terça-feira, 15 de setembro de 2009

Porto Triste (Um Rio na Praça)



Aparente cidade de tranqüila serenidade,
Abrigo de grande história narcísea,
Palco que ostenta as resistências de um orgulho,
Vaidade sibilante do povo gaúcho.


Cidade de antigos casarões e desabrigados sem ocupação,
Envelhecida pelo tempo corrente e desemprego fatídico,
Hoje lar de um comércio varejista e mercadores ambulantes,
Multidão de transeuntes trafegando a esmo.


Passeio tranqüilo de um ponto a outro,
Entrando e saindo de uma loja qualquer,
Nada tão relevante para se adquirido,
Apenas uma chuva intermitente encharcando os sapatos.


De repente, num raio de poucos metros,
O que seria de tão interessante e desprendesse tantos olhares,
A eclosão de um punhado massivo de transeuntes,
Se postando num quase círculo ao lado da Praça.


Bochichos e vozes amiúdes se avolumavam na atmosfera,
Uma, duas, três viaturas da ordem pública fazendo sentinela,
O que será? O que seria de tão interessante na cidade alegre?
Um mendigo, um acidente ou um inusitado espetáculo?


No lastro do “efeito manada” com recortes de um teatro de hipnose,
Tentativa de aproximação entre tantas outras cabeças,
Ainda não dá para ver! – maldita natureza bisbilhoteira humana!
Assim era digno de prefixação: a curiosidade assassinou o gato?


Enfim, a resistência é recompensada,
Uma lacuna se abre diante da multidão,
Mas o que é isto afinal?
O rio Guaíba entrincheirado em plena praça?


Acompanho o curso do filete rubro na calçada,
Um corpo caído sobre uma poça de água suja,
Um cobertor velho encobrindo sua cabeça e tronco,
Ainda não pensei na tétrica tradução para a dantesca cena.


Vozes moribundas vagavam pelos cantos:
“Era ladrão?”, “É ladrão!”,
Um bradava: “Tá morto, era ladrão!”,
Outro sentenciava: “Quem deve, paga!”.

Quem viu? Briga fortuita ou assassinato de aluguel?Afinal, quem era?
Questões que se umedeciam na chuva impiedosa.
“Não vi, não sei, não conheço...”, palavras que repercutia no vazio.
Dezenas de pessoas e todas sem olhos.


Ao lado da praça de um rico folclore,
Na aproximação no majestoso Mercado Público,
Jazia um desconhecido cercado de ecos insólitos:
“Tiro na cabeça! Bala no presunto!”


Na típica insanidade dos viventes da “cidadania do bem”,
A barbárie não escolhe fachada e não encontra perdão,
Em São Paulo, Rio de Janeiro ou na velha Porto Alegre,
A indiferença é a marca da extrema maldade.


Quanto vale a vida senão um filete do Rio Guaíba,
Da janela tudo são pontos de luzes e ao lado uma turbulenta Paz.
Aí embaixo somos nada,
Aqui em cima apenas somos tudo o que somos.



(Vôo JJ-3501, Porto Alegre-São Paulo, 12 de setembro de 2009, 20h30min)

Um comentário:

Anônimo disse...

Wellington, vc nos conduz a vivência emocional dos fatos versados em seu poema: impressão de fazermos parte do elenco desta historia tão bem narrada em seus versos.Parabéns. Beijos! A.C.