domingo, 27 de dezembro de 2009

Gina Lee (A Arte do Precipício)


Na palidez mórbida da noite sem rosto,
Ela caminha sem direção como uma discreta borboleta,
Martelando incansavelmente, a música zunia na cabeça,
E os impulsos percorrendo a mente em busca de salvação.


As luzes estroboscópicas enfeitam o cenário,
Os sorrisos alucinógenos patinam na pista,
Não se sabe se é o corpo ou a alma sublimando,
Detalhe que pouco importa no ritmo que transcende a razão.


Uma generosa fileira é evaporada sem constrangimento,
E outros seguidores avançam sobre as demais trilhas de elevação,
Na leva urticante que embala os fixos olhos de diamante,
Ela sorve com gula os pecados polvilhados a granel.


No avanço da madrugada sem destino e voraz cizânia,
Ela dança com devoto frenesi ao som dos liquidificadores,
Eis a sina: chegar longe e mais alto ao pé de qualquer Paraíso,
A mente enjaulada que deseja brilhar a qualquer preço.


Nem pai, nem mãe ou pouco importa a maldita pátria,
Às favas à factícia vida que a deixava entediada e exaurida,
Entre tatuagens exóticas e piercings sobressalentes que mapeiam a epiderme,
Ela criou um mundo próprio tão íntimo, velado e inacessível.


Dançar, dançar até o corpo se canalizar na corrente para qualquer mar levar,
Uma entrega plena na dimensão de seus anseios e da alma em decomposição,
Basta de lágrimas perdidas! O amor é tão sólido como pó de vidro,
Amar hoje porque o amanhã não mais existirá (Quem sabe?).


Entre a fauna salivar de várias bocas unidas e agregadas aleatoriamente,
Lampejos de amores são encontrados e subtraídos na pista escaldante,
Não há regras para o gosto atônico da saliva alheia e pansexual,
Quem chega primeiro leva o sabor da lascívia quitanda amorosa.


Liberdade, liberdade, abra seus tentáculos sobre tanta gente!
Picadas alucinógenas enfeitam o azedume dos dias estáticos,
Ao som em delírio, ela grita alto como se espantasse seus espíritos,
Um exorcismo frenético que ameniza seus temores terrenos.


Mais um dose, um copo cheio de alguma coisa embebido no álcool virgem,
Não importa a procedência desde que possa mergulhar garganta abaixo,
A sede que sufoca na angústia que aglutina calafrios na espinha,
Embalada, seu coração se acelera como um motor de aeroplano.


Intoxicada com tanto êxtase do gozo avassalador em busca de Deus,
Ele a chama com uma descarga elétrica que percorre instantaneamente o coração,
Com olhares indiferentes, sua carcaça de cordeiro se desliga e estende sobre a pista,
Ali jaz uma bela morte que dança rumo às estrelas sob o recital do luar!

sábado, 26 de dezembro de 2009

Mensagem do Degredo


Aos cães que roeram minhas vísceras,
Aos cães que quebraram meus ossos,
Aos cães que mataram a sede com o meu sangue,
Aviso-lhes que não cairei em vão.


Aos cães que vampirizaram a liberdade,
Aos cães que profanaram os túmulos dos viventes,
Aos cães que vociferaram pequenas e grandes maleitas,
Aviso-lhes que meus joelhos não dobrarão facilmente.


Aos cães que manipulam a seta do destino,
Aos cães que se julgaram senhores do tempo,
Aos cães que ejacularam escárnio na cara de inocentes,
Aviso-lhes que a fé é maior do que o desespero.


Aos cães que interditaram a estrada,
Aos cães que roubaram as placas de sinalização,
Aos cães que defecaram no jardim alheio,
Aviso-lhes que o ímpeto do Amor ainda é maior que o ódio incontido.


Aos cães que selaram cartas anônimas,
Aos cães que despejaram gafanhotos,
Aos cães que mentiram em praça pública,
Aviso-lhes que não há bastilha que vença a razão do tempo.


Aos cães que vociferam uma tempestade de injúrias,
Aos cães que ladraram palavras de mau agouro,
Aos cães que polvilharam sementes da discórdia,
Aviso-lhes que não amputarão minhas mãos tão solenemente.


