domingo, 7 de junho de 2009

A Cidadela (Sombras de Lugar Nenhum)


Na cidadela dos homens banguelas,
A dentição é uma cara relíquia,
A ponderada mastigação é luxo de raro feitio,
Tudo é ingerido direto para o estofamento do estômago.


Na cidadela da cegueira disseminada,
A raridade da visão é um dom quase divino,
Tatear sobre os escombros é a regra geral,
A treva é o conforto do comodismo.


Na cidadela das línguas cortadas,
O silêncio é a sonoridade da alcova,
Nada a dizer para ser desvelado,
Um grande vazio ocupa espaço de alguma voz desavisada.


Na cidadela das mãos dilaceradas,
Nada a ser feito e nada a ser construído,
Deixar o limbo erguer a sua voraz arquitetura,
Sequer são necessários aplausos para qualquer empreitada.


Na cidadela da hipocrisia reinante,
Todas as mentiras foram louvadas,
Agraciadas com o batismo dos cínicos leprosos,
A mutação disforme de valores e crenças.


Na cidadela dos desvalidos,
A escassez reina com um estandarte absolutista,
Projeta templos e ergue palácios-fantasmas,
A grande alquimia em transformar nada em coisa alguma.


Na cidadela de infâmia gratuita,
O insulto é a gentileza padrão,
O capital que corrói a dignidade,
Semeia o ódio para cultivar a esquizofrenia.


Na cidadela da esperança sitiada,
A liberdade sem contrapartida é uma sociopatia,
O cárcere transborda como refúgio,
E tudo parece perecer como um dia que se foi em vão...


No mundo hostil das cotoveladas anônimas,
Aglutinam-se corpos na guerra tribal de civilizações,
Uns morrem sem piedade e outros apodrecem em prisões,
E um filete social se delicia na bonança e no caviar com gosto de sangue alheio.


A cidadela é um labirinto pétreo,
Correr ou aprisionar-se em fortalezas muradas,
O medo é o único dos refúgios conscientes,
A lei é inexorável: deixar-se purgar ou morrer fugindo de si.

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