domingo, 12 de agosto de 2007

Cine Ilusão (VOX CLAMANTIS IN DESERTO)


Luz alta em holofotes escaldantes,
Mostrei-lhe a rota para escalar o labirinto,
Queimei-me as mãos nesta investida,
Ceguei-me abruptamente a miopia,
Sacrifiquei-me voluntariamente as artérias,
E agora vem você dizer simplesmente adeus?

Curvei-me em sua direção,
Lutei contra fantasmas insolúveis,
Teci pacientemente palavras aos seus olhos,
Escalei vãos precipícios levando nos ombros orquídeas, papéis e tinta,
Colher-lhe-ia ainda mais flores para envaidecer todo o seu deserto,
E agora vem você negar seus lábios?

Desci ao fundo de sua alma,
Velei seus temores mais irreais com incenso,
Vendavais jorraram areia na nossa face,
Fomos castigados pela flacidez da sua coragem,
Substituímos pateticamente a epiderme pelo silício,
E agora vem você maldizer a devoção?

Penetrei na selva dos seus enganos,
Atravessei avenidas guiado pelo aroma do seu suor,
Conduzir minhas mãos para afagar suas lágrimas,
Clareei suas noites com pequenas canções,
Abracei torrencialmente seu corpo junto ao meu,
E agora vem você dizer que foi tudo ilusão?

Ah, mal escarlate que deságua nos seres desprovidos de sentidos!
O seu orgulho é como o medo que formiga suicidamente a realidade,
Lembra do desejo que umedecia o seu íntimo?
Perceba agora... É a apatia que fomenta um microcosmo de ilusões,
Num vasto e tétrico silêncio com receio de acordar,
E agora vem você ingenuamente “deletar” nossa história?

Pois bem, aceitaremos passivamente um inexorável destino?
Olhe o céu e veja algumas teimosas gaivotas voarem livres,
Outras preferem acomodarem no cativeiro,
Na vídeo-ilusão de nossas minguadas vidas,
Não existiu espaço para um final menos infeliz...
E agora vem você eclipsar o que restou dos respingos de felicidade?

No seu porto solitário que expõe os dentes por qualquer fantasia barata,
Sua vida de grandes lacunas vazias inundada pela pequenez dos dissabores,
Venera equívocos como esfinges perfiladas com aura de verdades absolutas,
Parcimônias falaciosas liquidificando seus volúveis pensamentos,
Vampiros mefistofélicos adornando solenemente o pescoço,
E agora vem você ignorar minhas mãos?

Fui o anti-herói de sua história,
Uma brevidade de longa coerção,
Purguei no óleo de sua apatia,
Como um cambaleante náufrago, acreditei em seus belos lábios de sereia,
Atirei-lhe todas as possíveis cartografias pela janela da sua retina,
E agora vem você encarcerar tudo num lacônico curta-metragem?

O que sobrevive são repetições de conhecidas sessões...
Vidas separadas,
Amores impossíveis,
Cateterismo da existência,
Questionamentos da matéria,
Tolas preces no deserto do real,
Pipocas ao vento na avant-première do nosso cine ilusão.

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