Aos cães que confabularam com aves de rapina,
Aos cães que desfraldaram a flâmula da morte,
Aos cães que agiram pela vã hostilidade,
Aviso-lhes que a vontade é maior que a indiferença divina.


Aos cães que carimbaram prontuários,
Aos cães que zelaram os portais do inferno,
Aos cães que manipularam a burocracia das penalidades,
Aviso-lhes que não terão o prazer da minha estada no manicômio.


Aos cães que pisaram na face de inocentes,
Aos cães que escarraram na boca dos famintos,
Aos cães que defecaram no prato dos despossuídos,
Aviso-lhes que cedo ou tarde até os mortos se rebelarão.


Aos cães que abrigaram no topo da arrogância,
Aos cães que vomitaram a sanha da crueldade,
Aos cães que explodiram sonhos e desabrigaram famílias,
Aviso-lhes que não há dor eterna que não resulte em salvação.


Haverá um tempo para a profanação,
Haverá um tempo para a indignação,
Haverá um tempo para a revolução,
Haverá um tempo para os exercícios de Paz.


Aos cães que caminharam nos limites da insanidade,
Aos cães que abusaram da miopia do mundo,
Aos cães que se autoproclamaram colossos imortais,
Aviso-lhes que haverá um momento que não mais reinarão nem no próprio canil.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Lâmina em Carne Viva (Memórias Tolhidas)


No interior enclausurado do quarto profundo,
Bem diante de um abraço acanhado do travesseiro úmido,
A pequena luz do abajur quebra a monotonia da escuridão,
Distante dos seus olhos: o que você fez com a sua vida?


Na súplica sacerdotal dos medos,
Na luta frenética pelo desvelo,
A fuga agressiva dos olhos suicidas,
Por que fugir com tanto ímpeto?


Sem palavras marteladas ou frases feitas,
Nada que possa justificar ou clarear,
Atos falhos e ações de incerta morada,
Feliz com seu lindo deserto de lâmina rubra?


Se a dor lhe consome dentro de um moedor de carne,
Se a vontade é acariciar os pulsos com os espinhos de uma rosa,
Se a mão carrega a pedra a ser mirada contra a cruz,
Então não reprima as lágrimas que tanto lhe mantém sedada.


Perguntar ofende em demasia: “ Amar não lhe cai bem?",
Sentir que uma única vida poderá ser significativa para alguém,
Atirar com a máxima sordidez pérolas pelas grades da janela,
A autofagia libertária lhe fez um convite ao orgasmo?


Julgar para ser julgado; às favas às veleidades alheias,
Mentiras concretas, verdades sem pressa ou temor rotineiro,
Caminhar entre cacos de vidro adentrando pela planta dos pés,
Quantos encarariam a face revelada de Mefistófeles?


Como é sublime a escravidão voluntária do cotidiano!
Convalescer com o notável riso amarelado do cartão de visitas,
Uma máscara dirige soluços singelos para camuflar seqüelas,
Então acredita que a vida é um pueril luzir pragmático?

Na sombra dos dias de degredo, injúria e abandono,
Até o entoar de um zumbir silencioso poderá agredir os ouvidos,
Doutrinar para si que o Amor é um sedativo de validade vencida,
Em tempo: Quem pretende se iludir na luz da agonia?

Grite, mas não venha com a omissão verbal digna dos covardes,
Orfandade? Não carece produzir tamanha falácia oceânica,
Observe ao seu redor e calcule quantas marés se faz uma canoa,
Por que se afogar em ridículos bancos de areia tão destrutivos?

Olhe para o céu: Será que seus lábios manifestaram um sorriso hoje?
Talvez tenha esquecido de como era o seu semblante no tempo que era feliz,
Doce ilusão narcísea! Consegue vuslumbrar o próprio vulto no espelho?
Cabe a visão distorcida do retrovisor: "- Quem é você?".

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Cálice (Veneno Subcutâneo)


Nada é tão autêntico cuja aparência já não estampou algum outdoor,
No horizonte prolixo das imperfeitas efemeridades sentimentais,
Seus doces olhos dissimulados estamparam mentiras e vaidade,
Tudo contribuiu para o desencanto, o desenlace e o autoengano.


