sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Amorfobia (Desvelo da Caixa Torácica)


Quem inventou o amor
Não fui eu, não fui eu não
Não fui eu, não fui eu, nem ninguém

(“Nem eu”, Dorival Caymmi)



Outro dia alguém me perguntou de um modo bem capcioso:

Afinal, o que seria um amor verdadeiro?

Provocação banal, ilusão infante ou estado de inação?

De prontidão e sinceridade, foi impossível pré-estabelecer...



Quem sabe se a indagação não estaria na sua forma inversa,

Para não cometer nenhum lapso, não se cria do Amor uma verdade,

Mas a partir de alguma verdade, seja possível cultivar algo mais nobre,

As razões para amar são inúmeras; a veracidade do amor, nem tanto...



Do platonismo ao fortuito pecado explícito: quem tem medo do Amor?

Que sentimento mais surrado nas carícias salivares dos amantes ocasionais!

Amor, amor, amor... Amamos amar a idéia do Amor,

E com menor intensidade, cultivamos as formas de amar.



Com quantas mentiras se constrói um edifício de argila?

Pilares de culpa cinzentada, blocos de rancor e argamassa da discórdia,

A chuva ácida que banha solenemente o lacre adiabático da alma recalcada,

Triste é o Amor afastado pelas mãos da intriga no catecismo da maldade.



Destroçado, ainda é possível resgatar o Amor?

Mesmo nos momentos mais insalubres, inexatos e inconsistentes?

Resistir às pequenas traições e o atroz formigamento cutâneo do tédio?

Altruísmo, generosidade divina ou lealdade: qual o sumo sabor da aprovação?



Há um tempo para semear os grânulos matriciais do Amor,

Há um tempo para resgatar o Amor refém do ódio compulsivo e doentio,

Forças diametralmente opostas se constitui em inflamável amálgama,

Instável tendência para a eletrização das partes e erosão da paixão.



Amor verdadeiro ou versátil sentimento de plástico?

As relações postiças que permeiam e criam vidas autônomas no cotidiano,

Palavras que maculam em forma de doces flores de papel salpicado,

O Amor partido entre lábios de sangue e beijos alcoolizados de fel.



A dor do não-amor é uma indelével atração à parte,

O Amor calcificado que petrifica cada milímetro do peito,

O ar funesto que preenche o vazio aterrador da caixa torácica,

Amor destilado em lágrimas que lampejam solitárias no oceano.



Quando em dado momento, alguém requenta um insólito "yo te quiero",

O medo da dor é ancorado pela orgulhosa estabilidade da razão,

O ego erguido ao cume mais elevado para autopunição da falsa proteção,

Amor é doença afável de voraz contaminação involuntária.



Na insensata batalha entre o altruísmo e a vilania,

Aos que temem a solidão crítica, decadente e agressiva,

Qualquer verdade que desatine entre a sanidade e a loucura,

Não será dada por nenhuma mecânica razão racionalista e pragmática.


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