domingo, 22 de junho de 2008

Reentrâncias


Sobre os trilhos da correnteza,
Muita coisa se passa sem deixar aviso,
Travessia latejando sem pedir licença,
Cumpre um rito sem expectadores.


Rasgam-se dias após dias,
Como papéis velhos e descartados,
O trem tramita uniformemente,
E os olhos ainda buscam alguma direção.


A cada parada em alguma estação,
Um povoado de memórias vem à tona,
Não existem segredos de Estado,
Somente a voz interrompida e lacrada.


As velas da nau são acesas,
Um lampejo no fundo denso,
Inconsistência remota em todos os lados,
No meio do breu apenas uma pequena fagulha.


Não se sabe bem a Natureza,
Um pensamento mordaz ou desejo insatisfeito,
Na terra onde as almas tremem,
Qualquer fuga são respingos de sobrevivência.


Cruzam-se os dedos,
Ansiando a ansiedade passar,
Porém nada se desvencilha sem trégua,
O pacto entre o silêncio e a dor.


Nos caminhos cruzados entre pupilas,
É temida a eclosão de mais inquietações,
Como se pudéssemos acorrentar todas as sombras no fundo do baú,
E a chave ser lançada diante da primeira janela.


Os segredos nunca postos à mesa,
Reentrâncias dos fantasmas atados à memória,
O sumidouro das palavras guarda os cânticos de salvação,
A reclusão é a sina punitiva das almas desencontradas.


Mesmo de braços escancaradamente abertos,
A brisa não ajuda a levar os medos até minhas mãos,
Entre as palafitas que sustentam sua suficiência angustiante,
Coexiste o vazio imprimindo cores enegrecidas nos laços desatados.


A cada lágrima cortada na face e escondida no travesseiro,
Mais um momento natimorto que não vingou,
O sal polvilha o desflorar do antigo jardim,
E o silêncio da noite tenta em vão mumificar nossas dores.

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