quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Lama e Caos (Memórias Submarinas)


Mais uma manhã encharcada na cidade de papel,
Automotores perambulam entre asfalto e lama suja,
Um desolador cinza encobre toda a paisagem disforme,
Sem trégua, logo a chuva voltará a dar sua cara.


Rompe o barulho dos automotores,
Rivaliza com o entoar de alguns pássaros,
Da janela, o Sol ainda não tomou forma,
Das narinas, o ar estagnado é denso e hostil.


Em ponto de ônibus, calçadas agitadas ou no trânsito pesado,
Indivíduos estressados procuram cumprir sua protocolar rotina,
Buscando serem bons cidadãos com nome limpo no empório do crédito,
Ao final do mês, mais um eletrodoméstico para prender o coração.


Início de mais um ano, fim de festejos e fim da bonança,
A alegria provisória cede lugar para o maquinário cotidiano,
Para variar, a cidade se desorganiza pra espremer seus habitantes,
Desordenado e caótico, tudo é sangue, asfalto e concreto.


Temporais de canivetes, torrentes de caos certeiro.
Alagamentos em tragédias sempre bem previsíveis,
Perfilam os velhos eletrodomésticos que bóiam nas ruas ilhadas,
E as dores que a vida carrega se resume num curso de córrego.


Eleitoreiras autoridades com suas promessas em água parada:
Segue a lenda: “No próximo ano tudo será diferente!”,
Como um carnaval macabro imperando na avenida,
A porta-estandarte da agonia é a presença constante na paisagem.


Contabilizam-se mortos como se acendem palitos de fósforo,
Famílias e desconhecidos jogados em valas comuns,
Corpos a se decomporem entre lama e caos,
Assistidos pela chuva fina que não pára de cessar.


Guetos, vielas e pinguelas apodrecidas,
Abandono e barbárie do coração às bordas da cidade,
Entulhos de lixo se mesclam em amontoados de gente,
Consumir, defecar e sobreviver na ordem pétrea da selva.


Papai Noel já foi embora com seus delírios de consumo,
Encheu de esperança e deixou tanta gente debaixo d´água,
A velha história de abandono é sempre do mesmo tom:
Quem espera morre afogado, quem nada cai num bueiro.


A felicidade-cidadã de destemidos transeuntes,
É se apoderar de um submarino ou algum veículo alado,
Bem-afortunados, os espertos urinam do alto sua indiferença social,
Na cidade imersa, quem é pobre, afoga!

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