Quem poderia julgar com precisão,
Os atos deliberados de cada um de nós?
Vitória ou derrota, um volúvel detalhe,
Se da vida nada levamos para o berço da lápide.


Um dia você se aproximou e me beijou,
Noutro dia sequer um gesto lacônico de adeus,
O Amor com uma caixa de leite vencida,
Coalhou, sangrou e não deu cria... Paciência!


Estão esqueçamos tudo o que foi dito,
Restou apenas respirar novos ares para o recomeço,
Não há lágrima que dure uma vida inteira,
Não há serpente que atormente o tempo todo.


Você foi mais uma mera miragem dentre tantas outras,
Um simples cálice desfrutado no limite de uma noite,
O corpo que perde seu glamour em poucas horas,
A futilidade das aparências em sexo banal e frágil.


Não aceito mentiras sem articulações,
Minta, mas minta com algum sentimento,
Suas verdades ocas são limítrofes cristais,
Você foi à verdade castigada em rubro desejo.


Nunca me enganei de forma tão voluntária,
A maioria das paixões sobrevive de pequenas burlas,
Os olhos que emanam da latente angústia,
Oculta o fel incandescente da mediocridade.


No fim dos dias, jamais desejaria a morte para alguém,
O ódio suicida é uma tormenta viesada e incômoda,
Sem muito esforço, estarei na apreciação a partir do camarote,
Sem pranto, naturalmente sua carne dourará silenciosa no limbo.


Olhos diminutos em pavio curto,
A tenaz expectativa de uma revanche,
Cortes na derme que pulverizam a alma,
A invisível dor unipessoal de pés calejados.


Não me venha com blasfêmias e riso plástico,
Vá, siga em frente com sua saliva de veneno,
No mar proliferam tantas tempestades repentinas,
Um dia sua nau encontrará o leito oceânico.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Asfalto Líquido (Esquinas Submarinas)


Mas pra que?
Pra que tanto céu?

Pra que tanto mar? Pra que?

("Inútil Paisagem", Tom Jobim)



Na madrugada de uma impiedosa chuva intermitente,
A rua é tingida com trêmulos lampejos de deficitária iluminação,
Toda a cidade é submersa em profundo e agitado breu,
Poucas almas viventes desafiam estar fora de suas ocas.


Com os pés encharcados de lama e resignação,
O caminhar assume um ritmo errático e combalido,
Sobre a cabeça somente existe a proteção de parcas estrelas,
Uma brisa mais forte respinga gotas ácidas em minhas vestes.


Alguns insanos automotores desafiam o temporal,
Outros minguados irrequietos protegem-se em abrigo para queimar pedras,
O vazio e o ódio enegrecem qualquer alma deserdada e esquecida,
Infernal, todos queriam também na Terra o que foi prometido ao Paraíso.


Na solitude da calçada esnobe, meretrizes oferecendo suas mercadorias,
A nata burguesa ergueu acintosas fortalezas para ocultar sua insaciável gula,
A chuva não perdoa mocinhos, bandidos, querubins e os compulsivos por sexo,
Sangue, água, dor e esperma se aglutinam na madrugada aquática e sem face.


Exausto e sem refúgio, os pés peregrinam sem cessar,
Sinto pesado o esforço para manter as pernas a trabalharem,
A umidade das roupas diminui drasticamente a temperatura corpórea,
A empreitada não será abortada por nada alheia a minha intrínseca vontade.


Ao longe, o soar esmaecido de algumas patéticas buzinas,
Arrogantemente, automotores espalham água poluía por toda a calçada,
Em nada adianta lembrar-se das mães de alguns desgraçados ao volante,
A narcísea cidade de papel hostiliza os vencidos e cospe em pobres diabos.


A noite segue em seu manto profundo e indigesto,
Nenhuma gota de álcool na boca ou tilintar de idéias na cabeça,
Impiedosa, a chuva chicoteia os olhos e desafia a visão,
Cair, correr ou suportar, quem ousa desafiar a insanidade?


