quinta-feira, 26 de junho de 2008

Fogo Cruzado


Se a dor fosse apenas uma metáfora,
A vida seria como uma folha de papel,
A cada rabisco indesejado ou grafia mal redigida,
Bastaria amassar e atirar a indesejável ao cesto.


Se os sonhos fossem apenas miragens,
Restaria esperar pelo último fôlego,
Ficar quieto e imobilizado debaixo da cama,
Até chegar à morte com sua populosa caravana.


Se a vida fosse apenas uma óbvia redundância,
Aritmética estéril e atávico valor prefixado,
Tudo já seria pré-formatado como janelas de condomínio,
Acontece que um mais um raramente é uma soma de duradoura felicidade.


Se todas as angústias fossem insolúveis,
Bem melhor seria trancar a vida no guarda-roupa,
Pendurar em cabides cada um dos fantasmas castradores,
E viver com os olhos fechados e as mãos egoístas.


Para onde correr quando a correnteza surge em sentido contrário?
A vegetação é densa e a luz é rarefeita,
Não há sinais claros e nada é usualmente óbvio,
As incertezas presentes são guias desnorteadas pelo caminho.


Os dias que se transformam em páginas em branco,
Não há afeto que não possa merecer um único rascunho a lápis,
A futilidade das horas desfalecidas a cada giro dos ponteiros do relógio,
Parábolas inconsistentes que não explicam a opção pela fuga.


O coração latejando é sempre deixado em reclusão,
A cabeça baixa submerge a secura dos lábios,
A autopunição é o desejo mordaz de não aglutinar mágoas futuras,
A vida projetada como um mapa rodoviário.


Na palidez do sorriso esconde o embate das agruras cutâneas,
Evitar sempre refletir sobre os próprios atos,
Acreditar sempre na falsa certeza egocêntrica,
A vida atrelada como válvula de escape.


E assim tramitam os dias,
Tristes, severos e tingidos com cores artificiais,
Sob fogo cruzado a vida se recolhe no desértico casulo,
E viver se torna um verbo deixado para depois...

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