segunda-feira, 15 de outubro de 2007

O homem esquecido


O diabo, o sedutor deles, lançado para dentro do lago de fogo e enxofre, onde já se encontram não só a besta como também o falso profeta; e serão atormentados de dia e de noite pelos séculos dos séculos. (Apocalipse, 20.10)


Hoje sou um homem esquecido,
Meu passado sumiu com a poeira volátil do tempo.
Hoje sou menos do que tinha sido ontem,
Ontem foi a aventura que delinearia o nosso amanhã.

Quanta tormenta foi inoculada no coração!
No espelho observo meu rosto com olhos extáticos,
De vida pétrea hoje sou argila,
O amor que nutria ceifou minha seiva,
Algemou minhas mãos trancafiadas no ostracismo,
Vazio voraz imerso num escuro calabouço.
Regurgitando palavras sem direção,
Conto aleatoriamente minhas feridas abertas...
Uma, duas, três... São muitas!...
Balbucia a saudade,
Mas nunca sacia a sede.

Tudo o que fui,
Hoje sou a lembrança de um gélido deserto.
Esquecido sobre o porta-retrato derrubado na mesa...
Flores? Todas despencaram suas pétalas.
Sorriso? Todos friamente emudecidos.
Ternura? Tudo transformado em poeira de asfalto.
Quem se lembra?...
Talvez com algum esforço você possa lembrar...
Ontem era o brilho de nossa luz,
Hoje um martírio em trevas,
Os sinais apregoados com um beijo na cruz,
A noite é a lança perfurante que não deixa a alma perecer.

Esquecido pelo tempo,
Corroído pelas injustiças,
Negada qualquer tentativa de sintonizar a voz.
Agora ecoa erraticamente o grito proferido no alto da montanha...
Ninguém ouve,
Ninguém vê,
Ninguém se importa!
Hoje estou esquecido.
O passado é a lembrança do que jamais poderia ter acontecido!

Ontem era pleno amor,
Hoje o desamor de qualquer humor.
A vida não são apenas pedras...
É também consternação.

O homem esquecido esmaecido em sombras tão atadas pelas angústias,
Um lamento de desencanto é o refúgio dentro da alma,
Os dias tornam-se tão insanáveis quando a derrota sublima a vida,
No chão caído sobre alguns goles de álcool e o azedume que peregrina na boca,
O amor quando não se revela amordaça todos os sonhos...

E tudo é esquecido por aí...
Na varanda do apartamento,
Na sala onde tanto desejo se fez presente,
No silêncio do quarto vazio,
Na cama ausente de companhia,
No café solitário do domingo,
Na boca seca sem afeto...
Hoje os dias são amargos como a cruel distância.

O homem esquecido,
Pelo abandono dos sonhos mútuos,
Pelo desejo confinado pelos fantasmas,
Preso pelo silêncio da indiferença,
Medos e mais medos bailando sobre nossas cabeças,
Uma gota de sangue desliza na ponta dos olhos,
Pairando levemente sobre sua mão...
A vida passa esperando você despertar...
Somente seus olhos ensurdecidos não percebem,
Acordar, viver antes de perecer.

Chove lá fora e nada mais além para festejar a nossa queda,
Levante a cabeça e olhe para cima,
O que vê é o que não pode ser ignorado,
Nada pode deixar de ser lembrado...

Lá no alto,
O homem esquecido,
Uma chaga no peito,
Mãos abertas em vão,
Atado na cruz.

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