Com as mãos banhadas na acidez violenta da indiferença,
Impávida e inconseqüente, a chuva prossegue sua rítmica procissão,
Vultos de pequenos roedores visitam lixos pulverizados por todos os locais,
Outros roedores bípedes acomodam-se entre lona e papelões nas fachadas comerciais.


Os passos se agitam acompanhando a intensidade da chuva,
Sem bússola, a estrada é como a corrupção humana que nunca finda,
Como a dignidade no ralo, em pequenas encruzilhadas os caminhos se perdem,
Não há rota segura, apenas a ilusão embolorada da honestidade alheia.


Não sei até onde irei chegar (ou como chegarei),
Agora o tempo não é mais um fator preponderante,
Um dia, uma hora ou por alguns minutos... A chuva cansará de jorrar,
Quem sabe será o momento em que o Sol resolva sair do seu cativeiro.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Amorfobia (Desvelo da Caixa Torácica)


Quem inventou o amor
Não fui eu, não fui eu não
Não fui eu, não fui eu, nem ninguém

(“Nem eu”, Dorival Caymmi)



Outro dia alguém me perguntou de um modo bem capcioso:

Afinal, o que seria um amor verdadeiro?

Provocação banal, ilusão infante ou estado de inação?

De prontidão e sinceridade, foi impossível pré-estabelecer...



Quem sabe se a indagação não estaria na sua forma inversa,

Para não cometer nenhum lapso, não se cria do Amor uma verdade,

Mas a partir de alguma verdade, seja possível cultivar algo mais nobre,

As razões para amar são inúmeras; a veracidade do amor, nem tanto...



Do platonismo ao fortuito pecado explícito: quem tem medo do Amor?

Que sentimento mais surrado nas carícias salivares dos amantes ocasionais!

Amor, amor, amor... Amamos amar a idéia do Amor,

E com menor intensidade, cultivamos as formas de amar.



Com quantas mentiras se constrói um edifício de argila?

Pilares de culpa cinzentada, blocos de rancor e argamassa da discórdia,

A chuva ácida que banha solenemente o lacre adiabático da alma recalcada,

Triste é o Amor afastado pelas mãos da intriga no catecismo da maldade.



Destroçado, ainda é possível resgatar o Amor?

Mesmo nos momentos mais insalubres, inexatos e inconsistentes?

Resistir às pequenas traições e o atroz formigamento cutâneo do tédio?

Altruísmo, generosidade divina ou lealdade: qual o sumo sabor da aprovação?



Há um tempo para semear os grânulos matriciais do Amor,

Há um tempo para resgatar o Amor refém do ódio compulsivo e doentio,

Forças diametralmente opostas se constitui em inflamável amálgama,

Instável tendência para a eletrização das partes e erosão da paixão.



Amor verdadeiro ou versátil sentimento de plástico?

As relações postiças que permeiam e criam vidas autônomas no cotidiano,

Palavras que maculam em forma de doces flores de papel salpicado,

O Amor partido entre lábios de sangue e beijos alcoolizados de fel.



A dor do não-amor é uma indelével atração à parte,

O Amor calcificado que petrifica cada milímetro do peito,

O ar funesto que preenche o vazio aterrador da caixa torácica,

Amor destilado em lágrimas que lampejam solitárias no oceano.



Quando em dado momento, alguém requenta um insólito "yo te quiero",

O medo da dor é ancorado pela orgulhosa estabilidade da razão,

O ego erguido ao cume mais elevado para autopunição da falsa proteção,

Amor é doença afável de voraz contaminação involuntária.



Na insensata batalha entre o altruísmo e a vilania,

Aos que temem a solidão crítica, decadente e agressiva,

Qualquer verdade que desatine entre a sanidade e a loucura,

Não será dada por nenhuma mecânica razão racionalista e pragmática.


quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Renúncia (O Cheiro do Sótão)


Na observância do calendário lembro que há quase um ano,
A última gota de sangue deslizou pelo ralo e se perdeu no limbo,
Da forma mais fria, lacônica e ingrata possível,
Na companhia do perfume de algumas pétalas de rosas.


Na madrugada perene que embalava pensamentos,
A inação lutava sem holofotes contra a inquietude,
Amores nus partidos como uma xícara ao chão,
Sob a forma de cacos pontiagudos havia uma maré de consternação.


