A chuva que se fragmenta no céu,
Desaba sem piedade sobre os ombros,
Encharca todas as vestes impunemente,
Resta então um corpo frio e desconsolado.
A chuva que inunda a cidade,
Desliza granizo sobre o alumínio da janela,
Numa artilharia semelhante aos tempos de guerra,
Ao que remete à guerrilha cognitiva de cada dia.
A chuva espalha seus sequiosos caprichos,
Inunda sarjetas e transforma calçadas em rios,
Arrasta tudo o que encara pela frente,
Abate a todos com severidade.
A chuva que precipita sobre nossas cabeças,
Afoga coragem e afaga temores,
Emana sobre bueiros tanta sujeira,
A cidade de impurezas e olhos atormentados.
A chuva que invoca demônios,
Leva-nos ao lar de Gehenna,
A angústia da desolação e incompletude,
A cadeia de acontecimentos profanos e arcaicos.
A chuva que abraça a solidão,
Na atmosfera rarefeita da hostilidade cotidiana,
O conflito presente imerso no inconsciente,
A aspereza dos dias selvagens e insalubres.
A chuva que canta num dia cinza,
Nublado de trevas e silêncio,
A janela fechada sem saída,
O abajur enfeitando a sala sem iluminação.
A chuva indiferente e salobra,
Calada sem compaixão imediata,
Rica de fel, cancro e veneno,
Escorrendo pelos poros das almas em tormenta.
A chuva de águas turvas,
Destila mentiras prosaicas dos opressores,
Que cala anulando os corpos lacrados,
Quem grita a esmo é acorrentado à fogueira.
A chuva que corre como sinos do último aviso,
O Paraíso que fecha suas severas portas de fim da colheita,
Tantas almas desabrigadas à espera da inútil salvação,
Tanta água esbanjada que não purifica a todos.
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