terça-feira, 12 de agosto de 2008

O Jardim de Olívia


“Entre a mágoa e o nada. Eu prefiro a mágoa.” (William Fawcett)


Naquela casa onde quase sempre era um punhado de desalento,
Abrigava uma menina sem pai ou mãe,
Acolhida pelo voluntarismo de uma família postiça,
Tudo era meio silenciado, isolado e artificial.


Seus sonhos eram minguados e seus anseios da vida também,
Não tinha nenhuma perspectiva de futuro,
O que somente encantava aquela menina,
Era sempre colher uma flor do jardim.


Com lenta suavidade, de rosa em rosa,
A menina foi crescendo na aspereza e distanciamento dos sentimentos,
Não conseguia fazer amigos porque desconfiava de toda gente,
Tudo era uma monotonia e ela acreditava que ninguém estava páreo para seu enlace.


Mesmo entrando na adolescência,
A menina nunca deixou de colher sua rosa diária,
Como numa procissão silenciosa e assim fazia todos os dias,
Como se cada rosa significasse um dia a mais na sua insípida vida.


Na escola era como bater cartão no maquinário fordista,
Fazia com indiferença tudo o que era pedido,
Tirava nota quando era somente necessário,
Trabalhava o mínimo para “passar de ano”.


Ela sempre gostava de observar a noite,
Cada estrela oriunda do manto negro que cobria sua casa,
Nunca conseguiu contar todas as estrelas,
Mas ela sempre acreditou que sua contagem tinha chegado bem perto.


Da adolescência à famigerada adulta,
O mundo ficou mais desencantado do que outrora,
Arranjou um ofício para trocados e lá permaneceu com vínculo,
Mas mesmo assim, a cada dia nunca deixou de colher uma rosa.


As tarefas eram rotineiras e quase sempre repetitivas,
Não exercia a criatividade e tampouco merecia queimar alguns neurônios,
A secura do trabalho combinava com o vazio de seus dias,
Prazer mesmo era a rosa colhida que fazia sua alegria.


Sem amigos, ela tocava a vida como se conduzia gado,
Sem pressa, ela se via preenchida pelo sonho de ter um jardim somente dela,
Nunca teve amores e achava as pessoas um longo tédio,
De pouca conversa, ela quase sempre se manifestava via diálogos fragmentados.


Numa certa manhã chuvosa e cinza,
Colheu cedo sua flor do dia e foi para o trabalho,
No caminho ao atravessar desatenta a rua,
Foi atingida por um automóvel desgovernado que havia freado sem sucesso.


Caída ao chão e sangue à sua volta,
Foi levada ao hospital de alguns quarteirões dali,
Não fez muita força para resistir,
E como se não quisesse mais nada da vida... Desejou perecer.


E os dias para aquela criança-mulher cessaram,
Um fim tolo para uma vida idem,
Não conseguiu realizar em vida seu sonho de infância,
Seu jardim florido tão almejado.


Mas como a existência é sempre irônica,
No seu funeral, mesmo com reduzidas pessoas e algumas borboletas,
Polvilharam com flores de todas as cores seu tumulo,
Enfim, no último momento seu sonho foi contemplado.


Aquela vida tão solitária, seca e tediosa,
Sempre regada à introspecção e sem nenhum propósito,
Diante da ausência, subitamente tinha ganhado vida seu jardim póstumo,
Mesmo quando não se escolhe a vida; ela nunca deixa de existir.

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