígio que dinamite a saudade...
É noite e logo vem à tempestade,
Abrigo-me debaixo de um telhado,
Respingos molham minhas vestes,
Mesclando com algumas gotas d´água no canto dos olhos,
Rios que cortam a face,
Ondas curvam a areia,
Castelos da mesma areia molhada que viraram ruínas,
Os dias são pálidos de mórbida estabilidade.


O cais não guarda respostas,
O que passa pelos seus pensamentos?
Será o mesmo que reproduzem os temores?
É tão difícil adivinhar segredos calados,
Do passado em branco,
Do riso amargo,
Da vontade vencida,
Da Paixão perdida,
O Tempo cansado...


Não caia na noite como uma criança que salta do berço,
Caminhe atentamente sobre seus calcanhares,
Siga o desejo atado ao coração,
Respire profundamente,
Sem deixar de acreditar,
Sinta minhas mãos aquecendo seus dedos.


No cais as histórias se confundem,
Eu, você e o mundo.
As palavras gritam silenciadas,
O ar está seco,
Permita-se sonhar com a liberdade dos lábios,
E aceite meus olhos como resposta.


No cais, as histórias se confundem,
Eu, você e o mundo.
Tantas canções parecidas,
Tantas composições de sínteses emotivas,
Nenhuma toca tão intensamente,
Como aquela presente na ponta dos lábios.


No cais, as histórias se confundem,
Eu, você e o mundo.
A palma vazia da mão,
Um ar de tristeza incólume,
O mar está deserto,
A brisa vagueia sem rumo.


No cais, as histórias se confundem,

Eu, você e o mundo.

Deixe que os sentimentos saltem livremente,

Na margem de águas pouco cristalinas,

Águas que trazem e levam sentimentos,

Tantos e tantos pensamentos,

Tanta e tanta saudade...

O Tempo traz felicidade?

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Fragilidade


Quem me dera um único alívio,
Que afaste o caminho das trevas,
Dias inglórios sem luzes definidas,
Preso ao altar sem nenhuma prece corrente.


A estrada possui um leito de pedras pontiagudas,
A cada passo em falso é a certeza de um corte turvo,
A semente da arritmia dos lábios desencontrados,
Rege a triste ópera do silêncio em adiabático temporal.


O que se passa no horizonte de seus pensamentos?
Quantos dilemas trafegam num oceano de incertezas?
O medo corrói a ponte que dá acesso ao solo firme,
Tantos são os receios que embriagam um futuro.


A cada palavra hesitada em lábios trancafiados,
É um obstáculo a mais para trilhar rumo a um pôr-do-sol,
As nuvens enegrecidas não reconhecem uma trégua,
A salobra chuva despenca encharcando nossas almas em desolação.


Acordo em meio a algum infrutífero sono cotidiano,
Velhos fantasmas rondam o subconsciente sem pestanejarem,
Perdi a conta dos dias sabotados pelo silêncio,
O vácuo se encarrega dos sentimentos em perplexidade.


Todas as fugas são inúteis e imaturos passatempos,
Tolas caixas de Pandora à espera do Tempo das respostas,
A fragilidade de nossos anseios,
Emergida em profundo abismo existencial.


Até quando esperar as flores suplicarem por algumas gotas d´águas?
Caules tão secos como as pontas dos dedos deslizando pelo quadro,
A saudade soturnamente perambulando pelos nossos dias,
Não espere até o frio noturno trovejar para bater à porta.


O que hoje selam os lábios,

Amanhã poderá ser a dor mais latente em cada peito,

Vasculhemos nossas memórias e relembremos do que é vital,

Não há como fugir de um Destino irremediável:

A vida é limitada, incipiente e frágil.


quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Procissão



Tantos cadáveres espalhados ao chão,
Seguindo comigo junto com meus passos,
Uns latejam,
Outros cambaleiam,
Poucos seguem adiante...

Sobre o jazigo do meu desencanto,
Não escuto nenhum chiado de pássaro,
Ao longe, tão perto das estrelas,
Apenas uma revoada de corvos azucrinando os céus.

Sinto calafrios,
Mas nem por isto irei desistir,
A minha caminhada entre granizo e poças d´águas,
Dentre toda esta gente do meu redor,
Amigos, inimigos, ingratidão e desapego,
Não culpo Deus,
Não se culpa ninguém pela ausência,
Vomito palavras acuadas e tangidas a óleo cru,
Não sou aquele que aceita o verbo tão facilmente,
Minha estrada é de longas curvas,
Dói na carne,
Dói nas trevas,
Dói a cada vazio que tenho que calar.

Hoje a dor é grande
(Pulsa na sobrevivência dos meus passos),
Mas não mais que minha obstinação,
Não curvo diante da morte,
Não aceito palavras de consolo,
Não nego as feridas expostas,
O vento de lembranças sussurrando em meus ouvidos,
As mãos vazias unidas como se fossem tecer uma prece,
As cicatrizes delineadas nas minhas costas,
A liberdade tão castigada ferindo nossas almas em distância,
Não acredito nas ilusões,
Não alimento a minha dor,
Apenas amorteço a minha alma,
Cruzada incansável com pés descalços,
Rumo a um caminho que desconheço,
Sinto somente o sumo adocicado dos lábios que devoram meu coração...

Diante do espelho, indago:
Tenho que me contentar com a saudade?
Sou punido pelo que nunca fui,
Meu cárcere é sempre cinza,
As páginas que nunca são viradas,
As bocas desunidas sempre trêmulas e secas,
O sol nasce pálido,
Os dias prostrados em frio silêncio,
E o telefone que nunca desperta...

Muitas vezes,
O indiferente silêncio de palavras mudas,
Ofende muito mais,
Do que um jorro de insultos de palavras libertas.

Quanto tempo dura o Inferno?
Minha ciência é questionada,
Tenho fé do que ainda restou da minha fé,
Diante do meu ateísmo cristão,
Ergo a cabeça,
Respiro fundo,
E caminho...
Na mais silenciosa procissão.