Espaço dedicado à análise, reflexão e crítica dos enlaces, desarranjos e autofagias do homem (i)material e o desencanto do mundo contemporâneo.
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010
Perfídia (Lamento de Carnaval)
Oh, cabrocha de tantos carnavais!
Quem diria que você virou isto aí,
Quem diria que num belo dia,
Você não estaria mais aqui.
Vendaval! Todo ano era você e eu,
Você, minha majestosa rainha, galgando corações na avenida,
E eu de pierrô na ala dos desafortunados foliões,
A platéia louvando a sua indecifrável beleza,
Guardando na retina suas exuberantes exibições.
Quem diria!... Você que um dia,
Marcava o samba a noite inteira até o amanhecer,
Seus beijos eram como acordes encantados no som da cuíca,
Agora, renegou, partiu, sumiu e tudo foi sepultado,
A vila, a vida, o samba, o pandeiro e o seu gaiteiro...
Mentiras previsíveis exaladas do amor provisório?
O calor aprazível dos abraços na brisa da madrugada,
Galhofas perenes no roçar dos corpos em êxtase,
Os risos tímidos plantados como sementes de esperança.
Cabrocha, o amor não sobreviveu? Desalinhou, desalinhou...
A cada encontro meus olhos banhavam de ternura seu ego caprichoso,
De dourado, de dourado até o surgir do novo dia no ritmo do pandeiro.
Cabrocha, quem lhe conheceu tão bem, não reconhece a nova esfinge...
Parafraseando a obviedade: Não existe mais você!
Noutra cabrocha se transformou artificialmente,
Renegando aquele que sempre a cortejou...
A saudade sufoca-me de tristeza, de desencantamento, de agonia...
Cabrocha maldosa, para qual ilusão efêmera ofertou seus braços?
Neste carnaval não consegui sambar como outrora,
Toda a nossa escola chorou, chorou...
De infelicidade, de desalento, de perplexidade.
Fugir, fugir... Fugir, por quê?
Se tudo o que ama, todo mundo vê?
Ensaio geral, pavilhão embrulhado em lágrimas,
Saudade atroz, agora em frente ao seu portão,
Passo sem medir meus passos,
Lentamente, como quem em vão procura lhe dizer:
“- Sobra amor, sobra espaço,
No meu barraco, na minha alma em descompasso.”
Pare de viver na fantasia!
A realidade não é folia,
Para o mundo, o seu reino é de apenas um único dia,
Do meu coração, a eternidade do asfalto que você judia,
Não me deixe viver no ostracismo da melancolia,
Engolindo minha dignidade, escrevo esta laboriosa melodia,
Na expectativa que retorne para o calor de minha companhia,
A casa cai e sei que irá sentir saudade em algum dia,
(“Mais cedo do que a ingratidão possa imaginar!”, qualquer um diria)
Então, engolirá o orgulho e cansará de tanta apatia,
Logo, me espere na estação da velha ferrovia,
Que irei buscá-la com toda a minha alegria,
Cabrocha, fiz tanto, tanto!... Só você que não via!
Ah, malograda perfídia!
E segue o samba-enredo do nosso deserto:
Quem bate, esquece,
Quem apanha, recorda,
Quem ama, aquece,
Quem mente, falece,
Quem chora, tem sede,
Quem se arrepende, graceja?
Que perdoa, enobrece?
Quebrou a tradição,
Apertou a tristeza desfilando nas esquinas,
Esqueceu, passou, voou...
O bloco do adeus chegou!
Cabrocha de coração diamantino em bruta pedra,
É bom anotar em sua agenda de formigueiro compromisso,
Zombe do Amor somente até o raiar do dia,
As flores da perfídia não sobreviverão,
Após as cinzas da quarta-feira.
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2 comentários:
Reportei -me à uma canção de Benito de Paula.
Mas , enfim, dolorido é o final de um relacionamento.
Reportei -me à uma canção de Benito de Paula.
Mas , enfim, dolorido é o final de um relacionamento.
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