Então, perguntou o Senhor a Satanás: Donde vens? Satanás respondeu ao Senhor e disse: De rodear a terra e passear por ela. (Jó 1.7)
Na densa floresta onde os medos são ocultados em segredos,
As folhagens escondem qualquer possibilidade de luz etérea,
Que possa adentrar alguma esperança naquele espaço circunscrito,
Elevando uma atmosfera de grande expectativa e angústia.
O passado deixado de lado e adocicado por ácaros famélicos,
Dentro de gavetas, escondido entre livros e embaixo de bolorentos tapetes,
Tudo sucintamente sendo sufocado ou suprimido,
Para que a dor não volte ao seu lugar de origem.
Em árvores latitudinais e imponentes,
Uma mata tão fechada como se fosse à costura dos lábios,
Os fantasmas habitando intransigentemente todos os poros,
Batendo febrilmente à porta do guarda-roupa.
O silêncio alimenta a fornalha de ansiedade,
Cada palavra encarcerada como prisioneira de uma surda guerra,
Na inútil batalha da sobriedade perdida,
A ignorância ronda sem trono a solitude dos pensamentos.
Bem lá no alto, entoa a liturgia podre dos abutres,
Sobrevoam entrincheirados à espreita da próxima vítima,
Na floresta negra pouco é perceptível alguma manifestação,
A vida extática é um tear mecânico na composição do relógio.
A rotina segue corriqueira e sem reflexão,
Pensar se torna então um ato de extremo desconforto,
Segue a cabeça na aprumada direção ao muro,
Tal como uma carruagem desgovernada atropelando os bois e o seu condutor.
Ninguém quer olhar para fora da floresta,
Lá dentro há um micro-mundo inerte que se reproduz como fortaleza,
Adornar a falsa amabilidade dos espectros bem mais conhecidos,
Ao invés do confronto com as querelas do desconhecido.
Ficar pálido e quieto, fingindo de morto no canto da floresta,
Sem gritar, mas silenciar de olhos atados,
Desejar a burocracia do cotidiano como a vida sem sobressaltos,
O livro-ponto da manutenção pluviométrica das dores.
A mentira guardada é a memória escondida,
O diário fechado com um cadeado enferrujado,
A vida privada de Sol e lacrada a sete chaves,
Se contentar em recitar falsas verdades para o próprio espelho.
Na floresta de tantos desenganos e abatimentos vorazes,
É bem mais simples assassinar todas as vontades emergidas,
Enjaular covardemente todas as verdades latentes,
E nunca ansiar pisar fora da bem conhecida escuridão.