sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Rotina No. 1 (Efêmeras Certezas)


Cinza. Nuvens cinza que embalam gradativamente a cidade.
Atmosfera densa que contamina até as verdades mais pétreas,
Um insólito ar de angústia reina no jazigo da garganta,
Afinal, quem tem medo que o mundo repentinamente evapore?


Mereceria algum júbilo os viventes remediados do cotidiano?
Quando imprime nas suas vazias vidas um gosto de falso alívio,
Certo ou errado, para quê pensar na existência,
Se o automotor da rotina desliga vestígios de memórias?


Os caminhos banais se cruzam newtonianamente,
Os dias caem certeiros como pedras perfiladas de dominó,
Hoje é quarta, vem a sexta e eclode mais um final de semana,
Felizes são aqueles que acreditam na imutabilidade do destino!


Os perigos são todos paridos da mesmíssima receita de bolo,
A Santíssima Trindade hipermoderna garante o inexpugnável oxigênio,
Viver, Consumir e, para a descarga da tensão, Perecer,
A ordem canônica da fugaz velocidade entediante.


Agora são os versos que outrora foram desgastados em sexo efêmero,
A reciclagem da inútil verossimilhança dos fatos sem significado,
Não é necessária nenhuma veracidade além do pranto partido ao meio,
Sem tempo para nada, é levantar para mais um dia de trabalho sem nexo.


Do alto de uma ponte por onde trafega o trem metropolitano,
O postal de uma cidade ilhada de azedumes por todos os lados,
Tantos perambulam de um lado ao outro em busca de alguma razão,
E trabalhadores apressados ditando o ritmo do tal progresso... Será?


Na vida-ilusão circulante da agenda sempre cheia de procissões,
Põe em cheque sua funcionalidade averbada como essencialmente vital,
Acordar com a cara pressionada contra o asfalto rústico do relógio,
Conviver com as têmporas tinindo resquícios ensurdecedores do vazio.


Verdade em verdade ninguém sobrevive sem um mínimo propósito,
Para a premissa acima, é preciso reinventar conceitos e refazer trajetórias,
Todavia, tudo se reduz às alegrias-relâmpagos em gotas de felicidade instantânea,
E para não dar nada errado, lá vêm os apegos sincréticos aos livros sagrados e auto-ajuda.


Na televisão, bem estampado no outdoor ou nas páginas da revista semanal,
O dito cidadão civilizado é convidado a se cercar de imperativas necessidades,
A esperta sedução matreira flertando as carências sensitivas e afetivas,
Os (de)lírios de Goebbels para o preenchimento do deserto da realidade.


Segunda-feira e já se reinicia a metodológica semana cotidiana e pro forma,
Resgata do pendrive a tiracolo toda a programação do afogamento compulsório,
Trânsito, temporal, feridas em cicatrizes, maquiagem portátil e algumas lágrimas no lenço,
E prossegue o ensaio farsesco da felicidade anotado no verso dos protocolos habituais.

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