quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Um em Dois


No tempo onde tudo era possível,
Você caminhava descalça pelo jardim,
Sentia a suavidade do aroma das flores,
E a verdade sobre a vida era de via única.


Não havia desentendimentos ou desconfianças,
Sem o cultivo de olhos fechados ou mãos cruzadas,
Sobravam braços abertos e sorrisos equatoriais,
O Amor e o desejo eram elementos ternos e únicos.


Acenávamos com vitalidade para a Paz,
O calor dos afagos e os olhos brilhantes,
Mãos táteis sobre a aquecida superfície da pele,
Sinais exalados de longa duração e profundo apego.


Como nada é tão eterno como tanto ansiamos,
Então veio a guerra, a fome e o desvencilhamento,
Os corpos secaram com a frieza dos sentimentos,
A sintonia desconexa entrou em agressiva arritmia.


Os sinais passaram a não serem mais ouvidos,
A atenção foi pouco solicitada e até mesmo desprezada,
O desconhecimento mútuo foi se avolumando,
Em cacos, os pratos se estilhaçaram ao chão.


As palavras ventilavam como bolas de fogo,
Queimando nossas mãos e criando nódulos,
A esmaecida razão foi posta na geladeira,
A injúria se transformou na nova ordem.


A partilha se emudeceu em desabrigo e solidão,
Os vocábulos castrados se polvilharam em indiferença,
A cegueira incandescente conduziu a união para o cárcere,
O campo de centeio se transformou num deserto alheio.


Como desconhecidos para os olhares em trevas,
Devastados pelo rompimento de promessas primárias,
Cada um por si e o maremoto afixado na jugular de todos,
Blasfêmias ceifando o que outrora encobriam os corpos.


Distantes, os frágeis castelos não resistiram aos ciclos da maré,
Talvez a correnteza em algum momento possa novamente unir,
Amenizar o lastro perdido do desejo silenciado e incólume,
Quem garante a sobriedade da Paz?


Um dia o céu é tingido de um celestial azul,
Outrora é repaginado de um fosco vermelho,
Para finalmente ser desbotado num poluído cinza,
Quais são as cores que você sempre quis?

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