
Mas pra que?
Pra que tanto céu?
Pra que tanto mar? Pra que?
("Inútil Paisagem", Tom Jobim)
Na madrugada de uma impiedosa chuva intermitente,
A rua é tingida com trêmulos lampejos de deficitária iluminação,
Toda a cidade é submersa em profundo e agitado breu,
Poucas almas viventes desafiam estar fora de suas ocas.
Com os pés encharcados de lama e resignação,
O caminhar assume um ritmo errático e combalido,
Sobre a cabeça somente existe a proteção de parcas estrelas,
Uma brisa mais forte respinga gotas ácidas em minhas vestes.
Alguns insanos automotores desafiam o temporal,
Outros minguados irrequietos protegem-se em abrigo para queimar pedras,
O vazio e o ódio enegrecem qualquer alma deserdada e esquecida,
Infernal, todos queriam também na Terra o que foi prometido ao Paraíso.
Na solitude da calçada esnobe, meretrizes oferecendo suas mercadorias,
A nata burguesa ergueu acintosas fortalezas para ocultar sua insaciável gula,
A chuva não perdoa mocinhos, bandidos, querubins e os compulsivos por sexo,
Sangue, água, dor e esperma se aglutinam na madrugada aquática e sem face.
Exausto e sem refúgio, os pés peregrinam sem cessar,
Sinto pesado o esforço para manter as pernas a trabalharem,
A umidade das roupas diminui drasticamente a temperatura corpórea,
A empreitada não será abortada por nada alheia a minha intrínseca vontade.
Ao longe, o soar esmaecido de algumas patéticas buzinas,
Arrogantemente, automotores espalham água poluía por toda a calçada,
Em nada adianta lembrar-se das mães de alguns desgraçados ao volante,
A narcísea cidade de papel hostiliza os vencidos e cospe em pobres diabos.
A noite segue em seu manto profundo e indigesto,
Nenhuma gota de álcool na boca ou tilintar de idéias na cabeça,
Impiedosa, a chuva chicoteia os olhos e desafia a visão,
Cair, correr ou suportar, quem ousa desafiar a insanidade?
Com as mãos banhadas na acidez violenta da indiferença,
Impávida e inconseqüente, a chuva prossegue sua rítmica procissão,
Vultos de pequenos roedores visitam lixos pulverizados por todos os locais,
Outros roedores bípedes acomodam-se entre lona e papelões nas fachadas comerciais.
Os passos se agitam acompanhando a intensidade da chuva,
Sem bússola, a estrada é como a corrupção humana que nunca finda,
Como a dignidade no ralo, em pequenas encruzilhadas os caminhos se perdem,
Não há rota segura, apenas a ilusão embolorada da honestidade alheia.
Não sei até onde irei chegar (ou como chegarei),
Agora o tempo não é mais um fator preponderante,
Um dia, uma hora ou por alguns minutos... A chuva cansará de jorrar,
Quem sabe será o momento em que o Sol resolva sair do seu cativeiro.
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