Quem inventou o amor
Não fui eu, não fui eu não
Não fui eu, não fui eu, nem ninguém
(“Nem eu”, Dorival Caymmi)
Outro dia alguém me perguntou de um modo bem capcioso:
Afinal, o que seria um amor verdadeiro?
Provocação banal, ilusão infante ou estado de inação?
De prontidão e sinceridade, foi impossível pré-estabelecer...
Quem sabe se a indagação não estaria na sua forma inversa,
Para não cometer nenhum lapso, não se cria do Amor uma verdade,
Mas a partir de alguma verdade, seja possível cultivar algo mais nobre,
As razões para amar são inúmeras; a veracidade do amor, nem tanto...
Do platonismo ao fortuito pecado explícito: quem tem medo do Amor?
Que sentimento mais surrado nas carícias salivares dos amantes ocasionais!
Amor, amor, amor... Amamos amar a idéia do Amor,
E com menor intensidade, cultivamos as formas de amar.
Com quantas mentiras se constrói um edifício de argila?
Pilares de culpa cinzentada, blocos de rancor e argamassa da discórdia,
A chuva ácida que banha solenemente o lacre adiabático da alma recalcada,
Triste é o Amor afastado pelas mãos da intriga no catecismo da maldade.
Destroçado, ainda é possível resgatar o Amor?
Mesmo nos momentos mais insalubres, inexatos e inconsistentes?
Resistir às pequenas traições e o atroz formigamento cutâneo do tédio?
Altruísmo, generosidade divina ou lealdade: qual o sumo sabor da aprovação?
Há um tempo para semear os grânulos matriciais do Amor,
Há um tempo para resgatar o Amor refém do ódio compulsivo e doentio,
Forças diametralmente opostas se constitui em inflamável amálgama,
Instável tendência para a eletrização das partes e erosão da paixão.
Amor verdadeiro ou versátil sentimento de plástico?
As relações postiças que permeiam e criam vidas autônomas no cotidiano,
Palavras que maculam em forma de doces flores de papel salpicado,
O Amor partido entre lábios de sangue e beijos alcoolizados de fel.
A dor do não-amor é uma indelével atração à parte,
O Amor calcificado que petrifica cada milímetro do peito,
O ar funesto que preenche o vazio aterrador da caixa torácica,
Amor destilado em lágrimas que lampejam solitárias no oceano.
Quando em dado momento, alguém requenta um insólito "yo te quiero",
O medo da dor é ancorado pela orgulhosa estabilidade da razão,
O ego erguido ao cume mais elevado para autopunição da falsa proteção,
Amor é doença afável de voraz contaminação involuntária.
Na insensata batalha entre o altruísmo e a vilania,
Aos que temem a solidão crítica, decadente e agressiva,
Qualquer verdade que desatine entre a sanidade e a loucura,
Não será dada por nenhuma mecânica razão racionalista e pragmática.
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