terça-feira, 4 de novembro de 2008

Hostil Primavera


Na manhã que se levanta fria,
A sensação térmica castiga os lábios,
Busco aquecer em vão meus dedos,
A Primavera hostil vai bem além do registro dos termômetros.


Os automóveis trafegam com moderado barulho,
Um som tão abafado quanto disperso,
As folhas do calendário vão sendo trocadas,
Debaixo dos escombros resiste a saudade intacta.


Alguns pássaros tomam coragem e entoam um canto triste,
Parece um ruído indescritível de lamento,
Talvez sintam a tristeza dos olhos levados pela maré,
Quem sabe o que se passa dentro de um coração?


Ninguém tem tanta certeza,
A ponto de afirmar com exatidão,
Não basta tarô ou quiromancia,
Pouco adianta para desvelar um violento silêncio sem temperamento.


Uns acreditam nas Escrituras,
Outros se apegam ao crucifixo,
Não sei à esta altura o que é certo ou errado,
A vida tem uma razoabilidade manca e torpe.


Seria mais fácil viver dentro de um amorfo script,
Fingir um burocrático sorriso e distribuir gélidos abraços,
É bem mais simples fragmentar o espelho,
Melhor seria sete anos de azar à mergulhar dentro de si?


O que deve ser dito diante do demônio,
Dentro das profundezas de nós mesmos,
Quais mentiras devem ser suscitadas,
A inútil avidez para preservar a alma da danação.


Não há frio que resista à ansiedade,
Ela cresce e toma um espaço monumental na garganta,
O grito não ecoa e as palavras ficam limitadas pelo papel,
Queria poder com meus dedos sentir a sua face.


No quarto alguns papéis viram recordações,
Uma canção de acordes simples substitui o vazio,
A Paz relutante sem encontrar morada,
Segue o caminho da batalha no campo de invisível algodoeiro.


Na Primavera de flores despetaladas,
Sobrevivendo sob o fogo cruzado da tortura silenciosa,
Quem caminha à passos miúdos de peito aberto,
Estará sempre correndo o risco da sentimental inanição.

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