quarta-feira, 4 de junho de 2008

Avant –Première (Roteiro da Fragilidade dos Dias)



Frio intenso e chuva,
A noite que arde na ausência,
Rios de água que despencam intermitentemente,
O olhar prostrado no vazio.


Quando um se recolhe em si,
A penitência é transbordada também para o outro,
O que era orgulho vira clausura,
O cárcere outrora privado agora se traduz no algoz partilha.


Quando o “nós” é substituído pelo “self”,
O desejo a dois é submetido ao narcíseo ego,
O diálogo se escraviza em solitude,
A sensibilidade é trocada pela instabilidade.


Quando a linguagem se torna refém,
Os juramentos mútuos perdem a força esperada,
O medo passa a gerenciar as ações,
A segurança de tudo se dilui na fragilidade dos dias.


Os ponteiros do relógio crucificam a cada minuto,
O tempo de cada sôfrega saudade,
Soerguida pela força de um guindaste,
Abrumando o vácuo solene do dias.


Na manhã de um gélido despertar,
A cama não conseguiu ser aquecida,
Os pensamentos marejaram em vão pinçando a sutiliza dos momentos,
A mão que toca o leito e sente a severidade do Saara.


Sempre se aposta na auto-suficiência,
Para burlar as próprias fragilidades,
E quando se observa um olhar tempestivo,
O ego tolo cala a fala sentida.


Sufocam-se os desejos com todo o receio,
Acreditando ingenuamente que assim eles não afloraram,
Vaticinam com silêncio os dias dormentes,
Arrastados com as turvas águas da chuva na calçada.


E o castigo permanece latente,
Sonhos contidos e pesadelos acres na boca,
A insônia como indigesta companheira de viagem,
Mais uma manhã despontando sem a luminosidade necessária.


A pressão neurótica da fluidez cotidiana,
O vai-e-vem sem contexto e imaginação,
O sabor da existência se resumindo no livro-ponto assinado,
A liberdade é mais um dos raros bens escassos que foi roubada.


Todos juram ter suas próprias fórmulas mágicas,
Acreditam na autofágica ilusão da mercadoria,
Nada tem mais significado quando tudo se aliena,
Quando o desejo se curva perante a angústia.


E assim transbordam os dias,
Mumificados de sentimentos agonísticos,
A busca desesperada tão dispersa de si,
Tudo se torna diminuto diante da avassaladora fragilidade cotidiana.

Um comentário:

Anônimo disse...

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