sábado, 19 de setembro de 2009

Agorafobia (Esperando a Primavera)


Aprendi com a primavera a deixar-me cortar.
E a voltar sempre inteira.

(Cecília Meirelles)



Qual a cor dos seus olhos sem abrigo,
Quando fechados com zelo tão profundo?
Qual a dimensão exata do seu umbigo,
Quando dá uma volta inteira no mundo?


Quais são as noites que anseia se banhar após o amor sem desejo,
Desinfetar o seu corpo desnudo para não mais voltar?
Quais os lábios que são desprezados com a mentira do seu beijo,
Se a sua boca é um insensato invólucro adiabático a reinar?


O impávido lacre de indomável fortaleza,
São paródias irrisórias de papel fosco e rimas fáceis,
Cante seu grito de lamento como se fosse um uivo de guerra,
Faça de suas lágrimas uma flâmula de resistência na alcova.


Veja que o mundo não acabou com a sua ausência,
Os dentes que restaram ainda estão no lugar,
O sangue também circula nas artérias e segue jorrando nas veias,
Apesar de que os pratos e talhares ainda estão sobre a toalha da mesa.


A voz rouca é pouca,
A saliva salina é fel,
A pedra atirada é ira,
O fluído derramado é liberdade?


A mentira pregada nas sensações cutâneas,
Outrora perdida, talvez algum cálice aflore a libido...
Quem sabe alimente a dança das pernas entrelaçadas ao relento,
A batalha dionisíaca travada em campo aberto na cidadela de Sodoma.


Não leve suas reses para pastarem nas gramíneas da luxúria,
Não ouse fingir a soberana e debochada emancipação,
Lembre-se que os olhos denunciam logo na primeira clivagem,
Não resista a si mesmo: pule!


Deixe a cabeça pender em queda livre,
Amplifique a abertura de suas entranhas,
Grite com o silêncio dos lençóis úmidos de suor,
A culpa é sempre o enfermo palco do inconsciente.


Mire na liberdade dos pássaros no horizonte,
Atire seu corpo sem viés através da janela,
Abrace tudo aquilo que não pode ser alcançado,
Flutue no limítrofe espaço entre o imaginário e o impossível.


Enlouqueça sem desejar recuperar a via da sanidade,
Sinta a acidez do desapego e a volúpia da devoção,
Incinere lentamente as ilusões da caixa de Pandora,
Renasça da mentira de tudo aquilo que foi batizado em vida.

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