terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Almas Desérticas (Réquiem para a Sanidade)




Parcimônia, semblante tenso,
Soluções simplificadas na aurora,
Grito ferido na garganta,
Vida breve soa como piedade.


Cantos balbuciando a esmo pelo nome de alguma divindade,
Recorrer à fé como um copo de clorofórmio,
Tantas vidas que não tiveram sorte,
Tantas candidatas que não se forjaram mães.


Tiros alados rompendo helicópteros,
Polícia bandida reprimindo a ralé,
Soldados do tráfico mortos às dúzias,
Eterna reciclagem de dejetos humanos.


Ao solo infecundo e mal nutrido,
É oferecido o sangue dos desvalidos,
O crucifixo embriagado de desespero,
Deslizam lágrimas ígneas de almas desérticas.


Parabéns, meretrícios econômicos,
Capitalistas carniceiros que sugam o néctar dos viventes,
Não há limites para a insaciável sanha pelo “progresso”,
Vampirizam desvairadamente o mundo a bel-prazer.


Zombam das chagas alheias, malditos abutres,
Alienam a todos com as preces para Lúcifer,
Adestram os desavisados via monopólio da opressão,
E nutrem-se da labirintite dos enjaulados.


Em covas fétidas e rasas,
Em buracos profundos e adornados em sal
Nada foi respeitado no fosso das almas,
Eis o indigesto espetáculo da desgraça haitiana.


Somos tantos, somos poucos,
Inválidos e espoliados na batuta de AK-47 dos colonizadores,
Entre a luxúria camicase e a maldade sem escrúpulos,
Um só mundo de tantas ameaças e privações.


Todas as rimas são banais e insuficientes,
Todas as palavras são fartamente limitadas,
Nada corre com maior esperança do que o insólito eco de resistência,
Não existe a verdade, apenas a história panfletária dos vencedores.


Periferia do mundo, suor dos vencidos,
Planície paradisíaca que esconde becos escuros,
Cintilante, todos os sorrisos lampejam temores,
Casa grande, meu nome é senzala!

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