quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Clonazepam (São Paulo dos Alagados)




Sob o soar de cada coisa,
Tudo parece bem inaudível,
Olhar corriqueiro ao portão,
Olhar esguio diante dos ponteiros.


O falso silêncio que faz afrontar,
Corpo banhado em vento abafado,
Pontos celestes apagados em cruzamentos fechados,
Desequilíbrio reinante de uma cidade em contradição.


Rivalizar com o tempo na indecisão do guarda-chuva,
Dores amalgamadas a fogo e carvão,
Boca banguela como centelha na escuridão,
Outra vez?... Semente certeira de cefaléia.


Pára-anda-pára-pára em dias exauridos de verão,
Anseios e ações esvaziadas em sonatas pedantes,
Indagar aos Céus: “Ser matéria, alma ou água?”,
A vida bóia sob o toque de recolher em prestações a vencer.


Débil novela de rumos descontentes e distraídos,
Solos de promessas políticas que emocionam uma latrina,
Espelho turvo que não contém nenhuma vivacidade,
Fragmentos dolorosos de imagem subliminar.


Cada cidadão caminha solitariamente em bloco,
Acotovelando o “inimigo” mais próximo e frágil,
Reduzindo-se num delimitado espaço narcíseo,
Assim caminha a “filosofia” contemporânea.


Da janela cai água,
Do retrovisor cai água,
Do semáforo cego cai água,
Da extremidade dos olhos brota um pequeno rio marejado.


Das flores agora reina um pasto,
Dos córregos resta a visão unificada de um colossal oceano,
Da esperança afogada basta um livro de auto-ajuda,
Da vida... O que emerge é um mar de indiferença.

Na rotina do céu cinza-paulistano em início de noite,
Mais um dia de inundação na poderosa metrópole de papel,
Horda civilizatória de transeuntes abandonados e atônicos,
Tanta modernidade que não cabe numa única gentileza.


Contestar? Não, não... Melhor dizer “não sei”,
Enxugar os pés e abrir uma suculenta caixa de clonazepam,
“Sorria, amanhã será diferente!”,
(Eis a notícia dada num telejornal local.)


*

(Ilhado num verão paulistano, 18 de janeiro de 2011.)

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