sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

São Paulo em água e óleo


De tanta deformidade presente entre arranha-céus e a calçada,
Não é possível imaginar como que a cidade acolhe todos os seus filhos,
Formigueiro de gente,
Paridos de bom berço,
Eclodidos do sacrifício,
Brotados do esterco,
Tangidos de outros lugares.
Tudo e todos aqui.


A cidade que acolhe e oprime,
A cidade que ilude e enriquece,
A cidade que aprisiona e envaidece,
A cidade que invade e desabriga,
A cidade que educa e assassina,
O teto cinza-neon que cobre a todos,
Ricos, pobres e defuntos.


São Paulo de riso sisudo e mãos calejadas,
De bocas com dentes brancos, cariados e banguelas,
Opulência de palacetes para cartão postal,
Sinaliza o clarão esnobe da vampiresca burguesia,
Esconde a paisagem amorfa do leito podre de cortiços e favelas,
Marca-passo dos dias de trabalho árduo e mão vazia.


A cidade dos que dizem que não dorme,
Silencia nos becos escuros e guetos imundos,
A polícia daqui não é igual dali ou acolá,
Entre o submundo do luxo e o lixo da periferia,
Estouros de escapamentos ou tiros,
Dos furtos fortuitos às sirenes irrequietas,
Dos meretrícios putrefatos aos bares abarrotados,
Do vendedor de melancia à pedra que brilha,
Ninguém dorme sem abrir os olhos.


Muros, vigias e cercas eletrificadas,
Câmeras, alarmes e crachás,
Todos são inimigos visíveis do medo invisível,
Quem pode se enclausura,
Quem não pode é enclausurado,
Pretos se perfilam fantasiados com ternos pretos,
Bancam a insegurança multicolorida da insanidade coletiva,
Brancos com a lucidez do umbigo,
Brindes para os lucros na bolsa e o nosso progresso assimétrico,
Helicópteros arrogantes zunindo e engarrafando os céus,
Levando bacana, contrabando ou alguma maconha,
Automotores em procissão sem santo,
Levando gente de lugar algum para nenhum lugar,
Metro das seis não cabe mais ninguém,
Levando a experiência angustiante das sardinhas humanas.
Pernas transeuntes que vagam incessantemente,
Levando a pressa agonística do final do dia.


A cidade dos que dizem que não pára,
Nem com um terço na Catedral da Sé escapa,
É indiferente ao seu filho,
Caído ao chão,
Prostrado pela indiferença,
É morto ou mendigo,
Corpo convalescente que atrapalha o tráfego,
Pouco importa quando a vala é a mesma.


A cidade que não tem piedade,
Morre um, morre outro, nascem tantos que não deixam saudade,
O sangue espalhado poderá ser dele, meu ou seu,
Não importa, basta acionar alguém da limpeza,
Sangue incomoda clientes e vizinhos,
Atrapalha a fachada,
Suja o sapato da madame,
Borra o lustro do granito e mármore,
"Enfeia" a cidade de cidadãos civilizados.


A cidade é um poço de sensibilidade neurótica,
No farol, mais um pedinte erguendo a mão,
Bala de morango ou chumbo?
O medo que escorre entre os dedos,
Do vidro levantado,
Da blitz da Rota,
Da rua inundada,
Do corpo na guia,
Do buraco na pista,
Da indústria da multa,
Do motoqueiro maluco,
Do carro quebrado,
Da via parada,
Da anta que não anda,
Da outra anta que empacou adiante,
Pára, anda, pára, anda... Progresso?
Quantas gentilezas da civilização paulistana!


O tempo que não pára,
A cidade que não enfarta,
A miséria que não some,
A riqueza que não divide,
O desequilibro permanente,
Os estúpidos olhos fechados,
O grito que nunca se ouve,
Tudo vira estatística.


São Paulo de linhas tortas e cores opacas,
Locomotiva de uma terra sem norte,
A urbanidade que agride e incha,
As zonas que se cruzam e se espalham,
Sem inicio ou fim,
Imiscíveis até o gargalo,
Morumbi e Capão Redondo,
Moema e Lajeado,
Jardins e Cidade Tiradentes,
Avenida Paulista e Estrada das Lágrimas,
O dinheiro usurpado e o dinheiro suado,
Água e óleo paulistano.


São Paulo embrutecida pelo asfalto,
Severa com a sorte desigual de sua gente,
Cega pela insensatez de sua civilidade.
Porém a esperança não é toda perdida,
Diante das muralhas da opressão,
Com alguma dificuldade e lente apurada,
É possível ver ao longe uma pálida flor,
Ainda teimar em renascer a cada momento,
Que surge um sorriso tímido,
Nos lábios sinceros de uma criança.

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