Incrédulo, não poderia acreditar com tanta facilidade,
Que o vício do desejo sucumbisse diante da virulência do temor,
A quota suprema da coragem se evaporou como um fósforo queimado,
O anil que teimava reinar se acinzentou por completude.


No álbum de marcas indeléveis de desatinos e angústias atrozes,
Sua presença ainda não desvencilhou do inútil porta-retrato,
Não houve espaços para ódios fugazes ou revanchismos baratos,
O perdão nunca foi uma dádiva povoada de martírios.


No brejo dos dissabores adormecidos na boca,
O vazio entre os dedos ainda canaliza algumas lembranças,
Nada é trivial na superação da noite dos sentimentos refratários.
O tempo corrói, cala e consola todas as vãs palpitações.


O desencantamento se precipita por etapas,
Sem segredos maiores ou mistérios indecifráveis,
O calor do corpo é sentido em baixa temperatura,
Aquele olhar ainda permanece na memória da retina.


A renúncia é uma dor que adormece em braseiro,
Cauteriza e fecha profundos cortes sem maiores cuidados,
Porém, nada que possa ser maculado eternamente com fel,
Ausência, presença inimiga.


Com a janela aberta, o insalubre ar interno possibilita circular,
Renovar o oxigênio que se contaminou com a acidez do ambiente,
Na dura batalha para reconstruir castelos de grânulos de silício,
A disposição nem sempre vence o inevitável cansaço.


Ao apelar para o falso esquecimento,
As gotas de mentiras ficam na atmosfera,
Se a distância imposta foi o melhor amargo remédio possível,
Não desejaria saber qual seria a emergência do pior dos castigos.


Silêncio. Hoje não há mais nada a ser dito,
Apenas tocar a vida diante do certame vencido,
Olhar para o céu e respirar em busca de qualquer Primavera,
Ignorando a perda sentida: saudade, ponto final.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Flores do Aquário


Quando o silêncio falar por si e sem a intervenção de ventríloquos,
Talvez tudo possa a ser sanado de maneira menos estúpida e hostil,
Uma réstia de esperança que possa resultar uma forma menos mecânica,
Resgatar algum nível de sensibilidade nos braços do abismo.


No labirinto de metáforas ausentes e áspera concretude,
As vítreas paredes são diminutas, pétreas e secas,
Os ombros vencidos pelo sabor da areia e do sal,
Aporte malogro de pústulas, inquietações e náuseas.


Quem teme o futuro,
Não vive o presente,
Ilude-se com o passado,
Fiel hóspede do aquário.


Quem ejacula em demasia veneno e rapinagem,
Pode se tornar tão previsível quanto o pôr-do-sol,
O pragmatismo monocromático do cotidiano,
Cercado de redundâncias por todos os lados.


Segue o que é limitado, tosco e presumível,
A emoção incontida num carimbo burocrático,
Mentiras escarradas com fel a serem louvadas,
O senso-comum que distorce e contamina.


Os dias se arrastam no interior do confinamento,
Reclusas, as palavras obedecem ao toque de recolher,
O vazio toma uma dimensão ampliada dentro da redoma,
Os sentimentos ficam machucados, lacrados e tolhidos.


A cela de vidro vai além de uma pálida caricatura,
Suas paredes dizem muito mais do que possam aparentar,
Deixam cicatrizes subcutâneas e respingos na alma,
Chagas invisíveis que coabitam o sabor do humor.


Quantas imagens foram tingidas a ferro quente,
O cheiro de pólvora seca que brotou do gatilho inexato do revólver,
Não se encontra uma definição para a ansiedade,
Apenas a insólita dor para transpor o imponderável.


Qual batalha se deseja guerrear?
Quem se prontifica a escolher a própria missão?
Ilusão, fracasso ou destino... Redoma de vidro.
A pele enrijece e o corpo é entregue ao vento.


Há dias que apenas desejamos um cálice de Paz,
Sangue embriagado para suportar o cárcere à revelia,
O azedume aromático das flores de acrílico,
Indecifráveis fac-símiles de mensagens do aquário.