terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Solitude (Canção da Boa Morte)


Era muito tarde e quase não se via nada,
Uma densa neblina encobria os arredores,
Em passos apertados ela caminhava solitária pelas ruelas,
Bastante atenta a tudo que se passava a sua volta.


Bêbados, assassinos, tarados e toxicomaníacos,
Tantos tipinhos desvalidos que não mereceriam qualquer chão,
A noite de esguichos escarlates era o cartão postal do seu ofício,
E nada poderia demovê-la de sua inexorável empreitada.


Ao fundo repentinamente um grito de desespero ecoou,
Na noite onde tudo se amalgama em densa escuridão,
Impossível decifrar os minguados inocentes entre os culpados,
Na indócil tarefa de separar algum trigo de tanto joio apodrecido.


Ao contrário do que muitos diziam em capciosos burburinhos,
Ela se esforçava para não ser tão injusta em suas ações,
Alguns afirmavam que ela era traiçoeira, maldita e covarde,
Todavia, para ela se o Amor era improvável também não queria ser odiada.


Com fome, sede e desprovida de qualquer centavo nos bolsos,
Era preciso começar a rotina e parou no primeiro bar à vista,
Para variar, certo alvoroço emanava do recinto,
Dois caídos ao chão e circunscritos numa poça de sangue.


Com tanta estupidez gratuita, seu trabalho ficava cada vez mais insólito,
Sem entregar os pontos, uma nova tentativa foi adentrar em outro estabelecimento,
Numa tela de Dalí, segue mais uma noite de pura sangria e insanidade,
O ambiente estava com acesso interrompido devido à calejada chacina local.


Quanto lamento no seu peito na execução hermética do relógio,
A crueldade dos homens assombrava a sua consciência,
Tantas guerras e tragédias onde clamavam o seu nome em louvação,
Ela só queria ser lembrada como mais uma honesta trabalhadora braçal.


Freqüentemente caia em turbulentos questionamentos,
Se à hora da aposentadoria era uma inadiável realidade,
Cansada e com uma idade demasiadamente avançada,
Com tanta ociosidade, talvez fosse melhor partir para outro ofício.


Latejantes pensamentos, mas algo intrínseco não fazia cessar sua jornada,
No percurso, ela entrou numa casa cuja porta se encontrava escancarada,
Observou a desordem do lugar e corpos caídos em lacônica paisagem,
Era madrugada, e mais uma família desfeita pela insensatez falta de compaixão.


O dia já iria clarear e seus pés já estavam pavimentados de grossas bolhas,
Por fim uma criança doente deitada num beco fétido e escuro,
Ao observar a secura dos seus lábios, farta de tudo ela decidiu não intervir,
Cabisbaixa e sem olhar para trás, a Morte decidiu voltar para a sua casa.

Nenhum comentário: