Espaço dedicado à análise, reflexão e crítica dos enlaces, desarranjos e autofagias do homem (i)material e o desencanto do mundo contemporâneo.
sexta-feira, 11 de dezembro de 2009
Asfalto Líquido (Esquinas Submarinas)
Mas pra que?
Pra que tanto céu?
Pra que tanto mar? Pra que?
("Inútil Paisagem", Tom Jobim)
Na madrugada de uma impiedosa chuva intermitente,
A rua é tingida com trêmulos lampejos de deficitária iluminação,
Toda a cidade é submersa em profundo e agitado breu,
Poucas almas viventes desafiam estar fora de suas ocas.
Com os pés encharcados de lama e resignação,
O caminhar assume um ritmo errático e combalido,
Sobre a cabeça somente existe a proteção de parcas estrelas,
Uma brisa mais forte respinga gotas ácidas em minhas vestes.
Alguns insanos automotores desafiam o temporal,
Outros minguados irrequietos protegem-se em abrigo para queimar pedras,
O vazio e o ódio enegrecem qualquer alma deserdada e esquecida,
Infernal, todos queriam também na Terra o que foi prometido ao Paraíso.
Na solitude da calçada esnobe, meretrizes oferecendo suas mercadorias,
A nata burguesa ergueu acintosas fortalezas para ocultar sua insaciável gula,
A chuva não perdoa mocinhos, bandidos, querubins e os compulsivos por sexo,
Sangue, água, dor e esperma se aglutinam na madrugada aquática e sem face.
Exausto e sem refúgio, os pés peregrinam sem cessar,
Sinto pesado o esforço para manter as pernas a trabalharem,
A umidade das roupas diminui drasticamente a temperatura corpórea,
A empreitada não será abortada por nada alheia a minha intrínseca vontade.
Ao longe, o soar esmaecido de algumas patéticas buzinas,
Arrogantemente, automotores espalham água poluía por toda a calçada,
Em nada adianta lembrar-se das mães de alguns desgraçados ao volante,
A narcísea cidade de papel hostiliza os vencidos e cospe em pobres diabos.
A noite segue em seu manto profundo e indigesto,
Nenhuma gota de álcool na boca ou tilintar de idéias na cabeça,
Impiedosa, a chuva chicoteia os olhos e desafia a visão,
Cair, correr ou suportar, quem ousa desafiar a insanidade?
Com as mãos banhadas na acidez violenta da indiferença,
Impávida e inconseqüente, a chuva prossegue sua rítmica procissão,
Vultos de pequenos roedores visitam lixos pulverizados por todos os locais,
Outros roedores bípedes acomodam-se entre lona e papelões nas fachadas comerciais.
Os passos se agitam acompanhando a intensidade da chuva,
Sem bússola, a estrada é como a corrupção humana que nunca finda,
Como a dignidade no ralo, em pequenas encruzilhadas os caminhos se perdem,
Não há rota segura, apenas a ilusão embolorada da honestidade alheia.
Não sei até onde irei chegar (ou como chegarei),
Agora o tempo não é mais um fator preponderante,
Um dia, uma hora ou por alguns minutos... A chuva cansará de jorrar,
Quem sabe será o momento em que o Sol resolva sair do seu cativeiro.
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