sábado, 24 de maio de 2008

Inverno Afásico



No destempero das horas exaladas,
Na alta procissão da madrugada,
Entre o silêncio e o vazio,
Tudo parece imerso em sonambulismo.


O sangue que hoje coagula,
Ontem, nutria a seiva do seu semblante,
Onde era dominado pela alegria,
Hoje só há espaço para a afasia.


No crivo da madrugada sem dentição,
Deixando marcas indeléveis na alma,
O frio domina os dias de inverno,
A voz se congela sem emitir eco.


Na ausência das palavras petrificadas,
Os dias saltam como páginas se transformando em décadas,
Diante do espelho o registro de fios deserdados da cabeça,
E a sensação presente do consumo da alma sem alívio.


Não há noite sem pesadelo que não oprime,
O frio calcifica os dedos e dificulta a escrita,
Transcrever dilemas ou recitar uma ópera,
A enigmática platéia sem espectadores.


Com o lápis dos dedos e as pálpebras cansadas,
O pensamento sem encontrar morada,
Encontrar as palavras exatas que possam alcançar,
O toque singular diante do eclipse de sua alma.


O inverno adormece o corpo,
Uma letargia que atrofia os joelhos,
As articulações teimam em se rebelarem,
Os passos são inseguros e a ansiedade permanente.


No resto de noite sem brilho,
Busco os vestígios da trilha de sua fuga,
Um caminho cheio de neblina, neve e granizo.
Os lábios trincados acompanham na estrada.


Os poucos raios de Sol ficaram reféns dos anseios,
As palavras se fecharam com receio do tempo,
A angústia calou o entusiasmo tolhido,
O inverno celebra a desunião sôfrega dos lábios.

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